domingo, 28 de março de 2010

Meth, Ghost & Rae: Wu-Massacre

Ano: 2010
Gravadora: Def Jam
Produtores: BT (faixa 1), Allah Mathematics (2, 7 e 10), Ty Fyffe (4), RZA (5), Digem Trax Productions (6), E Meal (8) e Scram Jones (11 e 12).
Participações: Solomon Childs (4), Streetlife (4), Inspectah Deck (6), Sun God (6), Tracy Morgan (9), Trife da God (11), Sheek Louch (11) e Bully (11).

Continuando a sequência de novos trabalhos do Wu-Tang Clan, três dos nove membros originais do grupo resolveram se juntar num projeto colaborativo. A ideia dos caras de lançar algo paralelo ao Wu é reminiscente daquela pequena rebelião orquestrada logo depois do lançamento do último álbum do Wu, "8 Diagrams", cuja produção foi alvo de críticas por parte de Raekwon e Ghostface Killah. Na época, o primeiro anunciara que faria um álbum com o tipo certo de batidas que se chamaria "Shaolin vs Wu-Tang". Pouco mais de dois anos depois, surge "Wu-Massacre", uma colaboração entre os dois revoltados e Method Man. Os emcees, porém, negaram que o disco tenha algo a ver com a proposta de antes.

Entretanto, não espere muita coisa relacionada ao Wu. A presença maciça de outros membros, algo comum nos trabalhos entre eles, não acontece aqui - apenas Inspectah Deck contribui com um verso - e a participação de RZA se resume a apenas um beat. Method Man, Raekwon e Ghostface claramente dominam os holofotes, particularmente o último, corroborando sua posição atual como membro mais expressivo do Wu na indústria. Ghost é o único a ter uma faixa solo e é o que mais aparece durante o disco. "Wu-Massacre", aliás, saiu pela Def Jam, onde Tony Starks e Meth atualmente militam - o que talvez possa explicar a menor assiduidade de Raekwon, presente em apenas quatro faixas e que ainda teve um verso cortado na faixa de abertura, "Criminology 2.5".

Mas, justiça seja feita, Ghostface rouba a cena. Seu storytelling está impecável como sempre, como pode ser visto em "Pimpin' Chipp", um conto entre um cafetão e sua "funcionária" mais eficaz. Os versos de Ghost induzem facilmente a mentalização da cena que ele descreve. O instrumental ainda ajuda o ouvinte a se teletransportar para os acontecimentos, graças a um loop que parece ter saído direto da trilha sonora de algum filme blaxpoitation obscuro. As primeiras linhas de Ghost fazem o resto do trabalho:

"Uma agulha foi deixada pendurada no braço de um cafetão
ele anda com uma cafetina e tem vadias na lista de pagamento
dava doces às crianças e sua família era pobre
(...)Devagar, ele crescia, mantinha os seus batedores com a polícia
Jim Brown era seu amigo, seu irmão era muçulmano, eles tentaram convertê-lo
torná-lo justo, mas as ruas tiraram o que tinha de bom dele"

As habilidades descritivas de Ghost também podem ser conferidas em "Youngtown Heist", narração de uma tentativa de assalto em que ele troca versos com o protegido Trife da God e os parceiros Sheek Louch e Bully.

Embora Ghostface seja um dos maiores destaques de "Wu-Massacre", é injusto não falar das outras duas estrelas. Raekwon aparece pouco, mas é consistente, como sempre, com um lirismo que evolui cada vez mais e, de tão complexo, parece simples e passa despercebido pelo ouvinte mais desatento. Seu verso em "Our Dreams" é um bom exemplo. Rae usa todas as influências principais do Wu - filosofia Five Percenter, xadrez, kung fu e as ruas - para estruturar suas rimas:

"Uma doce Wiz* te dará uma noite doce
e relaxe com os peões que temos, porque a vida é um tabuleiro de xadrez
é melhor você ter sua espada e segurá-la
nunca odeie seus inimigos, porque isso afeta o julgamento
eles só te invejam se souberem que você está ganhando bastante dinheiro"

Já Method Man também mantém a consistência, mas por vezes rouba o show com performances espetaculares. Com uma das levadas mais originais e fáceis de identificar da História do rap, ele brilha ao mesclar espanhol e inglês em "Miranda" e ao contar as idas e vindas de um relacionamento em "Our Dreams", coincidentemente as duas faixas cujo tema gira em torno de mulheres. Mas é na segunda parte da clássica "Meth vs Chef" que ambos os rappers arrancam um sorriso de todo fã do Wu. Na humilde opinião deste escriba, Meth vence a batalha, a exemplo da primeira vez, num pequeno verso que mistura desilusão com a indústria do rap, referência ao falecido Ol'Dirty Bastard e a já conhecida exaltação à cannabis:

"Aí, foda-se você, me pague; se Dirt Dog pudesse me ver agora
ele provavelmente diria: "Foda-se você, me pague"
expulsando nuvens de fumaça, a parada é doida
coloque uma bandana na cabeça, fique estiloso
o rap não tem feito nada por mim ultimamente
tudo está completamente errado, este jogo tentando me enganar
eu aposto que isso nunca acontece com o Jay-Z"

Musicalmente, "Wu-Massacre" tem batidas para todos os gostos. A primeira indicação de que o projeto não tem muito a ver com o tal "Shaolin vs Wu-Tang" de antes é que o primeiro single é a radiofônica "Our Dreams", curiosamente produzida por RZA. Utilizando um sample de "We Almost There", de Michael Jackson, o Abbott cria um instrumental bem baba, no ponto para os três generais rimarem sobre e para mulheres. No extremo oposto, "Meth vs Chef Part II" é minimalista, com metais triunfantes e uma virada de bateria espetacular, cortesia de Mathematics. No meio desta dicotomia, há o remake "Criminology 2.5", a mal sucedida futurista "It's That Wu Shit" e o batidão turvo de "Youngtown Heist", cujo sample vocal é sensacional.

Não dá, porém, para dizer que, pela variedade, o disco não tem uma direção definida. No fim das contas, a produção, embora haja contribuições de diversos beatmakers, é bem amarrada e flui muito bem nos escassos 30 minutos de música de "Wu-Massacre". Se, por um lado, os batidões mais ignorantes que consagraram o Wu não aparecem, é possível identificar uma tentativa de atualizar esta sonoridade. Resumindo, são poucos os percalços nas batidas; "It's That Wu Shit", apesar do nome, é o maior deles, e "Our Dreams", mesmo não sendo o beat de RZA, vai garantir a Meth, Ghost e Rae espaço ostensivo nas rádios.

Outro ponto importante são as participações. Dois dos convidados são emcees relacionados ao Wu, e são eles os responsáveis pelos melhores momentos no microfone. Streetlife rouba a cena em "Smooth Sailing Remix", com um verso que homenageia todos os membros originais do Wu-Tang numa técnica parecida com a utilizada por GZA em "Labels" e "Fame", por exemplo. Já Sun God absolutamente domina a batida de "Gunshowers", com um flow impecável, deixando o pobre beat em pedaços.

Embora não tenha sido um grande álbum como alguns fãs teimosos e iludidos do Wu - eu, por exemplo - imaginavam, "Wu-Massacre" serve muito bem para manter o nome do grupo em evidência. Meth, Ghost e Rae criaram um disco de qualidade e carregaram a tocha da existência do Wu que antes estava nas mãos solitárias de Raekwon com a sequência de "Only Built 4 Cuban Linx". Apesar de ter apenas 30 minutos - um dos principais problemas do projeto -, o álbum traz o trio de veteranos em uma forma consistente e fazendo o que sabem: levadas afiadas, rimas de alto nível e bons beats. Esperemos o próximo movimento das peças deste tabuleiro chamado Wu-Tang Clan.

*Wiz é uma abreviação de Wisdom, ou sabedoria, em português. Na filosofia Five Percenter, a mulher é relacionada à sabedoria.

Meth, Ghost & Rae - Wu-Massacre
1. Criminology 2.5
2. Mef vs. Chef Part II
3. Ya Moms skit
4. Smooth Sailing Remix
5. Our Dreams
6. Gunshowers
7. Dangerous
8. Pimpin’ Chipp
9. How To Pay Rent skit
10. Miranda
11. Youngstown Heist
12. It’s That Wu Shit

Vídeo de "Our Dreams":

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