Há pouco menos de um ano, o Boom Bap realizava um concurso para escolher um beatmaker cuja batida escolhida seria usada pelo Ogi no seu disco solo, "Crônicas da Cidade Cinza". Modéstia à parte, o certame foi um sucesso, com vários candidatos, beats de grande qualidade, participações de além-mar e, claro, muita polêmica. Antes mesmo dos jurados anunciarem seus votos e a votação popular chegar ao fim, o Ogi já tinha me confidenciado ter gostado muito do instrumental que viria a ganhar a peleja. No fim, o paulista DJ Zala venceu o concurso e Ogi continuou a trabalhar no disco. Fast-forward para 2010 e aqui está o resultado final daquela ideia: "A Vaga".
Aqui, o protagonista está arrasado, desempregado, sem dinheiro, sem perspectivas - e quem nunca esteve assim? - e, num dia pela cidade, passa por diversos "testes" de caráter, incluindo um convite nada inocente de um "amigo" para uma ação criminosa. A estrada da vida do cara então se divide claramente: manter o sonho e a esperança ou se entregar à angústia e ao caminho mais fácil? De qualquer forma, a vaga - na prisão ou num bom emprego - estará lá o esperando. Toda a história, desenrolada em dois minutos e meio, é contada impecavelmente por um Ogi que a cada dia domina ainda mais suas técnicas de rima e de flow. Aqui, a tendência para uma levada mais melódica, que flerta com o canto em alguns momentos, está ainda mais evidente. E, claro, a afinidade que o emcee teve com o beat de Zala há um ano revela-se por completo. A batida minimalista serve perfeitamente aos propósitos do rapper. Este é apenas o segundo single de "Crônicas da Cidade Cinza", e o nível continua alto. Se todas as faixas mantiverem a pegada, o que parece ser provável, o disco é forte candidato a entrar para o hall da fama de clássicos do rap nacional. A vaga está lá, esperando.
Como feito com "Premonição", o Boom Bap foi atrás dos responsáveis por "A Vaga" para saber mais sobre a feitura do single. Confira os depoimentos.
Ogi: Eu recebi umas 60 faixas do concurso, e a que mais se encaixou foi a do Zala. Senti o beat, fui bolando a levada e pronto, veio a frase do Mano Brown na minha cabeça. Ao mesmo tempo, eu passava por problemas pessoais, me questionava sobre tudo o que tava acontecendo. E a frase continuava ali: "A vaga tá lá, esperando você". Eu tava sem trampo, sem dinheiro e quase sem ter onde morar e me perguntava, 'será que tô no caminho certo?'. Procurava emprego e não achava nada, só porta na cara.
Comecei a letra baseado no que eu fazia quase todo dia; eu indo atrás de emprego, logo cedo, e dentro do ônibus eu imaginava: "Caraca, trampar o mês todo para ganhar R$ 500 é foda". Vários pensamentos negativos vinham à minha cabeça, e a frase do Brown continuava lá. Se eu cometesse um crime, poderia ir preso, e então teria uma vaga na cadeia; se eu descolasse um emprego, eu também teria uma vaga. Alguma vaga estava à minha espera, daí desenvolvi [ a faixa] conforme o que eu vivia: a angústia da busca por um emprego e a angústia do lado mais fácil, mas não menos obscuro.
Dizem para mim que eu deveria parar com a música e arrumar uma profissão de verdade. Mas a música é a minha profissão. Eu sou um rimador, um poeta, essa é a minha profissão. Então resolvi segui-la. Exercer de verdade, sem brincadeira, só sei fazer isso, só sou bom nisso. Se eu fosse trabalhar em um banco, iria desempenhar a função como o patrão me mandasse, mas não seria bom, seria um robô.
A gravação foi como sempre, me isolei, estava me sentindo bem. Foi num dia de um show no Espaço +Soma, em fevereiro. Abri o Nuendo e gravei. Levei as pistas no mesmo dia para o DJ Caíque, que está mixando e masterizando o disco, e ele pirou.
DJ Zala: Selecionei essa batida pelo nome do disco e pela história do Ogi. Acho o Ogi um emcee diferenciado, faz parte de um grupo de poucos. Contar, escrever uma história e fazer um rap não é para qualquer um, poucos têm esse dom. Ele descreve nessa faixa situações que com certeza todo mundo já vive ou viveu, e, para mim, música boa é isso: verdade.
DJ Caíque: Ainda não estou com todas as faixas do disco, mas tá ficando muito foda. As histórias vão se interligando, são bem detalhadas. "A Vaga" eu acho foda demais, é uma história bem contada, com riqueza de detalhes. Coisas que o Ogi faz sempre; ele consegue contar uma história e fazer você se sentir dentro dela. Isso é mágica (risos).
MutantJ (autor da arte do single): Conheci o Ogi por intermédio do DJ Caíque, que me convidou para um artwork, e acabei sendo adotado pela 360 Graus. Eu era muito afim de fazer algo para o Ogi e, sendo da mesma crew, a gente só se falou e rolou a oportunidade, foi naturalmente.
É meio difícil fazer um trampo com um cara que descreve tão bem as coisas como o Ogi, por isso escutei diversas vezes a faixa para pegar bem a vibração que ela passava. Comecei pela cidade, e tentei recriar uma imagem que lembrasse de São Paulo e do que a música passa, que é a trajetória que o Ogi desenvolve. Senti que a música tratava de escolhas que a gente toma no dia a dia, entre fazer o certo e o errado. Peguei uma foto de um caminho de túnel de SP, retratando a diferença de pontos da cidade, como objetivo, e dois caminhos levando, como escolhas. A partir disso fui montando o cenário, com uma parte mais urbana e outra mais suburbana. Tendo como temática o tema do álbum, "Crônicas da Cidade Cinza", deixei a cidade bem acinzentada.