quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ogi: A Vaga

Há pouco menos de um ano, o Boom Bap realizava um concurso para escolher um beatmaker cuja batida escolhida seria usada pelo Ogi no seu disco solo, "Crônicas da Cidade Cinza". Modéstia à parte, o certame foi um sucesso, com vários candidatos, beats de grande qualidade, participações de além-mar e, claro, muita polêmica. Antes mesmo dos jurados anunciarem seus votos e a votação popular chegar ao fim, o Ogi já tinha me confidenciado ter gostado muito do instrumental que viria a ganhar a peleja. No fim, o paulista DJ Zala venceu o concurso e Ogi continuou a trabalhar no disco. Fast-forward para 2010 e aqui está o resultado final daquela ideia: "A Vaga".

Além de ratificar as intenções do concurso e selar com chave de ouro a iniciativa, o segundo single que Ogi lança confirma também a direção do seu álbum. Como o nome - "Crônicas da Cidade Cinza" - sugere, a ideia é pintar um retrato da metrópole São Paulo através de histórias de personagens comuns e, por isso mesmo, fantásticos - afinal, são como nós, passam pelas mesmas coisas que nós, têm os mesmos medos e sonhos. Acima de tudo, as histórias que Ogi conta são extremamente humanas. Se em "Premonição", o primeiro single, o protagonista oscila num convite entre ir para uma noite de pichação, em "A Vaga" o tema de escolhas volta, com um enfoque diferente.

Aqui, o protagonista está arrasado, desempregado, sem dinheiro, sem perspectivas - e quem nunca esteve assim? - e, num dia pela cidade, passa por diversos "testes" de caráter, incluindo um convite nada inocente de um "amigo" para uma ação criminosa. A estrada da vida do cara então se divide claramente: manter o sonho e a esperança ou se entregar à angústia e ao caminho mais fácil? De qualquer forma, a vaga - na prisão ou num bom emprego - estará lá o esperando. Toda a história, desenrolada em dois minutos e meio, é contada impecavelmente por um Ogi que a cada dia domina ainda mais suas técnicas de rima e de flow. Aqui, a tendência para uma levada mais melódica, que flerta com o canto em alguns momentos, está ainda mais evidente. E, claro, a afinidade que o emcee teve com o beat de Zala há um ano revela-se por completo. A batida minimalista serve perfeitamente aos propósitos do rapper. Este é apenas o segundo single de "Crônicas da Cidade Cinza", e o nível continua alto. Se todas as faixas mantiverem a pegada, o que parece ser provável, o disco é forte candidato a entrar para o hall da fama de clássicos do rap nacional. A vaga está lá, esperando.

Como feito com "Premonição", o Boom Bap foi atrás dos responsáveis por "A Vaga" para saber mais sobre a feitura do single. Confira os depoimentos.

Ogi: Eu recebi umas 60 faixas do concurso, e a que mais se encaixou foi a do Zala. Senti o beat, fui bolando a levada e pronto, veio a frase do Mano Brown na minha cabeça. Ao mesmo tempo, eu passava por problemas pessoais, me questionava sobre tudo o que tava acontecendo. E a frase continuava ali: "A vaga tá lá, esperando você". Eu tava sem trampo, sem dinheiro e quase sem ter onde morar e me perguntava, 'será que tô no caminho certo?'. Procurava emprego e não achava nada, só porta na cara.

Comecei a letra baseado no que eu fazia quase todo dia; eu indo atrás de emprego, logo cedo, e dentro do ônibus eu imaginava: "Caraca, trampar o mês todo para ganhar R$ 500 é foda". Vários pensamentos negativos vinham à minha cabeça, e a frase do Brown continuava lá. Se eu cometesse um crime, poderia ir preso, e então teria uma vaga na cadeia; se eu descolasse um emprego, eu também teria uma vaga. Alguma vaga estava à minha espera, daí desenvolvi [ a faixa] conforme o que eu vivia: a angústia da busca por um emprego e a angústia do lado mais fácil, mas não menos obscuro.

Dizem para mim que eu deveria parar com a música e arrumar uma profissão de verdade. Mas a música é a minha profissão. Eu sou um rimador, um poeta, essa é a minha profissão. Então resolvi segui-la. Exercer de verdade, sem brincadeira, só sei fazer isso, só sou bom nisso. Se eu fosse trabalhar em um banco, iria desempenhar a função como o patrão me mandasse, mas não seria bom, seria um robô.

A gravação foi como sempre, me isolei, estava me sentindo bem. Foi num dia de um show no Espaço +Soma, em fevereiro. Abri o Nuendo e gravei. Levei as pistas no mesmo dia para o DJ Caíque, que está mixando e masterizando o disco, e ele pirou.

DJ Zala: Selecionei essa batida pelo nome do disco e pela história do Ogi. Acho o Ogi um emcee diferenciado, faz parte de um grupo de poucos. Contar, escrever uma história e fazer um rap não é para qualquer um, poucos têm esse dom. Ele descreve nessa faixa situações que com certeza todo mundo já vive ou viveu, e, para mim, música boa é isso: verdade.

DJ Caíque: Ainda não estou com todas as faixas do disco, mas tá ficando muito foda. As histórias vão se interligando, são bem detalhadas. "A Vaga" eu acho foda demais, é uma história bem contada, com riqueza de detalhes. Coisas que o Ogi faz sempre; ele consegue contar uma história e fazer você se sentir dentro dela. Isso é mágica (risos).

MutantJ (autor da arte do single): Conheci o Ogi por intermédio do DJ Caíque, que me convidou para um artwork, e acabei sendo adotado pela 360 Graus. Eu era muito afim de fazer algo para o Ogi e, sendo da mesma crew, a gente só se falou e rolou a oportunidade, foi naturalmente.

É meio difícil fazer um trampo com um cara que descreve tão bem as coisas como o Ogi, por isso escutei diversas vezes a faixa para pegar bem a vibração que ela passava. Comecei pela cidade, e tentei recriar uma imagem que lembrasse de São Paulo e do que a música passa, que é a trajetória que o Ogi desenvolve. Senti que a música tratava de escolhas que a gente toma no dia a dia, entre fazer o certo e o errado. Peguei uma foto de um caminho de túnel de SP, retratando a diferença de pontos da cidade, como objetivo, e dois caminhos levando, como escolhas. A partir disso fui montando o cenário, com uma parte mais urbana e outra mais suburbana. Tendo como temática o tema do álbum, "Crônicas da Cidade Cinza", deixei a cidade bem acinzentada.

Download de "A Vaga"

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tradução: Gang Starr - ALONGWAYTOGO

Aqui vai minha singela homenagem à memória de Keith Elam, o Guru, que faleceu na última segunda-feira, aos 47 anos, vítima de câncer. A morte de Guru representa também o fim de um sonho cada vez mais improvável e, ironicamente ainda mais acalentado, dos fãs de verem uma reunião do Gang Starr, um dos grupos mais importantes da História do rap. Você pode ter informações completas sobre o falecimento do Guru no Central Hip-Hop.

"ALONGWAYTOGO" - assim, em maiúsculas mesmo -, é a primeira faixa de "Hard to Earn", o quarto disco do Gang Starr, não está exatamente na lista dos clássicos proporcionados por Guru e Premier, mas não deve em nada a nenhuma outra música do catálogo da dupla. A batida é pulsante, minimalista e as colagens com a famosa "Check The Rhime", do A Tribe Called Quest, encaixaram perfeitamente no tema abordado por Guru, um misto de crítica a rappers "vendidos" ou "perdidos" e filosofia de rua. Destaque para o uso sutil de termos relacionados à estrada do título que Guru utiliza para encorpar o conceito da faixa.

ALONGWAYTOGO - Uma longa estrada para ir

[ Sample : Phife Dawg, A Tribe Called Quest - Check The Rhime ]
Agora aqui está uma introdução funky

[ Refrão 1: Guru ]
É uma longa estrada para ir, quando você não sabe para onde está indo
você não sabe para onde está indo quando você está perdido

[ Verso I: Guru ]
O que você precisa é de mais direção, e conseguir alguma proteção para si mesmo
eu pensei que agora você já tinha aprendido a lição
estou enfatizando pontos e destruindo tudo aquilo que você chama de verdadeiro
correto, você sabe a forma falsa como você sente isso
baby, eu ainda não acho que você entenda
você perde o jogo, nós temos mais reconhecimento que Dan... Rather*
e não importa, porque, quando você reage, você é fraco
então eu vou chegar apenas para falar sobre os falsos, o tipo de pessoas ilegítimas
aquelas de celofane, aquelas que você pode ver através delas
é justiça poética porque eu estou louco com um pacto
tão preciso que meu pensamento vai pegar voo pela noite
e pelo dia, porque eu não venho com rimas bregas
eu sou muito devoto do conceito de conseguir o que é meu
então aqui está o acordo, como Shaquille O'Neal
se você não sabe o que está fazendo, como diabos você pode ser real?

[ Refrão 2: Q-Tip, A Tribe Called Quest - Check The Rhime ]
O quão longe você precisa ir para ganhar respeito?

[ Verso II : Guru ]
Agora em 1993, realisticamente você deveria estar bem consciente de todos os demônios lá fora
é tipo uma selva às vezes, pegou a mensagem?
você precisa lutar às vezes, está ficando complicado
emoções correm profundas, enquanto o tempo se esgota
soluções...é hora de encontrar algumas
então, de acordo comigo, otários são barrados
por obstruírem minha discussão porque eu rimo pesado demais
você toma um trago aqui, como uma brisa de ar fresco
eu vim para pegar o que é meu neste ano
então ande pela passarela, no corredor ou uma trilha
mexa conosco, criança, e você irá pagar
eu ataco...e, aí, ainda estou na estrada
eu mando meu ensaio, então você sabe que nós não brincamos
então ajoelhe-se e reze, G
porque é a melhor maneira, sim, a melhor maneira, porque...

[Refrão 1 ]

[ Refrão 2 ]

[ Verso III: Guru ]
Existe uma grande quantidade de crews fracas, para elas tenho más notícias
hora de pagar suas dívidas, seus otários
eu sou tipo correio expresso, com o script que atinge
como o terceiro trilho do trem**, quando eu eletrizo o local, é quente
dos raios do sol
o original, o profeta enviado para se tornar um fornecedor de leis, porque você treme quando te questiono
tudo sobre as verdadeiras necessidades da vida
tudo sobre o jogo e tudo sobre o nome
G para o A para o N para o G Starr
nós sabemos quem nós somos, mas você sabe quem você é?

[ Sample : Richard Pryor ]
Você vai até lá procurando por justiça, é isso que você encontra, apenas nós

[ Refrão 1 ]

[ Refrão 2 ]

* Dan Rather é um famoso jornalista e apresentador de telejornal norte-americano.

** Third Rail, ou terceiro trilho, segundo a Wikipedia, é onde fica o condutor elétrico de alta voltagem. Pisar ali resulta geralmente em eletrocução. Devido a isso, o termo também é usado como uma metáfora na política. Tópicos considerados tabu ou delicados demais são chamados de "third rail", porque, se um político tocar no assunto, pode ter sua carreira "eletrocutada", acabada.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Diabolic: Liar & a Thief

Ano: 2010
Gravadora: Viper Records
Produtor: Engineer (todas as faixas)
Participações: Immortal Technique (faixa 2), Deadly Hunta (3 e 14), John Otto (3), Ill Bill (6), Vinnie Paz (10), Nate Augustus (12), Canibus (13), Smooth da Hustla (18), Kool G Rap (18) e Graph (18).

Diabolic é um emcee nova-iorquino que começou a carreira no circuito de batalhas de freestyle da cidade, onde ficou bastante conhecido. Esse reconhecimento o levou a participar do projeto de estreia de Immortal Technique, "Revolutionary Volume 1", no qual ele contribuiu com um verso escondido após a clássica faixa "Dance with the Devil". Depois disso, o cara começou a correr atrás de sua carreira solo e ainda voltaria a aparecer junto com Tech na famosa "Peruvian Cocaine" - do segundo álbum do rapper peruano, "Revolutionary Volume 2" -, na qual ele interpretava o governante de um país do Terceiro Mundo. Anos depois, 'Bolic lança seu álbum de estreia, "Liar & a Thief", com participações de nomes como Ill Bill, Canibus, Vinnie Paz e, claro, seu antigo parceiro Immortal Technique.

Os dois últimos nomes citados, aliás, dizem bastante a respeito do conteúdo de "Liar & a Thief". Os fãs dos trabalhos do gordinho do Jedi Mind Tricks e do homem de frente da Viper Records certamente estarão familiarizados com o estilo de Diabolic. O cara tem características em comum com ambos os rappers. Vejamos: rimas tendencialmente violentas, um flerte bem discreto com o horrorcore e toda uma atitude meio white trash, todas perceptíveis em qualquer disco do JMT, estão presentes no trabalho de 'Bolic, assim como um forte cunho político e uma veia para teorias de conspiração tão presentes nas rimas de Immortal Technique.

Mesmo a produção tem sua influência clara. O canadense Engineer é o responsável por todos os beats do álbum, e provavelmente ouviu muito o trabalho de Stoupe antes de juntar seus primeiros bumbos e caixas. Como resultado, vemos um estilo de batidas bastante reminiscente do Jedi Mind Tricks - ouça a faixa bônus "Cursed" caso tenha alguma dúvida -, embora mais cru, diferente da exuberância de samples presente em Stoupe. Outra diferença marcante é a maior variedade de fontes onde Engineer busca as peças para confeccionar seu quebra-cabeças musical. "Riot" é uma faixa que exemplifica bem o leque de opções do cara: uma guitarra roqueira pontua o beat e um refrão ragga sintetiza as rimas políticas de Diabolic. No final das contas, é inegável que o trabalho do jovem canadense encaixou perfeitamente com o estilo do rapper.

Apesar da boa performance de Engineer, o ponto álbum do disco são as rimas certeiras de Diabolic. Absolutamente faminto, o cara não tem um único verso ruim durante o álbum inteiro. Para começo de conversa, ele é um emcee extremamente técnico, daqueles capazes de construir cadeias gigantescas de rimas multissilábicas como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Não bastasse a atenção nas estruturas, Diabolic tem punchlines para dar e vender. É impressionante a facilidade dele em fazer jogos de palavras e a capacidade de atrair a atenção do ouvinte. Para completar o pacote de emcee completo, o nova-iorquino transita tanto pelos tradicionais raps de batalha, com uma tranquilidade típica de quem passou anos se dedicando à arte, quanto por faixas mais conceituais ou com temas políticos. Não podemos esquecer também de uma forte dose de passagens introspectivas. Enfim, Diabolic tem tudo o que você precisa em termos de mensagem.

Em meio a tanta variedade, algumas faixas se destacam. A já citada "Riot" combina bem os elementos violência e política do arsenal de Diabolic com rimas como: "Eu tenho um sonho, e nele policiais sujos são baleados e jogados na prisão / e há uma bala na cabeça de cada político corrupto / (...) porque as pessoas não deveriam temer o governo, este é o problema / o governo que deveria temer o direito do povo de portar pistolas". Não satisfeito? Então conheça "Truth Pt. 2", na qual teorias de conspiração tomam conta dos versos do emcee, atacando desde o já desgastado George Bush até a maçonaria, passando pela CIA, pela FEMA até faculdades tradicionais norte-americanas, como Yale e Harvard. Ou então limite-se a balançar a cabeça enquanto 'Bolic e Vinnie Paz trocam versos carregados de braggadocio e rimas de batalha sobre a batida épica de "Not Again".

O fator pessoal nas rimas de Diabolic pode ser encontrado em faixas como a sugestivamente intitulada "Reasons", na qual o emcee rima sobre suas, adivinhem, razões para estar rimando ao mesmo tempo em que critica a indústria musical. "I Don't Wanna Rhyme" é outra canção que investe no lado mais introspectivo do rapper. Por fim, "12 Shots", que até apareceu no último Boom Bap Jams, representa a parte conceitual do disco. Na faixa, uma das melhores do disco, Diabolic narra em primeira pessoa a história de um homem que vai para o bar e começa a se embebedar, para, no final, se matar com um tiro. A abordagem de Diabolic é muito interessante, com momentos em que ele parece estar falando dele mesmo misturados a rimas muito detalhadas, descrevendo perfeitamente o estado mental do personagem. A batida de Engineer complementa perfeitamente o tema, como sempre, com um violão picotado guiando a batida, enquanto refrão cantado é bem emocionante.

Entretanto, nem tudo é digno de elogios. Às vezes, Diabolic exagera na dose de agressividade que tenta passar para o ouvinte. "Order & Chaos", por exemplo, começa com Ill Bill contando a história de um conhecido de infância super inteligente, requisitado pela Nasa, e que acaba recrutado pela CIA, só para dizer que armou para que Diabolic o matasse, sem motivo aparente. Os policiais também acabam sendo assunto excedente nas rimas de 'Bolic, talvez até mais que num disco do N.W.A. Por fim, soou muito forçada a conclusão do disco, em que o emcee diz para ninguém comprar o álbum - sério mesmo, cara? - e, se alguém adquirir, é melhor "matar a família com ele ou quebrá-lo e cortar os pulsos com ele". Se fosse realmente assim, por

Sobressaltos e exageros à parte, depois de pouco mais de uma hora de rimas complexas, flow agressivo e batidas no ponto, "Liar & a Thief" entra para o acervo de 2010 como um trabalho muito bem executado por um emcee extremamente talentoso e versátil. Diabolic provavelmente nunca sairá do underground, mas tem tudo o que é preciso para se tornar um fenômeno da cena, assim como seus parceiros Vinnie Paz e Immortal Technique. Até agora, a primeira aventura solo do rapper é o que de melhor o ano nos oferece em termos líricos.

Diabolic - Liar & a Thief
01 Stand By
02 Frontlines
03 Riot
04 Reasons

05 Soldier's Logic

06 Order & Chaos
07 I Don't Wanna Rhyme

08 Truth Part 2
09 Nikolas Ros to the Goul (Interlude)
10 Not Again
11 Loose Cannon

12 12 Shots
13 
In Common
14 Modern Day Future
15 Behind Bars

16 Right Here
17 Self Destruction (Outro)
18 Cursed

Vídeo de "I Don't Wanna Rhyme":


Vídeo de "Frontlines":

terça-feira, 13 de abril de 2010

Tradução: Ol' Dirty Bastard - Wastin Time

Depois da aparição no Boom Bap Jams IV, aqui vai a tradução de "Wastin' Time", uma das faixas mais emocionantes que já ouvi e que só ressalta o potencial enorme que o Ol'Dirty Bastard possuía e infelizmente não pôde desenvolver.

Ol'Dirty Bastard
Wastin' Time (No More) - Desperdiçando o tempo (não mais)

[ Verso I ]
Por favor, tire os cabos se as drogas estiverem vencendo
porque o vício vai continuar mantendo seu mundo girando
tempo desperdiçado, pensei sobre o vício com a família
é verdade que o dinheiro estava lá, a maconha estava lá
e eu pensei que o Wu estaria lá para sempre
tempo desperdiçado com putas, vaginas e roupas
eu sou o Don do dinheiro, é a vida que escolhi
as mães de nossos filhos são as piores, vadias nem mesmo funcionam
mas ainda assim a bolsa combina com seu chapéu e sua saia
então eu fugi sem motivos, desapareci por uns tempos
a sala pode estar cheia, mas, merda, é mais fácil
garotas bonitas me provocam, elas veem o vulgar em mim
mas eu vou continuar Dirty, exceto pela cobra
não vou mais gastar meu tempo com cocaína, não vou mais correr da polícia
não vou mais cometer erros, não vou mais desperdiçar meu tempo

[ Refrão ]
Você não vai mais cuspir na minha bebida, voce não vai mais me envenenar
vou subir bem alto, me sentir livre com o bandido dentro de mim
não vou mais correr e me esconder, desperdiçando o tempo
não vou mais provar de drogas, não vou mais me esquivar das balas
eu vou subir bem alto, me sentir livre com o bandido dentro de mim
não vou mais correr e me esconder, não vou mais correr e me esconder
não vou mais desperdiçar o tempo

[ Verso II ]
Eu ando numa trilha suja de dinheiro e drogas
Red Rose, você fica chapado quando eu exalo
saí de fiança porque o juiz prometeu que colocaria meu traseiro na prisão
a Costa Oeste não podia me esconder, o mundo é uma audiência
passaram os efeitos da droga, como com Martin Lawrence
me colocaram numa sala do lado da de Sarah Connor
mas o meu problema é muito maior do que qualquer Exterminador do Futuro
nenhuma visita da família, apenas cartas dos fãs
dizendo: "Dirt, mantenha sua cabeça erguida e não deixe-os te esfaquear"
The Roc me disse para assinar na linha pontilhada
"Bem vindo ao lar, Russell Jones, você estava desperdiçando seu tempo"
Badalei um pouco, um pouco de bling bling
agora toda barata nos buracos quer pular dentro do Acura
cada cara na frente precisa andar no banco de trás
você fica louco com um Ford, eu ando num Cadillac
você fica louco com um Ford, eu ando num Cadillac
por fim...

[ Refrão ]

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Boom Bap Jams IV

Acharam que tinha acabado, né? Pois depois de alguns meses sumido, o Boom Bap Jams volta com mais alguns sons que não saíram do MP3 Player avariado deste escriba.

Army of the Pharaohs - Bust'em In
Como o nosso amigo Campagnoli disse na resenha do disco, o AOTP não veio para brincadeiras no terceiro álbum do coletivo. A volta de Apathy e performances impecáveis de Celph Titled elevaram bastante a qualidade de "The Unholy Terror". E "Bust'em In" é o maior exemplo disso. A melhor faixa do disco é produzida por Celph e é arrebatadora, utilizando elementos de música clássica para trazer o terror. Junte isso aos malabarismos líricos de Reef the Lost Cauze, Ap - "Você quer samplear isto? Você precisa ler sânscrito / e viajar para o topo do Monte Sinai para transmitir / correndo pelo Mar Vermelho como um escravo fugitivo / segurando as paredes de água com minhas ondas sonoras" - e Celph e a um refrão que vai ficar na sua cabeça por muito tempo e você tem mais um clássico de 2010.

Murs & 9th Wonder - Asian Girl
A dupla se juntou novamente para lançar "Fornever" e não desapontou. Em "Asian Girl", aquela faixa que promete fazer bastante barulho e virar até hino, Murs faz o que sabe melhor , rimando as desventuras com o sexo oposto - no caso, as asiáticas do sexo oposto, as homenageadas da canção. E o emcee ainda ganha uma companhia: 9thmatic, a versão rapper de 9th Wonder, que praticamente ignora o assunto da faixa no seu verso. A batida é simples, usa sugestivamente um sample oriental para ilustrar o tema, e a bateria mantém a estética boom-bap de 9th.

Reflection Eternal - In This World
Talib Kweli e Hi-Tek estão prestes a retornar como Reflection Eternal ao jogo depois de quase uma década do lançamento do primeiro álbum. "In This World" é um dos singles de "Revolutions per Minute", que deve sair em maio, já conta com um vídeo e é basicamente a constatação de Talib de tudo o que os caras alcançaram nestes últimos anos. Para ilustrar o ponto da faixa, Hi-Tek sampleia a famosa frase de Jay-Z - "Se habilidade vendesse, verdade seja dita / eu seria provavelmente um Talib Kweli, liricamente" - e Talib, demonstrando o entrosamento que sempre marcou a dupla, arremata: "Eu sou respeitado pelos melhores emcees / a receita para o meu sucesso? / uma parte de dor e sofrimento, duas partes de cérebro e correria / tudo misturado com a produção do Hi-Tek". E pode acreditar: só os samples vocais e os graves do beat de Hi-Tek são suficientes para abrilhantar ainda mais a faixa.

Gang Starr - Royalty
Nem só de lançamentos vive o escriba de um blog sobre rap. Os problemas de saúde de Guru me fizeram revisitar toda a discografia do grupo e perceber novamente como eles eram bons. Continuo achando que, apesar de ter boas letras, Guru deixava a desejar um pouco com seu flow nos primeiros álbuns. Mas, em "Moment of Truth", tudo se encaixou perfeitamente. E "Royalty", o single de maior sucesso do disco, é emblemática. Já imaginou os cantores K-Ci e JoJo sobre uma batida de Premier? Pois é, eles cantam o refrão baba da faixa, Primo faz sua parte com um beat esplendoroso, mas é Guru quem brilha com rimas sensacionais, discorrendo numa só música sobre dinheiro, filosofia Five Percenter, mulheres interesseiras e ainda mandando um salve para alguns DJs: "O dinheiro, entretanto, faz as pessoas agirem engraçadas / assim que ganham alguma luz, parecem uns estúpidos / (...) Onde você estiver, Baby Pah, perceba que sua essência é divina / e deixe-a brilhar / enquanto nós refinamos / (...) As meninas aí fora parecem amáveis / mas não tem controle de suas vidas, por dentro são feias".

Diabolic - 12 Shots
Eu conheci o Diabolic via Immortal Technique, na famosa faixa "Peruvian Cocaine", na qual D interpretava o governante de um país de Terceiro Mundo. Confesso que não me impressionei muito por ele e o perdi de vista. Eis que neste ano o cara lança seu álbum de estreia, "Liar and a Thief" e prova que tinha alguma coisa errada com o meu ouvido. Ele é aquele emcee super técnico, capaz de soltar milhões de punchlines e rimas multissilábicas e fazer tudo parecer fácil. Em "12 Shots", porém, a gente pode ver outra faceta do estilo de Diabolic. Nesta faixa conceitual, o rapper fala sobre alcoolismo, narrando em primeira pessoa uma noite num bar, onde ele começa a beber, até ficar completamente bêbado, melancólico e se matar. O conceito é meio parecido com uma faixa do MV Bill, "Loira Gelada", mas Diabolic investe mais no psicológico do personagem, relatando bem o começo sóbrio e triste, o estágio mediano mais "alegre" e o final sem esperança: "Pensamentos como 'eu me odeio hoje em dia' estavam correndo / estou realmente falido e minha filha está a quilômetros daqui / (...) Eu sou um meio otário, um pai pela metade, um rapper pela metade / e metade do tempo sou apenas um bêbado bastardo".

Ol' Dirty Bastard - Wastin' Time (No More)
É impressionante como a morte de certos artistas pode te impactar como se fosse o falecimento de um parente próximo. No caso de alguns deles, você é tão envolvido com a música deles que eles já se transformaram em amigos íntimos. Quando ODB morreu eu ainda não conhecia muita coisa sobre rap, portanto não mensurei na época o tamanho do baque. Mas, hoje em dia, como fã ardoroso do Wu e do Dirt Dog, descobrir uma faixa como "Wastin' Time" é um choque imenso. Na faixa, provavelmente uma das últimas a serem gravadas por ODB, o cara faz um mea-culpa, promete a si mesmo - e a quem ouve a música - que não vai sucumbir às drogas nem desperdiçar seu tempo. É, sem dúvidas, uma das canções mais emocionantes que já ouvi, porque traz o próprio rapper falando sobre isso, quando por toda sua carreira o comum era outras pessoas falarem sobre este problema. Para adicionar mais dramaticidade, ele morre pouco tempo depois. "Wastin' Time", portanto, é a versão de ODB para sua própria vida, a prova de que, sim, ele queria se recuperar, mas era tarde demais.

Animalistc - Animalistic
O duo holandês Animalistic lançou neste ano o álbum gratuito "Fauna", que consiste num dos melhores trabalhos do ano. O disco é repleto de batidas à la anos 90, com batidas retas e samples de jazz. "Animalistic" é uma das faixas que exemplifica a abordagem dos caras. Com uma bateria simples, sem muita frescura, um baixo potente e um loop de piano discreto, está pronto o background perfeito para os caras rimarem num inglês cheio de sotaque que dificulta bastante o entendimento das rimas. Mas não importa, o refrão é contagiante e só o instrumental é suficiente para fazer qualquer um balançar a cabeça.

Mekolicious - The Youth
Pete Rock sempre teve uma queda por produzir nomes obscuros da cena underground de Nova Iorque. Depois de Deda e dos caras do InI, ele se juntou a Mekolicious, que chegou inclusive a ter destaque em publicações norte-americana, mas também sumiu. Os trabalhos do Soul Brother #1 com Mekolicious foram lançados apenas em vinil e são raríssimos, mas é possível achar pela internet versões ripadas do rádio. "The Youth" é uma deles e, apesar da qualidade ruim do áudio, é possível apreciar a produção sempre elegante de Pete Rock, com elementos de jazz e bateria sempre vigorosa.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Damu The Fudgemunk: How It Should Sound Promo EP

Ano: 2010
Gravadora: Redefinition Records
Produtor: Damu The Fudgemunk

Este ano promete ser muito bom para o beatmaker de Washington Damu The Fudgemunk - e para seus fãs também, claro. O cara, depois de passar 2009 soltando faixas esporádicas de qualidade assombrosa e finalizar com um EP igualmente monstruoso, o "Kilawatt V1", anunciou no seu blog uma série de lançamentos que devem ver a luz do dia por todo 2010. A lista vai desde dois discos do Y Society - formado por Damu e o emcee Insight - até projetos instrumentais. O primeiro "filho" é o álbum duplo "How It Should Sound", que também será todo instrumental. Para esquentar as coisas até o lançamento, Damu disponibilizou, de graça, um EP promocional.

Com seis faixas, o "Promo EP" serve realmente como um teaser e até uma forma diferente de publicidade para o projeto maior que está por vir ainda em abril. O primeiro instrumental, "New LP", aliás, é bastante direto, com Damu cortando e colando frases como "novo LP" e "pegue o álbum", esta última num sentido muito mais "compre" do que "baixe", obviamente. Ainda somos agraciados com Damu em pessoa introduzindo a ideia do projeto, explicando que as batidas são novas para nós, mas velhas para ele, e, claro, encorajando o fã a comprar o disco. Embora rappers e produtores façam isso o tempo inteiro, não lembro de uma abordagem tão entranhada na música desde os versos de Phife Dawg, do A Tribe Called Quest, na clássica "Jazz (We've Got)": "Então corra para a loja e compre o LP / pela Jive/RCA, fitas cassetes e CDs". Fica aí uma sugestão para um eventual segundo EP promocional - seria uma bela colagem, hein?

Deixando de lado o lado promocional e focando na música, as batidas de Damu continuam impecáveis. Todo texto que escrevo sobre ele eu falo a mesma coisa, mas não posso me furtar: o cara é, na minha humilde opinião, o melhor produtor desta nova geração. Seus beats carregam aquela aura da golden age irresistível a qualquer fã de rap, mas não soam datados, e sim atuais. Na verdade, é melhor esquecer esta história de old school, o ponto não é esse. A questão é que o trabalho de Damu é claramente sincero e apaixonado, como eram, coincidentemente, vejam só, as boas coisas dos anos 90.

Entretanto, não podemos negar que as influências de Damu residem na Nova Iorque soturna daqueles tempos. Pete Rock, por exemplo, vai se orgulhar ao ouvir os metais sampleados por Damu em faixas como "Judgement Day" e "You Know Who!". Esta última, aliás, é velha conhecida por quem segue o trabalho do Fudgemunk, já que encorpou um remix feito pelo cara da faixa "Who Run It?", do O.C. - aliás, fica a dica para correr atrás, porque a faixa é espetacular. Aqui, solitário, sem quaisquer rimas, o instrumental continua impecável. O andamento acelerado da batida, o baixo proeminente e os samples cortados estão meticulosamente programados, trabalhando em conjunto tão perfeitamente quanto o próprio corpo humano. Ora ficamos apenas com o baixo, ora entram os metais, depois os samples, e então todos juntos. Sensacional.

Damu mostra também outros estilos de produção. Em "Fabrega's Discotecas", ele deixa de lado as batidas retas nova-iorquinas para apostar em mais suíngue, abusando de elementos de percussão e brincando com os samples cortados, numa faixa em que é difícil imaginar um emcee rimando sobre ela. Já "Wonka Beat 3" mostra o beatmaker enveredando ainda mais para o lado instrumental, criando batidas que se sustentem sem qualquer voz. O modus operandi é simples: ele solta a batida e começa os trabalhos na pick-up, enquanto os samples já programados vão e vem.

Depois destas seis faixas, é justo dizer que Damu continua em grande fase, e que a expectativa para "How It Should Sound" continua alta. O cara simplesmente não lança um beat fraco, o que nos permite supor que esta consistência também estará presente no álbum duplo. Entretanto, se o EP promocional é realmente um indicativo do que está por vir, penso que aspirantes a emcees podem não se empolgar muito: em vez de batidas espetaculares para eles rimarem em cima, teremos mais instrumentais independentes. No mínimo, terão que se esforçar mais. Já eu, que sou apenas um fã do trabalho de Damu, continuarei satisfeito - já estou imaginando formas de evitar ficar balançando a cabeça no metrô lotado sem parecer um maluco.

Damu The Fudgemunk - How It Should Sound Promo EP
01. New LP (EP Intro)
02. Judgement Day
03. Fabrega's Discotecas
04. You Know Who!
05. Bills Be Gone
06. Wonka Beats 3

Download

Vídeo promocional de "How It Should Sound":


Segundo vídeo promocional de "How It Should Sound":

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Method Man: Tical

Ano: 1994
Gravadora: Def Jam
Produtores: RZA (todas as faixas), 4th Disciple (7), Method Man (9).
Participaçoes: Booster (faixa 3), Streetlife (4 e 11), Raekwon (6), Blue Raspberry (8, 11 e 12), Carlton Fisk (9 e 11).

Ok, o "Wu-Massacre" vazou antes do especial terminar, mas não é por isso que vamos abandoná-lo, certo? Pois bem. Depois de "Supreme Clientele", o clássico de Ghostface Killah, chegou a vez do Boom Bap apresentar "Tical", o álbum de estreia e melhor item do catálogo solo do Method Man. O disco foi o primeiro a sair na leva de projetos solos que os membros do Wu-Tang Clan lançaram logo após o sucesso do álbum do grupo. E não foi por acaso que o ataque começou com o Mr. Meth. É que, desde "Enter the Wu-Tang" e a faixa solo "Method Man", o cara já era preparado como a estrela da turma, aquele com o maior potencial de atingir audiências do mainstream - o que ficou comprovado anos depois, com filmes, sitcoms e álbuns de qualidade duvidosa proporcionadas pelo Iron Lungs.

Voltando a "Tical", o disco, apesar de ser o melhor da carreira solo de Meth, é provavelmente o mais "humilde", comparado a obras-primas como os projetos lançados pelos parceiros GZA e Raekwon. Por outro lado, apesar do potencial crossover do rapper, o que podemos perceber é que o álbum contém os beats mais minimalistas e sujos oferecidos por RZA. Algumas curiosidades sobre a feitura de "Tical": uma enchente no estúdio do grupo acabou com todos os beats já feitos para o álbum, o que obrigou RZA e Meth, pressionados pela gravadora para cumprirem o prazo de lançamento e não perder o buzz do grupo, a refazerem todo o disco em tempo recorde; desesperados com o clima soturno do projeto, os executivos da Def Jam viram em "All I Need" a chance de um single para o rádio, e ofereceram a Meth um carro em troca da participação de Mary J Blige em um remix produzido por Puff Daddy. Depois de muito relutar, Method Man capitulou, com uma condição: haveria também o remix de RZA. Fim da história: foi o Razor Sharp remix que explodiu e garantiu certificado de platina e um Grammy para Meth.

Aliás, "Tical" é cheio de pequenas histórias curiosas que ajudam inclusive a entender o modus operandi do Wu no começo da carreira. Uma das faixas mais memoráveis do disco, "Meth vs Chef", reeditada recentemente em "Wu-Massacre", é nada mais nada menos do que uma disputa entre Method Man e Raekwon pelo beat que mais tarde aparecia no disco de Rae como "Guillotine [Swordz]". O expediente era usado constantemente pelo então ditador RZA para decidir quais membros ficariam com quais batidas.

Depois de todo este background histórico, foco no álbum. A atitude "não estou nem aí, faço o que eu quiser" que consagrou o Wu fica muito evidente também com Method Man. Mesmo estando numa grande gravadora como a Def Jam, o cara não se rendeu a fórmulas para vender. Os beats são incrivelmente soturnos e pesados, com Meth rimando igualmente sem concessões, com um battle rap afiadíssimo, concentrado em pintar imagens violentas e homenagear a sua tão amada cannabis. Mas o ápice desta postura é "Release Yo'Delf". Quem mais além de Meth e RZA para parodiar no refrão o hino disco e posteriormente gay "I Will Survive" e fazer disso ameaçador? Quem mais além deles para pegar o tal refrão e transformá-lo em um misto de autoexaltação e ameaças à indústria musical, tão bem representada pela Def Jam? Quem mais poderia colocar caixas tão pesadas e ainda assim fazer da faixa um potencial hit? Ninguém, amigos, ninguém. Vejam o refrão:

"Quando eu apareci na cena, os caras ficaram petrificados
voltaram correndo para o estúdio como se estivessem sendo procurados por homicídio
minha levada faz contigo o mesmo que a Tical, e nunca te guiará errado
e todos vocês, vacilões da indústria, suas carreiras não vão durar muito"

Os outros dois singles também têm em comum esta independência criativa. "Bring The Pain" surge com o flow característico de Meth enquanto o mesmo exercita suas habilidades líricas sobre um beat com uma espécie de murmúrio no fundo e um refrão ragga, este último responsável pelo único fator radiofônico da faixa; "All I Need", a versão original, tem as mesmas letras, mas nenhuma cantora no refrão e uma batida ainda mais rasteira.

E, se os singles resumem bem a proposta de "Tical", é necessário mergulhar nas outras faixas para completar o quebra-cabeça. A exataltação à maconha, já implícita no título do álbum, fica ainda mais evidente na faixa homônima, que abre o CD. À parte o refrão pedindo "passe [ o baseado] para cá", repare no flow mais lento e na autoconfiança das rimas de Meth - "Eu não procuro por problemas, eu já sou o problema" - como referências mais sutis à musa inspiradora. Outra característica de Method é evidente no disco. Apesar de vir de um grupo com temáticas violentas, Meth sempre primou por saber misturar estas referências a sacadas carismáticas e engraçadas. E há linhas que comprovam isso por todo o álbum, como em "Biscuits": "Você está pronto para encarar as consequências e sofrer? / Eu digo até para a sua mãe que você não é nada".

Como em todo grande disco, "Tical" também esconde algumas joias por trás dos sucessos. "Mr. Sandman" é uma delas, sendo a única posse cut do álbum. Com uma participação primorosa de Blue Raspberry no refrão e nos adlibs, Meth se junta a RZA, Inspectah Deck e aos protegidos Streelife e Carlton Fisk, se arrisca na cantoria e torca versos de altíssimo nível sobre uma batida que representa bem o tal som característico do Wu. Engraçado notar que, ao contrário da cartilha rezada na época pelos membros do grupo, "Tical" não conta com a participação de todos os generais, talvez como uma estratégia para catapultar Method Man ainda mais para o estrelato. "Sub Crazy" é outra faixa digna de nota, pois é nela que RZA põe em prática seus experimentos, sampleando trilhas sonoras dos filmes de kung fu e abdicando de caixas para criar um som turvo, quase cinematográfico.

Mas a grande estrela é mesmo Method Man. O cara reeditou em sua primeira aventura solo todas as qualidades que mostrara na estreia do Wu, com uma levada impressionante que marcaria sua carreira, e um carisma que mais tarde o transformaria numa estrela além-rap. Em "Tical", ainda como o membro mais carismático do Wu, ele criou um disco que, apesar de ter ficado conhecido pelos singles, tem ainda mais substância nos seus confins, o que não deixa de ser uma metáfora moderna para o próprio estado do rap.

Method Man - Tical
01 : Tical
02 : Biscuits
03 : Bring The Pain
04 : All I Need
05 : What The Blood Clot
06 : Meth Vs. Chef
07 : Sub Crazy
08 : Release Yo' Delf
09 : P.L.O. Style
10 : I Get My Thang In Action
11 : Mr. Sandman
12 : Stimulation
13 : Method Man Remix

Vídeo de "Bring The Pain":


Vídeo de "Release Yo' Delf":


Vídeo de "You're All I Need To Get By":