Victor Hugo de Freitas, 27 anos, passaria por qualquer turista nas ruas do Rio de Janeiro e seria visto por eles como um bom exemplo de um jovem carioca. Aliás, sua própria história de vida deliciaria os gringos ávidos por alimentar preconceitos em relação ao Brasil. Criado no Jardim Catarina, em São Gonçalo, o então moleque se apaixonou pelo funk, fez “várias merdas”, mas conseguiu dar a volta por cima. Hoje, casado e pai de dois filhos, Victor, ou Funkero, traz para o rap uma proposta ousada e que pode mexer novamente com preconceitos: a mistura entre o rap e o funk, ainda vista com reservas por muitos hip-hoppers.
Nesta entrevista ao Boom Bap, Funkero fala sobre sua relação com o funk, sua paixão pelo Nordeste e pelos livros, sua transformação como ser humano e a mixtape lançada em meados de 2009, intitulada “Poesia Marginal”. Confira e fique atento: amanhã tem resenha da mix do Funkero no blog.
Boom Bap: Eu já ouvi falar que você tem uma história de vida impressionante. Gostaria de conhecê-la diretamente de você...
Funkero: Cara, minha história é a história de alguém que é produto do seu meio, mas que não perdeu a capacidade e a vontade de sonhar, voar. Eu venho do Jardim Catarina, em São Gonçalo, e a minha comunidade é uma típica comunidade pobre. Como se ensina na escola, é "cidade dormitório" para a mão de obra que vive em São Gonçalo, mas trabalha no Rio. Meu bairro natal é cortado por uma BR, e é essa pista que traz a subsistência do bairro, sacou?
Enfim, droga à vera, violência idem. Todas as chagas do mundo moderno concentradas num bairro só. Meu irmão faleceu lá, eu cresci rodeado por esse ambiente,mas com uma paixão, digamos, improvável: os livros. Fui pichador, daí nasceu meu primeiro contato com a cultura urbana, e o resto é muita historia (risos).
BB: Também ouvi que você se envolveu com o crime, mas conseguiu dar a volta por cima. É verdade?
Cara, eu sou da pista. Fiz um monte de merda já, não me orgulho disso, não. Mas minha vivência, somada à minha imaginação, é a síntese do que eu sou. Não diria que fui criminoso, acho que eu era mais vítima, criminoso eu sou hoje, hoje eu sei o que eu ataco. Antes eu era violento, no meio de uma comunidade violenta. Hoje eu quero só paz mesmo.
Hoje eu tenho dois filhos, sou casado. Essa nova fase me faz ver as coisas sob uma nova perspectiva, mas ainda sou o mesmo maluco de sempre, acho que mais maluco ainda (risos). A psicose só aumenta com o tempo, li em qualquer lugar que isso se chama neurose de guerra, vai saber (risos). Mas estou mais focado, pois estou sonhando, mas com os pés no chão, e estou pensando grande. Antes tinha poucas pretensões; o que mudou é que eu quero o agora, quero o ontem, quero o mundo, quero me aperfeiçoar.
BB: Você comentou que sua paixão por livros te ajudou. Pode explicar melhor? Como começou essa paixão? Tem algum livro que te marcou a ponto de promover estas mudanças que você disse?
Não tem um, tem um milhão (risos). Eu li muito na infância, lia muita revista de terror, Calafrio e outras do gênero. Lia Conan, Marvel, li muito Sítio do Pica-pau amarelo. Na adolescência eu lia muito os livros da série Vagalume, tá ligado? Capitães da areia (do autor Jorge Amado) eu pirei, aí comecei a ler sobre o Nordeste, os sertões, Grande Sertão Veredas. Lia muito Sherlock Holmes também. Lia o que eu via na frente.
BB: Falando sobre o funk, é notória a influência do gênero nas suas letras, nas suas bases etc. Conte um pouco a sua relação com o funk.
Eu cresci no bairro do DJ Cabide, meu pai mora na rua do antigo Clube Tiradentes, onde tinham os famosos bailes da Gota Cerol Fininho. Desde criança eu já tive essa relação. Eu gostava muito de rock quando tinha uns sete, oito anos. Iron Maiden, as capas e tal. Depois de um tempo descobri o funk, através dos vinis da Furacão, Live, A Gota, Cash Box, Soul Grand Prix. Eu sou de São Gonçalo, né? Berço do funk, Claudinho e Buchecha...
O baile era na minha casa! O primeiro que eu fui foi na matinê do Tamoio,várias equipes, mas eu nem sonhava em ser musico nessa época, queria era arrumar um qualquer e curtir. Eu comecei fazendo rap mesmo, nas batalhas de freestyle, mas trouxe comigo essas influencias de menino. O funk rodeou minha infância e adolescência e é uma influência fortíssima. Eu sou um rapper que é fã de funk, na real (risos).
BB: Eu percebi que você faz várias referências ao funk nas suas letras, como nomes de MC’s e equipes de som. O funk ainda é visto com maus olhos por muita gente, inclusive dentro do rap. Você já teve problemas com isso?
Com certeza! As pessoas torcem a cara até com o meu nome, mas eu já fiz desse jeito pra isso mesmo, confundir, achar uma coisa e ver outra. Eu sou funkeiro, tenho conteúdo, técnica e paixão. Querer me rotular num padrão é burrice, eu não tenho. Sou um favelado cdf, bandido, roqueiro, funkeiro, tudo no mesmo lunático.
BB: E o que você acha desse preconceito do Hip-Hop com o funk, sendo que, na verdade, os dois têm muito mais semelhanças do que diferenças?
Cara, preconceito é ruim, né? Mas eu entendo, tem um monte de gente fazendo funk ruim, isso colabora com o preconceito massificado em cima do funk. Mas existe um monte de rap ruim também, não dá para generalizar. Quem faz isso está viajando.
BB: E quais as semelhanças entre os dois gêneros que você visualizou para inserir na sua técnica como emcee?
O BPM é diferente e o jeito de compor também. O funk abusa da linha melódica, o cru, não tem nada além da percussão. Mas eu acho muito parecido com o ragga, por exemplo, a levada no contratempo. A temática é a mesma e eu acho muito parecido com o bounce, por exemplo, gosto de Miami Bass,os synths. E é uma tendência de mercado também, por que não aproximar as duas linguagens? Eu faço rap no funk e funk no rap. Acho que eu tento achar um meio termo, onde as duas culturas se encontram.
BB: Esta era a minha próxima pergunta. Para você, qual é o ponto de convergência dessas duas culturas?
No faça você mesmo, que está presente no funk e no rap. O principal ponto de convergência é na poesia, crua, sem rebuscamentos, aprendida fora da escola, e na habilidade do MC de comandar a plateia. O cara que é bom no rap comanda a multidão, o cara que é bom no funk, também. [Também há semelhanças] no equipamento, muitas vezes precário, e na facilidade de ser popular sem precisar estar no grande jogo empresarial. É uma parada meio tribal até, que o rap tem, o funk e o samba também. Ragga, grime, embolada, acho todos primos.
BB: Você falou da recepção do rap em relação ao seu som, mas e o pessoal do funk, como te recebe? Eu vi alguns flyers de apresentações suas, você vai se apresentar numa festa essencialmente funk. Como que é essa relação?
Eu já tive a oportunidade de me apresentar ao lado dos maiores nomes do funk, os caras adoram o rap, têm um respeito imenso pela cultura e pelo som, e eu canto uns funks também, né? Aí fica fácil, tenho vários sons no tambor.
BB: Eu tenho uma teoria de que o rap nos EUA é o equivalente ao funk aqui do Rio. Tomou de assalto a juventude, seu mainstream é criticado pelas mesmas coisas, gera um dinheiro tremendo sem precisar da mídia etc. Enfim, por que você acha que o funk cresceu tanto no Rio, em vez do rap? Você acha que ainda dá para o rap competir em termos de espaço com o funk no Rio? Como você vê toda essa situação?
Cara, eu acho que a gente não tem que competir com o funk, mas se aliar a ele, adicionando o que tem de bom e deletando o que é ruim. Concordo com sua teoria, acho a temática do funk parecida com a de muito rap gringo, e a espontaneidade também. Aí está o ponto crucial: espontaneidade. É o que eu tento aprender. O funk faz parte da história dessa cidade, e é muito próximo da levada do samba. Acho que isso foi o fator preponderante para a assimilação desse gênero e a “abrasileiração” dele também. Antes era funk, depois virou funk carioca, e é um reflexo da nossa sociedade. Mostra o que a gente tem medo de ver, assim como o rap, mas o rap faz na grande maioria como denúncia. O funk faz sem pretensões de educar ou mudar, só relata. Totalmente válido, é música, não é? Eu acho que cada vez a gente aproxima mais o rap e o funk. Vai chegar o dia que não vai ter essa barreira imaginária que nós criamos, se Deus quiser.
BB: Mesmo fora da mídia, o funk, como movimento, até na questão financeira, é muito mais organizado e rentável do que o rap hoje em dia. Já se expandiu bastante das fronteiras do Rio, inclusive. Você falou sobre integração entre os dois gêneros. O q você acha que o rap pode aprender com o funk nesse sentido, sendo que este é talvez o ponto fraco do rap no Brasil atualmente?
O funk tem gente que só quer ir ver, fazer parte, e tem as pessoas que são só simpatizantes, essas são as que movimentam a grana. Para você ir ao baile você não tem que conhecer nada de som, só querer. No rap, todo mundo faz também, e as pessoas se sentem mais oprimidas de chegar sem saber nada sobre o assunto. Na minha visão, a gente pode aprender isso com o funk. É legal que as pessoas comprem seu trampo, não precisa "ser" do rap para isso. Quem quiser, vem que já é! Assim que tinha que ser. Nós estamos em 2010, as pessoas não curtem mais uma coisa só. São os novos tempos. Temos que nos adaptar, para não dar pau na máquina (risos).
BB: Sobre a mixtape, fale um pouco sobre o processo de criação das musicas, o conceito por trás da mix, quando começou a ser feita , seu objetivo com o trabalho etc.
Eu tinha um monte de funks, um monte de rap, um monte de ragga, de épocas diferentes. Resolvi fazer uma mixtape pra divulgar o trampo e o Iky Castilho fechou comigo nessa empreitada, a Café Crime produziu o trampo, o DJ Negralha, que é um grande parceiro, fechou de mixar. A gente quis movimentar a cena, fazer andar o barato, sacou? E me lançar, é o meu primeiro trampo, e teve uma receptividade muito maneira, rompeu um monte de tribos e estigmas. É um caldeirão, tudo misturado.
BB: E as participações, como foi que rolaram?
Algumas faixas já eram parcerias minhas, com a Digital Dubs, com o Gutierrez, a “Selva Urbana” era eu, o Tapechu e o Zé Bolin. Infelizmente, ele partiu lá pra cima sem gravar, e a gente colocou a voz dele de sample, pra homenagear o amigo. Foi um processo relativamente rápido. O Iky foi o maestro que dirigiu o bang todo, gravou, mixou.
BB: Eu notei que, apesar de você ter feito muita merda, como você disse, não há uma obsessão pra falar sobre crime e tal. Mesmo nas faixas em que você envereda por este caminho, a abordagem é diferente, mais abrangente. Esta decisão foi consciente ou é um reflexo do cara que você é hoje?
Acho que é conhecimento de causa mesmo. Eu falo sobre isso sem pudor, na real, como todos os outros assuntos. Isso traz simplicidade à temática. Eu faço musica, sempre fiquei encucado com esses discos que mantêm a mesma temática do inicio ao fim. Acho que demonstra pouca técnica, tanto musicalmente como na escrita. Sou CDF, mano. Quero fazer bem diferentes temas, abranger minha poesia. O mundo não e só crime, não e só noitada, não e só protesto, é tudo isso ao mesmo tempo. Eu tento manter a minha antena limpa, para captar tudo. Música fala da alma humana, como você vai classificar sua alma, o que você sente, num tema só?
BB: Fale um pouco sobre o clipe de “Selva Urbana”. Qual era a ideia que você quis passar através dele? Como foi o processo para gravar?
Eu participei do longa “L.a.p.a” e firmei essa parceria com o Emílio Domingos, um dos diretores do filme e que dirigiu o clipe, junto com o Gregório Matriz, Osmose Filmes. A música da mix que mais tocou foi “Selva Urbana”, foi natural querer fazer ela. A ideia é de selva, eu gravei na Floresta da Tijuca. E selva urbana ...esse contraste da mata com as ruas do centro, da selva de Deus e da nossa selva. Gravamos em um dia, eu e Pai Lua, e mais um dia eu sozinho. Nós gravamos, eu sozinho, no Mirante Dona Marta, no Cristo e em Santa Tereza. Com o Pai Lua, nós gravamos na Avenida Presidente Vargas, no Beco da Sardinha, Praça Mauá e Lapa. Gravamos de carro imagens da Perimetral, Leopoldina e Mem de Sá.
BB: A faixa “Banditismo” é precedida por um interlúdio intitulado “Lampião”, e fala bastante sobre este cenário nordestino. Qual foi a sua inspiração para estas duas faixas? Como a história de Lampião te inspira?
Sempre gostei de literatura nordestina. Meu primeiro CD foi Chico Science, né? Eu queria falar sobre Lampião, que é um assunto que sempre me fascinou. O crime lado a lado com a fé, a revolta aliada com a disciplina, enfim. Gravei a “Banditismo”, que é do Chico e Nação Zumbi, e fizemos o interlúdio com as vozes do filme "Baile Perfumado" e umas cantigas sobre Lampião. Foi minha humilde homenagem pro Nordeste.
BB: Como você avalia a importância da cultura nordestina no contexto brasileiro? Muita gente ainda vê com preconceito, né?
É importantíssimo a gente voltar os olhos pro Nordeste do Brasil, foi aonde o colonizador chegou primeiro, né? A cultura popular nordestina é alvo de preconceitos mil, mas é encantadora também. Literatura de cordel, maracatu, embolada, repente, forrozão bolado, só coisa boa.
Eu sou influenciado pelo Rio, e o Rio tem muito de Nordeste. Os nordestinos fizeram o Rio, a mão de obra das construções imponentes nas grandes cidades tem braços nordestinos. O rap do Nordeste também está porrada: Costa a Costa, Rapadura, Inquilinus, Daganja, tem muita coisa maneira.
BB: Em “Relíquia”, você faz várias referências à cena do funk. Qual foi sua motivação para fazer esta música? Aquele pessoal citado na faixa te influenciou? Qual a importância deles para você?
Essa faixa foi uma homenagem pra aqueles caras que eu ouvi na minha infância, que fizeram parte da minha vida e que me influenciam temática e musicalmente. Eu, na real, faço inúmeras citações de letras antigas de inúmeros artistas. Aquele sample clássico... Tudo é feito na intenção de levar a pessoa que ouve praquela época, praquele tempo. Além disso, era pra ter uma faixa com meu nome no refrão! (risos).
BB: E o que podemos esperar do Funkero em 2010?
Eu estou finalizando as faixas do meu disco novo, que se chama “Em Carne Viva" e vai ter varias participações nas produções, com produção musical de Iky Castilho. Vai ser lançado pela Café Crime, em time que está ganhando jogo não se mexe. E estou muito contente com o resultado que estamos tendo, acho que vai ser foda esse disco. Estou bem focado e escrevendo bastante. Se Deus quiser, a gente bota o disco na rua no segundo semestre de 2010.
BB: Qual vai ser o conceito do disco? Já tem alguma participação confirmada?
"Em Carne Viva" vai ser minha autobiografia nos versos. Vai ser só eu. Nos beats, tem uma galera, chegando mais perto a gente vai soltando os nomes. Eu ainda não sei das faixas que temos, qual entra e qual não. Estamos selecionando.
Eu tenho dez músicas prontas, com voz guia. Tem mais algumas para aprontar, outras para escrever. É um processo que eu gosto bastante, escrever, apagar tudo, reescrever, gravar, aí jogar tudo fora e começar de novo (risos). Estúdio é um habitat onde eu fico à vontade.
O disco está bem louco, tem beat de clube, tem umas músicas bem punk rock, tem umas mais under. Os funkão de sempre. Vai ser bem variado musicalmente, e tematicamente também. Tem uma música que eu fiz para o meu irmão, que emociona bastante quem a ouve. Tem uma que chama “Luz, câmera, ação”, que eu faço os versos com nomes e cenas de filmes. Tem “O Capital”, que eu faço em primeira pessoa, como se o dinheiro fosse o narrador do verso. Essa última a galera pode ouvir no player que tem no www.cafecrime.blogspot.com. Tem outra que fala de madrugada, outra de pixação, outra sobre tiroteio – tinha que ter (risos). Enfim, tá louco, cara.
Nesta entrevista ao Boom Bap, Funkero fala sobre sua relação com o funk, sua paixão pelo Nordeste e pelos livros, sua transformação como ser humano e a mixtape lançada em meados de 2009, intitulada “Poesia Marginal”. Confira e fique atento: amanhã tem resenha da mix do Funkero no blog.
Boom Bap: Eu já ouvi falar que você tem uma história de vida impressionante. Gostaria de conhecê-la diretamente de você...
Funkero: Cara, minha história é a história de alguém que é produto do seu meio, mas que não perdeu a capacidade e a vontade de sonhar, voar. Eu venho do Jardim Catarina, em São Gonçalo, e a minha comunidade é uma típica comunidade pobre. Como se ensina na escola, é "cidade dormitório" para a mão de obra que vive em São Gonçalo, mas trabalha no Rio. Meu bairro natal é cortado por uma BR, e é essa pista que traz a subsistência do bairro, sacou?
Enfim, droga à vera, violência idem. Todas as chagas do mundo moderno concentradas num bairro só. Meu irmão faleceu lá, eu cresci rodeado por esse ambiente,mas com uma paixão, digamos, improvável: os livros. Fui pichador, daí nasceu meu primeiro contato com a cultura urbana, e o resto é muita historia (risos).
BB: Também ouvi que você se envolveu com o crime, mas conseguiu dar a volta por cima. É verdade?
Cara, eu sou da pista. Fiz um monte de merda já, não me orgulho disso, não. Mas minha vivência, somada à minha imaginação, é a síntese do que eu sou. Não diria que fui criminoso, acho que eu era mais vítima, criminoso eu sou hoje, hoje eu sei o que eu ataco. Antes eu era violento, no meio de uma comunidade violenta. Hoje eu quero só paz mesmo.
Hoje eu tenho dois filhos, sou casado. Essa nova fase me faz ver as coisas sob uma nova perspectiva, mas ainda sou o mesmo maluco de sempre, acho que mais maluco ainda (risos). A psicose só aumenta com o tempo, li em qualquer lugar que isso se chama neurose de guerra, vai saber (risos). Mas estou mais focado, pois estou sonhando, mas com os pés no chão, e estou pensando grande. Antes tinha poucas pretensões; o que mudou é que eu quero o agora, quero o ontem, quero o mundo, quero me aperfeiçoar.
BB: Você comentou que sua paixão por livros te ajudou. Pode explicar melhor? Como começou essa paixão? Tem algum livro que te marcou a ponto de promover estas mudanças que você disse?
Não tem um, tem um milhão (risos). Eu li muito na infância, lia muita revista de terror, Calafrio e outras do gênero. Lia Conan, Marvel, li muito Sítio do Pica-pau amarelo. Na adolescência eu lia muito os livros da série Vagalume, tá ligado? Capitães da areia (do autor Jorge Amado) eu pirei, aí comecei a ler sobre o Nordeste, os sertões, Grande Sertão Veredas. Lia muito Sherlock Holmes também. Lia o que eu via na frente.
BB: Falando sobre o funk, é notória a influência do gênero nas suas letras, nas suas bases etc. Conte um pouco a sua relação com o funk.
Eu cresci no bairro do DJ Cabide, meu pai mora na rua do antigo Clube Tiradentes, onde tinham os famosos bailes da Gota Cerol Fininho. Desde criança eu já tive essa relação. Eu gostava muito de rock quando tinha uns sete, oito anos. Iron Maiden, as capas e tal. Depois de um tempo descobri o funk, através dos vinis da Furacão, Live, A Gota, Cash Box, Soul Grand Prix. Eu sou de São Gonçalo, né? Berço do funk, Claudinho e Buchecha...
O baile era na minha casa! O primeiro que eu fui foi na matinê do Tamoio,várias equipes, mas eu nem sonhava em ser musico nessa época, queria era arrumar um qualquer e curtir. Eu comecei fazendo rap mesmo, nas batalhas de freestyle, mas trouxe comigo essas influencias de menino. O funk rodeou minha infância e adolescência e é uma influência fortíssima. Eu sou um rapper que é fã de funk, na real (risos).
BB: Eu percebi que você faz várias referências ao funk nas suas letras, como nomes de MC’s e equipes de som. O funk ainda é visto com maus olhos por muita gente, inclusive dentro do rap. Você já teve problemas com isso?
Com certeza! As pessoas torcem a cara até com o meu nome, mas eu já fiz desse jeito pra isso mesmo, confundir, achar uma coisa e ver outra. Eu sou funkeiro, tenho conteúdo, técnica e paixão. Querer me rotular num padrão é burrice, eu não tenho. Sou um favelado cdf, bandido, roqueiro, funkeiro, tudo no mesmo lunático.
BB: E o que você acha desse preconceito do Hip-Hop com o funk, sendo que, na verdade, os dois têm muito mais semelhanças do que diferenças?
Cara, preconceito é ruim, né? Mas eu entendo, tem um monte de gente fazendo funk ruim, isso colabora com o preconceito massificado em cima do funk. Mas existe um monte de rap ruim também, não dá para generalizar. Quem faz isso está viajando.
BB: E quais as semelhanças entre os dois gêneros que você visualizou para inserir na sua técnica como emcee?
O BPM é diferente e o jeito de compor também. O funk abusa da linha melódica, o cru, não tem nada além da percussão. Mas eu acho muito parecido com o ragga, por exemplo, a levada no contratempo. A temática é a mesma e eu acho muito parecido com o bounce, por exemplo, gosto de Miami Bass,os synths. E é uma tendência de mercado também, por que não aproximar as duas linguagens? Eu faço rap no funk e funk no rap. Acho que eu tento achar um meio termo, onde as duas culturas se encontram.
BB: Esta era a minha próxima pergunta. Para você, qual é o ponto de convergência dessas duas culturas?
No faça você mesmo, que está presente no funk e no rap. O principal ponto de convergência é na poesia, crua, sem rebuscamentos, aprendida fora da escola, e na habilidade do MC de comandar a plateia. O cara que é bom no rap comanda a multidão, o cara que é bom no funk, também. [Também há semelhanças] no equipamento, muitas vezes precário, e na facilidade de ser popular sem precisar estar no grande jogo empresarial. É uma parada meio tribal até, que o rap tem, o funk e o samba também. Ragga, grime, embolada, acho todos primos.
BB: Você falou da recepção do rap em relação ao seu som, mas e o pessoal do funk, como te recebe? Eu vi alguns flyers de apresentações suas, você vai se apresentar numa festa essencialmente funk. Como que é essa relação?
Eu já tive a oportunidade de me apresentar ao lado dos maiores nomes do funk, os caras adoram o rap, têm um respeito imenso pela cultura e pelo som, e eu canto uns funks também, né? Aí fica fácil, tenho vários sons no tambor.
BB: Eu tenho uma teoria de que o rap nos EUA é o equivalente ao funk aqui do Rio. Tomou de assalto a juventude, seu mainstream é criticado pelas mesmas coisas, gera um dinheiro tremendo sem precisar da mídia etc. Enfim, por que você acha que o funk cresceu tanto no Rio, em vez do rap? Você acha que ainda dá para o rap competir em termos de espaço com o funk no Rio? Como você vê toda essa situação?
Cara, eu acho que a gente não tem que competir com o funk, mas se aliar a ele, adicionando o que tem de bom e deletando o que é ruim. Concordo com sua teoria, acho a temática do funk parecida com a de muito rap gringo, e a espontaneidade também. Aí está o ponto crucial: espontaneidade. É o que eu tento aprender. O funk faz parte da história dessa cidade, e é muito próximo da levada do samba. Acho que isso foi o fator preponderante para a assimilação desse gênero e a “abrasileiração” dele também. Antes era funk, depois virou funk carioca, e é um reflexo da nossa sociedade. Mostra o que a gente tem medo de ver, assim como o rap, mas o rap faz na grande maioria como denúncia. O funk faz sem pretensões de educar ou mudar, só relata. Totalmente válido, é música, não é? Eu acho que cada vez a gente aproxima mais o rap e o funk. Vai chegar o dia que não vai ter essa barreira imaginária que nós criamos, se Deus quiser.
BB: Mesmo fora da mídia, o funk, como movimento, até na questão financeira, é muito mais organizado e rentável do que o rap hoje em dia. Já se expandiu bastante das fronteiras do Rio, inclusive. Você falou sobre integração entre os dois gêneros. O q você acha que o rap pode aprender com o funk nesse sentido, sendo que este é talvez o ponto fraco do rap no Brasil atualmente?
O funk tem gente que só quer ir ver, fazer parte, e tem as pessoas que são só simpatizantes, essas são as que movimentam a grana. Para você ir ao baile você não tem que conhecer nada de som, só querer. No rap, todo mundo faz também, e as pessoas se sentem mais oprimidas de chegar sem saber nada sobre o assunto. Na minha visão, a gente pode aprender isso com o funk. É legal que as pessoas comprem seu trampo, não precisa "ser" do rap para isso. Quem quiser, vem que já é! Assim que tinha que ser. Nós estamos em 2010, as pessoas não curtem mais uma coisa só. São os novos tempos. Temos que nos adaptar, para não dar pau na máquina (risos).
BB: Sobre a mixtape, fale um pouco sobre o processo de criação das musicas, o conceito por trás da mix, quando começou a ser feita , seu objetivo com o trabalho etc.
Eu tinha um monte de funks, um monte de rap, um monte de ragga, de épocas diferentes. Resolvi fazer uma mixtape pra divulgar o trampo e o Iky Castilho fechou comigo nessa empreitada, a Café Crime produziu o trampo, o DJ Negralha, que é um grande parceiro, fechou de mixar. A gente quis movimentar a cena, fazer andar o barato, sacou? E me lançar, é o meu primeiro trampo, e teve uma receptividade muito maneira, rompeu um monte de tribos e estigmas. É um caldeirão, tudo misturado.
BB: E as participações, como foi que rolaram?
Algumas faixas já eram parcerias minhas, com a Digital Dubs, com o Gutierrez, a “Selva Urbana” era eu, o Tapechu e o Zé Bolin. Infelizmente, ele partiu lá pra cima sem gravar, e a gente colocou a voz dele de sample, pra homenagear o amigo. Foi um processo relativamente rápido. O Iky foi o maestro que dirigiu o bang todo, gravou, mixou.
BB: Eu notei que, apesar de você ter feito muita merda, como você disse, não há uma obsessão pra falar sobre crime e tal. Mesmo nas faixas em que você envereda por este caminho, a abordagem é diferente, mais abrangente. Esta decisão foi consciente ou é um reflexo do cara que você é hoje?
Acho que é conhecimento de causa mesmo. Eu falo sobre isso sem pudor, na real, como todos os outros assuntos. Isso traz simplicidade à temática. Eu faço musica, sempre fiquei encucado com esses discos que mantêm a mesma temática do inicio ao fim. Acho que demonstra pouca técnica, tanto musicalmente como na escrita. Sou CDF, mano. Quero fazer bem diferentes temas, abranger minha poesia. O mundo não e só crime, não e só noitada, não e só protesto, é tudo isso ao mesmo tempo. Eu tento manter a minha antena limpa, para captar tudo. Música fala da alma humana, como você vai classificar sua alma, o que você sente, num tema só?
BB: Fale um pouco sobre o clipe de “Selva Urbana”. Qual era a ideia que você quis passar através dele? Como foi o processo para gravar?
Eu participei do longa “L.a.p.a” e firmei essa parceria com o Emílio Domingos, um dos diretores do filme e que dirigiu o clipe, junto com o Gregório Matriz, Osmose Filmes. A música da mix que mais tocou foi “Selva Urbana”, foi natural querer fazer ela. A ideia é de selva, eu gravei na Floresta da Tijuca. E selva urbana ...esse contraste da mata com as ruas do centro, da selva de Deus e da nossa selva. Gravamos em um dia, eu e Pai Lua, e mais um dia eu sozinho. Nós gravamos, eu sozinho, no Mirante Dona Marta, no Cristo e em Santa Tereza. Com o Pai Lua, nós gravamos na Avenida Presidente Vargas, no Beco da Sardinha, Praça Mauá e Lapa. Gravamos de carro imagens da Perimetral, Leopoldina e Mem de Sá.
BB: A faixa “Banditismo” é precedida por um interlúdio intitulado “Lampião”, e fala bastante sobre este cenário nordestino. Qual foi a sua inspiração para estas duas faixas? Como a história de Lampião te inspira?
Sempre gostei de literatura nordestina. Meu primeiro CD foi Chico Science, né? Eu queria falar sobre Lampião, que é um assunto que sempre me fascinou. O crime lado a lado com a fé, a revolta aliada com a disciplina, enfim. Gravei a “Banditismo”, que é do Chico e Nação Zumbi, e fizemos o interlúdio com as vozes do filme "Baile Perfumado" e umas cantigas sobre Lampião. Foi minha humilde homenagem pro Nordeste.
BB: Como você avalia a importância da cultura nordestina no contexto brasileiro? Muita gente ainda vê com preconceito, né?
É importantíssimo a gente voltar os olhos pro Nordeste do Brasil, foi aonde o colonizador chegou primeiro, né? A cultura popular nordestina é alvo de preconceitos mil, mas é encantadora também. Literatura de cordel, maracatu, embolada, repente, forrozão bolado, só coisa boa.
Eu sou influenciado pelo Rio, e o Rio tem muito de Nordeste. Os nordestinos fizeram o Rio, a mão de obra das construções imponentes nas grandes cidades tem braços nordestinos. O rap do Nordeste também está porrada: Costa a Costa, Rapadura, Inquilinus, Daganja, tem muita coisa maneira.
BB: Em “Relíquia”, você faz várias referências à cena do funk. Qual foi sua motivação para fazer esta música? Aquele pessoal citado na faixa te influenciou? Qual a importância deles para você?
Essa faixa foi uma homenagem pra aqueles caras que eu ouvi na minha infância, que fizeram parte da minha vida e que me influenciam temática e musicalmente. Eu, na real, faço inúmeras citações de letras antigas de inúmeros artistas. Aquele sample clássico... Tudo é feito na intenção de levar a pessoa que ouve praquela época, praquele tempo. Além disso, era pra ter uma faixa com meu nome no refrão! (risos).
BB: E o que podemos esperar do Funkero em 2010?
Eu estou finalizando as faixas do meu disco novo, que se chama “Em Carne Viva" e vai ter varias participações nas produções, com produção musical de Iky Castilho. Vai ser lançado pela Café Crime, em time que está ganhando jogo não se mexe. E estou muito contente com o resultado que estamos tendo, acho que vai ser foda esse disco. Estou bem focado e escrevendo bastante. Se Deus quiser, a gente bota o disco na rua no segundo semestre de 2010.
BB: Qual vai ser o conceito do disco? Já tem alguma participação confirmada?
"Em Carne Viva" vai ser minha autobiografia nos versos. Vai ser só eu. Nos beats, tem uma galera, chegando mais perto a gente vai soltando os nomes. Eu ainda não sei das faixas que temos, qual entra e qual não. Estamos selecionando.
Eu tenho dez músicas prontas, com voz guia. Tem mais algumas para aprontar, outras para escrever. É um processo que eu gosto bastante, escrever, apagar tudo, reescrever, gravar, aí jogar tudo fora e começar de novo (risos). Estúdio é um habitat onde eu fico à vontade.
O disco está bem louco, tem beat de clube, tem umas músicas bem punk rock, tem umas mais under. Os funkão de sempre. Vai ser bem variado musicalmente, e tematicamente também. Tem uma música que eu fiz para o meu irmão, que emociona bastante quem a ouve. Tem uma que chama “Luz, câmera, ação”, que eu faço os versos com nomes e cenas de filmes. Tem “O Capital”, que eu faço em primeira pessoa, como se o dinheiro fosse o narrador do verso. Essa última a galera pode ouvir no player que tem no www.cafecrime.blogspot.com. Tem outra que fala de madrugada, outra de pixação, outra sobre tiroteio – tinha que ter (risos). Enfim, tá louco, cara.
2 comentários:
Esse é O CARA ! Baile funk do brasa viva o cara tava, punk rock em sg o cara tava, zoeira na lapa o cara tava, qq reunião do xarpí o cara tava, ía pra alcântara, via o cara, entrava no catarina via... mestre dos magos irmão...
Rapaziada era fã do tag dele, devo até ter folha aqui ainda... acho q nem lembra mais de nós... Tinha um camarada meu que falava que ele teletransportava... Esse é pista e esculacha no sound!
Esse é o cara que tem ideia de que tudo isso que acontece no nosso país um verdadeiro artista que veio das ruas e que conhece a realidade da vida e do sistema do país
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