terça-feira, 29 de setembro de 2009

Tradução: Brother Ali - Tight Rope

Como dito no texto sobre o álbum "Us", "Tight Rope" é forte candidata a melhor letra do ano. Esta faixa é onde Brother Ali consegue executar melhor sua ideia de contar estórias sobre as pessoas ao seu redor e, a partir daí, gerar a reflexão que pretende. Uma criança que veio da Somália para os Estado Unidos com os pais e se sente deslocada, um filho de pais separados sofrendo com a situação e um caçula homossexual reprimindo-se para não "decepcionar" sua família. Talvez o foco esteja nos infantos justamente para dar mais peso às estórias. Confiram:

Artista: Brother Ali
Álbum: Us
Música: Tight Rope - Corda apertada

[ Verso I ]
Fria e gelada Minnesota, moeda no ombro dele
dormindo mal em um sofá estragado
visitante indesejado em uma cultura diferente
sentindo falta de casa, e ele não pode lutar a guerra civil deles
ouça, soldado, esqueça seguir em frente
Prisão estadual ao redor da esquina, os sem-teto estão ainda mais próximos
até as crianças com a mesma cor de pele não querem você
cospem e te insultam porque eles têm estado aqui há mais tempo
ele deixa a casa dele e é certo que os policiais vão abordá-lo
aonde você está indo? De onde você é? Alguma arma contigo?
sua família está estressada, você está ficando velho
você não vive do modo que eles viviam lá na Somália
é ainda mais difícil ser uma filha
tentando se manter modesta com as pecadoras ao seu redor
onde a roupa errada pode provoar uma úlcera nos seus pais
e se você se cobrir toda as outras crianças vão implicar com você

[ Refrão ]
Vivendo em dois mundos com seus olhos fechados
na ponta dos pés numa corda apertada
segurando-se pela sobrevivência
ninguém para culpar, é assim que as coisas são

[ Verso II ]
Feriados e você sabe como isso funciona
você tem dois aniversários e dois Natais
quanto mais velho você fica mais percebe o quão ruim é isso
eles estão tentando compensar a culpa deles com os presentes que lhe dão
pulando da casa dele para a casa dela
é ruim demais que o casamento não tenha dado certo
agora você não tem a sua casa
papai brigando com mamãe, ambos dizem que me amam
se eu ficar próximo demais de um, o outro começa a agir engraçado
mamãe foi e teve um filho com um pai diferente
você fingue que está feliz para agradá-los, mas está realmente triste
vendo em primeira mão aquela família que você nunca vai ter
e você nem é um irmão de verdade, é só metade
precisa juntar os pedaços e seguir em frente
guardar as estórias na cama e saudá-las no telefone
desejando que você fosse crescido e tivesse a liberdade de ir embora

[ Refrão ]

[ Verso III ]
Papai era um pastor, mamãe era uma professora de escola dominical
o irmão mais velho era o líder do time de futebol
então só sobrou você para desapontá-los ou desagradá-los
você só está szendo o que você sente ver naquele
espelho toda vez que você se procura nele
engole as lágrimas dentro daquele sentimento vazio
o garoto dela horrorizado para deixar o mundo entrar
ele tem namoradas, mas não quer uma namorada
ele se retira para onde ele vive a própria vida em segredo
papai diz que as pessoas vão para o inferno por serem
o que ele é, e ele acredita nisso
porque não há chama que não incendeie o suficiente
para superar ser odiado pela forma que você ama
e chora para poder dormir e odeia acordar
este é um mundo frio, gente, nos envergonhemos

[ Refrão ]

sábado, 26 de setembro de 2009

Skyzoo: The Salvation

Ano: 2009
Gravadora: Duck Down
Produtores: Cyrus tha Great (faixas 1 e 7), Just Blaze (2), 9th Wonder (3,6,8,13,15), Best Kept Secret (4), Nottz (5 e 16), Black Milk (9), Illmind (10), Eric G (11 e 14), Needlz (12).
Participação: Carlitta Durand (faixa 13)

Anos e anos de mixtapes e participações, e finalmente o emcee nova-iorquino Skyzoo lança seu álbum de estreia. O cara, que ficou conhecido depois de trabalhar com produtores como DJ Premier e 9th Wonder - chegou a lançar um EP todo produzido pelo ex-Little Brother - faz parte da linha de frente da nova geração que tenta já há um bom tempo resgatar a relevância do rap de Nova Iorque e acabar com o reinado do dirty south no mainstream. Se considerarmos "The Salvation", o primogênito de Skyzoo, um dos primeiros bebês de proveta desde projeto, temos uma boa e uma má notícia: o disco é bom demais; e bom, nesse caso, significa não ter muito a ver com os padrões estabelecidos pelo mainstream.

Recrutando um time de beatmakers de fazer inveja a qualquer rapper, Skyzoo oferece para audição um registro bastante pessoal e introspectivo. A impressão que se tem é cada detalhe do álbum foi pensado minuciosamente, para que o mínimo possível de erros tenha sido cometido. Aquela velha frase de que "leva-se uma vida inteira para criar o seu primeiro disco" nunca fez tanto sentido quanto em "The Salvation". E parece que todo o tempo que o cara gastou em mixtapes e participações serviu como um belo aprendizado, um ótimo aquecimento para o jogo de verdade.

Sky é daqueles novos emcees extremamente técnicos, com rimas escritas com complexidade, um flow frio - no bom sentido - e controle do microfone excepcional. A voz dele também é bastante característica, e faz ele ser imediatamente reconhecido. Não bastasse isso, o cara não desperdiça tempo nas letras, e trata de variados assuntos com a mesma habilidade. Seja contemplações sobre a vida no single "The Beautiful Decay" ou análises sobre a presença de armas de fogo na sociedade em "The Shooter's Soundtrack", Skyzoo oferece sua opinião com tranquilidade e sem soar forçado.

Mas é quando ele olha para dentro de si que os resultados melhoram e as rimas revelam um pouco sobre a vida de um jovem nova-iorquino buscando seu espaço em pleno século XXI. "Under Pressure" trata exatamente da luta de Sky em vencer na vida e equilibrar os diferentes setores de sua vida: namorada, família, trabalho. O desabafo do refrão é a síntese da faixa: "Estou tentando ser o melhor homem que eu possa ser". "Dear Whoever" apela mais para o lado sentimental, relatando a busca do rapper pela companheira ideal - e o background jazzy proporcionado pelo beat de Illmind complementa perfeitamente o tema. Mudando um pouco as marchas, "Popularity", a faixa mais radiofônica do disco, fala sobre algo recorrente em filmes adolescentes americanos com grande dose de ironia por parte de Sky.

E, enquanto a estrela do álbum pôde exibir completamente seu potencial, os arquitetos do som também não ficam atrás. Apesar de um número elevado de beatmakers, "The Salvation" não soa como uma babilônia sônica. A direção é clara: batidas soul, sem frescuras, caixas pesadas e alternância entre faixas mais relax e outras mais aceleradas. De tudo isso, quem se destaca é 9th Wonder, um pouco esquecido nos últimos tempos, mas que mostra que ainda tem o dom. "The Beautiful Decay" é, como o nome diz, belíssima, e o modus operandi de Wonder nem mudou muito: boom bap mais samples vocais exalando sentimento e picotes à la Premier. Outra contribuição notável do cara é "Under Pressure", com metais espetaculares.

Outros destaques vão para a apressada "Return of the Real", com guitarra e bateria disputando para ver qual é a mais pesada; a já citada "Dear Whoever", a mais suave do disco; o ótimo piano de "Maintain", e a complexa "My Interpretation", do novato Best Kept Secret, que faz bonito com um instrumental cheio de viradas de bateria, vocais sampleados, pianos, efeitos etc. Às vezes a produção de "The Salvation" pode soar pouco dinstinguível, com estilos muito parecidos, mas é inegável que seus pontos altos são realmente de qualidade.

E, à base de boas rimas e beats talhados na medida para o seu estilo, Skyzoo consegue atingir o objetivo de entregar um álbum de estreia de qualidade. Não há nada novo aqui e é provável que o lançamento se assemelhe um pouco aos da Justice League, mas temos um emcee talentoso e com responsabilidade acerca de suas habilidades - importante notar que não há nenhum outro rapper participando do disco. Uma prova de que a simplicidade pode ser, às vezes, o melhor caminho. E um bom rap, sem muita doideira, sem muita frescura, sempre é necessário.

Skyzoo - The Salvation
1) The Opener
2) Return Of The Real
3) The Beautiful Decay
4) My Interpretation
5) Popularity
6) Like A Marathon
7) The Shooter’s Soundtrack
8) Under Pressure
9) Penmanship
10) Dear Whoever
11) For What It’s Worth
12) The Necessary Evils
13) Easy To Fly
14) Bottom Line
15) Metal Hearts
16) Maintain

Vídeo da faixa "The Beautiful Decay":

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Brother Ali: Us

Ano: 2009
Gravadora: Rhymesayers
Produtor: Ant (todas as faixas).
Participações: Chuck D (faixa 1), Stokley Williams (1 e 16), Joell Ortiz (12), Freeway (12).

O que fazer quando você é um emcee respeitado por 90% daqueles expostos à sua música, já lançou dois álbuns elogiadíssimos pela crítica especializada e tornou-se um exemplo de sucesso underground, sem fazer nenhuma concessão ao mainstream? Pois Brother Ali, o tal rapper, resolveu mudar o foco do seu trabalho. Em vez das letras ultrapessoais que falavam de preconceito e superação e das fortes mensagens sociais, o cara apostou em outra forma de apresentar sua verdade. Em "Us", o novo álbum do nativo de Minnesotta, sai o "eu" das rimas, entra o "nós" e inúmeras estórias emergem.

Os versos da faixa-título - incompreensivelmente a última do disco, quando encaixaria perfeitamente como a introdutória - são o indício do que esperar da lírica de Ali: estórias que, muito possivelmente, são extremamente identificáveis. A breve explanação de que "não se trata de eu ou você, e sim nós" justifica nas entrelinhas a mudança de marchas que o emcee albino promove em "Us"; aquela velha história de que unidos somos fortes, divididos caíremos há tempos não fazia tanto sentido.

E é com base nisso que Ali se aventura até por temas tabus, que teoricamente não teriam a ver com ele. "The Travelers" trata de escravidão, mas de uma maneira profunda, inquisitiva, tentando entender a herança que a prática maldita deixou até hoje na sociedade. E é nesta faixa, na metade do disco, que você se convence de que Ali pode definitivamente falar do que quiser, e o fará com propriedade e técnica. O primeiro verso é contado sob a perspectiva de um escravo, ainda atordoado por ter sido "caçado" em sua terra natal; a segunda parte é entregue ao outro lado, que efetivamente faz a tal análise. O refrão junta tudo como cola final: "E isso é realmente verdade / agora pare e imagine se tivesse sido contigo / agora pare de imaginar, descubra a verdade / e se pergunte com quem isto está acontecendo".

E as narrativas do álbum não param por aí. Uma das grandes virtudes do The Brother no trabalho é conseguir incutir dentro das estórias as críticas sociais que ele fazia antes de forma mais direta. Talvez isso seja sinal de maturidade e evolução na escrita, mas a verdade é que uma maneira muito mais rica e profunda de criticar as coisas. Não basta dizer que nossa sociedade está podre, é necessário contar a história de um adolescente gay, filho de um pastor e uma professora, com o irmão capitão do time de futebol americano, que vive duas vidas para que o genitor não descubra que ele é algo que "o levaria para o inferno". É necessário falar sobre o filho de pais separados que se vê dividido entre duas casas - "e nenhuma delas é realmente a dele" - vendo os pais reconstruírem suas vidas e negligenciando a dele. Tudo isso é tema na fenomenal "Tight Rope", desde já candidata a letra do ano, que consegue despertar tantas reflexões e sentimentos quanto possível.

Talvez Ali vá além das já triviais críticas ao sistema. Ele revela a verdadeira causa do sistema: as pessoas. Desde o estupro em "Babygirl" até as drogas em "House Keys", o rapper mostra que se a sociedade é do jeito que é, ela é apenas nosso reflexo. Nossos defeitos, nossas falhas de caráter, nossa ganância, enfim, este é o câncer que tanto procuramos e combatemos. E as rimas desde muçulmano albino, acostumado a ser intimidado no colégio quando criança, soam como dardos letais atirados na nossa cara. É a tal verdade à qual ele tanto se refere; "shame on us", como ele diz no final de "Tight Rope".

Mas não é só de roteiros densos que o álbum é feito. As rimas pessoais de Ali aparecem de vez em quando. O hino de celebração da vida em "Fresh Air" é capaz de despertar inveja até nas pessoas mais puras e passa longe de soar como se o cara estivesse se gabando. "You Say (Puppy Love)", por sua vez, é uma daquelas canções românticas que você vai mandar para a sua namorada via MSN e colocar numa compilação de músicas dedicadas a ela.

Na produção, entretanto, pouca coisa mudou. O produtor do Atmosphere, Anthony Ant Davis, continua no comando dos beats e mostra que continua um dos mais consistentes da cena. Ele emprega uma sonoridade com a mesma estética do último trabalho com Slug, recorrendo a uma mistura de instrumentos e samples que dá vida a instrumentais polidos, cheios de soul. O que chama a atenção é que as batidas parecem mais minimalistas em "Us", talvez abrindo espaço para as narrativas de Ali. Essa fórmula, porém, faz com que algumas produções soem até simplistas, como a irritantemente repetitiva "Crown Jewel".

Mas é verdade também que os acertos são muitos. "The Preacher" aposta num naipe de metais extremamente suingado e abre o disco perfeitamente. "Fresh Air" casa perfeitamente com a temática da letra, graças a uma batida funky até o caroço. O clima tranquilo e reminiscente proporcionado pelas strings de "You Say (Puppy Love)" é outro ponto alto do disco, assim como "Us", uma mistura de coral gospel com palmas emocionantes que faz da faixa a melhor do álbum.

Tropeços na produção à parte, "Us" desponta como um dos bons álbuns do ótimo ano de 2009 graças à performance de Brother Ali. O flow continua impecável, uma variação entre levada e cantoria que denuncia um cara extremamente à vontade com as batidas. Mas é na decisão de elevar o radar de sua caneta para a sociedade de uma forma diferente onde mora a grande força do disco, o grande pulo de Ali. Obviamente, o resultado não é tão místico quanto ele faz crer, mas a verdade é que, depois das estórias deste trabalho, você estará mais próximo de você mesmo, das pessoas, da...verdade.

Brother Ali - Us
01 Brothers and Sisters
02 The Preacher
03 Crown Jewel
04 House Keys
05 Fresh Air
06 Tight Rope
07 Breakin Dawn
08 The Travelers
09 Babygirl
10 Round Here
11 Bad Mufucker Pt.2
12 Best@it
13 Games
14 Slippin Away
15 You Say (Puppy Love)
16 Us

Leia a tradução de "Us"

Vídeo da faixa "Us":

sábado, 19 de setembro de 2009

Tradução: Raekwon - Ason Jones

Depois do tributo "Life Changes", que apareceu no "8 Diagrams", Raekwon resolveu fazer sua própria homenagem ao falecido Ol'Dirty Bastard. Como era de se esperar, aqui ele focou mais na relação dele mesmo com o ODB, os bons momentos, as dificuldades. Tem até um ligeiro momento que ele critica sutilmente o estilo de vida de Russel Jones. De resto, nota-se que eles eram fanáticos por bebida; só em "Ason Jones" são citadas três marcas, e são várias passagens falando do tempo em que eles costumavam ficar bebendo. E a última linha do primeiro verso pode ser maldosamente interpretada...

Artista: Raekwon
Álbum: Only Built 4 Cuban Linx... Pt. II
Música: Ason Jones

[ Intro : Raekwon ]
Palavra, eu sinto sua falta, eu sinto a falta do God1
Palavra...um irmao poderoso, mano, ele vivia intensamente

[ Raekwon ]
Ele era um general poderoso, o cheiro de sua respiração era Ballantine2
eu acho que era o ano de 89
ele continuou o mais original, botas Polo, casacos coloridos
vindo de Medina3, nós explodíamos
estávamos no A&S, depois vazando para Bedstuy
Nativo, ele costumava fazer beatbox, milhares iam ouvi-lo
Yo, isso foi antes do Wu se juntar, ele e Allah Justice e RZA, vieram para Island4 em uma manhã
um cara que podia dançar músicas lentas, beber mais que qualquer outro
nos bancos, enquanto fumávamos, ele vendia cigarros avulsos
1,80m, uma lenda tinha nascido, Russel Ason Jones
eu o conhecia por suas tranças e lições
um homem sábio com conhecimento 120, mantinha uma bandeira em seu peito
Um braço direito, rápido, servindo a você Remy5
Yo, vamos brindar para os últimos que caíram e foram esquecidos
se os manos puderem me ouvir, então enrolem um baseado
Ason, o coração de um leão, uma mente purificada
a maneira como ele fez com um mic e um pouco de vinho
eu nunca vou esquecer os dias que nós costumavamos nos sentar
dias em que eu ficava direto na casa, ouvindo, segurando, alinhando ele
eu simplesmente sinto a falta deste cara
e agora eu entendo o significado de amor, quando eu beijei ele

[ ODB ]
Meu nome é Ol'Dirty Bastard, entende?
Eu não escondo nada atrás de mim, eu mal, quer dizer, eu venho de uma família, cara, de seguro social pobre, entende
Quando eu saí do ventre da minha mae eu já estava noo seguro social, ta ligado
então, é tipo, você precisa se manter real, entende

[ Raekwon ]
Ele tinha um coração dourado, uma alma inteligente desde o primeiro dia
Barulhento como um barco, sua melhor amiga era a mãe Cherry
doce dama, criança do Brooklyn, ela ensinou Dirty
a cozinhar, fazer faxina, cantar, fazer as danças old school e O.E.6, Ballantine, o vinho
nós bebíamos, enquanto nós estávamos com os O.G.s
Conhecimento de si mesmo, boa saúde
a fortuna que veio com a fama deixou meu irmão insano
é como se a riqueza não fosse o suficiente para viver
mas se voce tem amor no seu coração, apenas acredite em você
aquele era o rap de um homem negro, baby Jesus no Land7 negro
poucas peças de jóias com seus dentes dourados, sua família era o Brooklyn Zu, voce sabe que meu irmão era foda
o primeiro cara a dizer "Yo, mantenha-se real"
yeah, o amante, o pai, o correria, o professor de rap
agora ele está com Allah, isso é uma benção

[ ODB ]
Veja, é tipo, ok, de onde eu venho
no meu bairro, meu povo me conhece, entende?
Veja, se eu tento fazer algo diferente
eles não vão me respeitar mais, entende?
porque eles - você conhece o povo - tem uma opinião sobre eles mesmos
se você vem do bairro, entende,
você não poderia, você não poderia sair do bairro
mas você não poderia nunca tirar o bairro de dentro das pessoas
entende? Mas se você tenta tipo cruzar a linha
para o outro lado, as pessoas entendem isso, e eles não gostam disso
é por isso que eles não estão comprando música
veja, nós nos mantemos reais, e nós sempre faremos isso
você não pode prejudicar o que é real, entende?
Nós estamos dizendo a verdade, cara

1: God é a forma como os seguidores da religião 5 Percenter se tratam.
2: Ballantine é uma marca de uísque.
3: Medina é uma espécie de apelido do Brooklyn
4: Island, no caso, é Long Island, um dos bairros de Nova Iorque.
5: Remy Martin, um conhaque.
6: O.E. é a sigla para Olde English, um licor.
7: Land Rover, um carro.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

KRS-One & Buckshot: Survival Skills

Ano: 2009
Gravadora: Duckdown
Produtores: Illmind (faixas 1, 4 e 13), Havoc (2), Black Milk(3 e 7), Marco Polo(5), Moss (6), DJ Mentplus (8), Nottz (9), Khrysis (10 e 11), Coptic (12), 9th Wonder (14).
Participações: DJ Revolution (1), Mary J Blige (3), Rock (4), Talib Kweli (5), Smiff N Wessun (6), Immortal Technique (7), K'Naan (8), Pharoahe Monch (9), Sean Price (10), Loudmouf Choir (10), Bounty Killer (12), Slug (13), Melanie Fiona (14), Naledge (14).

KRS: Bem vindos, amigos. Vamos iniciar agora o nosso curso de sobrevivência no Hip Hop, intitulado "Survival Skills". Eu e meu amigo Buckshot estaremos nesta bancada para falar sobre a nossa visão de como ser longevo no gênero.
Buckshot: Isso mesmo. Vamos falar um pouco da história do rap, vamos discutir a conjuntura atual e analisar alguns pontos que acreditamos ser chave para que se possa ser relevante na cultura, sem precisar se vender para indústria.
KRS: Ao longo desta palestra, nós também vamos chamar alguns convidados aqui, para dar seus depoimentos sobre o tema. Também teremos alguns maestros para dar uma trilha sonora ao curso, a fim de manter um clima informal. Entre eles, estão alguns velhos conhecidos de vocês, como Illmind, Black Milk, Havoc e 9th Wonder.
Buckshot: Bem, vamos começar. Escolhemos o nome de "Survival Skills" porque acreditamos que precisamos de algumas habilidades para continuarmos escalando a montanha e chegarmos ao topo do rap.
KRS: E, modéstia à parte, nada melhor do que dois veteranos como nós para falar sobre isso. A nossa proposta é manter-se fiel às origens. O básico do rap são as rimas e os beats, sem conversa fiada, sem frescura. Acima de tudo, o Hip Hop é uma forma de nos expressarmos, de darmos voz àqueles impedidos de fazer isso.
Lil'Wayne: Professor, mas também precisamos ganhar dinheiro, não acha?
KRS: Sim. E eu continuo faminto quando o assunto é ganhar dinheiro. Mas isso não significa que tenhamos que mudar por causa disso. Tampouco diminuir nossa arte. E isso nos leva a um dos nossos módulos, "The Way I Live".
Buckshot: Exato, nós queremos mostrar respeito a todos aqueles que estão na luta. Porque nós também estamos. Aliás, todos aqui nesta sala continuam na luta.
Elzhi, para Phat Kat: Cara, o Black Milk tá quebrando tudo, hein? Que batida é essa!
Phat Kat: Porradão! Eu soube que era ele por trás da MPC no primeiro bumbo, esses metais são demais!
KRS: Outro módulo que queremos discutir chama-se "Clean Up Crew". Nós precisamos, antes de mais nada, fazer uma limpeza nesta cultura. Muitos que dizem representar o rap, na verdade estão apenas querendo fazer lucro, sem se importar com a arte.
Shawty Lo: (pensando) Merda, vai sobrar pra mim daqui a pouco...
Buckshot: Eu queria chamar meu amigo Rock para falar um pouco sobre este conceito de limpeza.
Rock: A cena está uma bagunça. Precisamos limpá-la, lavá-la. E, acima de tudo, mantermos nós mesmos limpos, se é que me entendem.
MV Bill: Ih, alá. É o mesmo sample de "Só Deus Pode Me Julgar"!
Gucci Mane: Eu acho que vocês estão tendo uma visão muito superficial disso tudo. Estão se deixando influenciar pela mídia!
Tony Yayo: É verdade. Eu tenho um amigo que faz rap por grana, e o melhor amigo dele também faz rap com este pensamento...
KRS: Mas se você é um verdadeiro artista, sabe que o que importa não é simplesmente vender sua arte. Este é o módulo "One Shot". Pharoahe Monch, fale um pouco sobre isso.
Pharoahe Monch: Eu percebi que é melhor você ter uma meta. Veja os estilos, escolha um: rap político, "consciente", crunk...
Buckshot: O que queremos dizer é: você precisa dar valor à sua arte. Não importa o estilo que você quer seguir, você precisa acreditar naquilo. A mudança também não é condenável. Acredito que estamos constantemente mudando, e isso reflete na nossa música.
Puff Daddy (entrando esbaforido na sala): Desculpe-me professor. Peguei um trânsito inacreditável até aqui.
KRS: A aula está acontecendo, vocês estão atrasados, merda. Estamos numa parada incrível aqui. Aliás, o Buck está certo. Mas também acho que precisamos dar valor à velha escola, e não desprezá-la. E vice-versa. Eu mesmo, sou old school, mas não me impressiono com o que é feito hoje. Vocês devem mudar suas abordagens antes que seja tarde.
Sean Price: Isso é "Amazin"!
Blu: Professor, eu acho que você está radicalizando. Existe muita coisa boa sendo feita atualmente. Não podemos generalizar a nova geração assim. Mas concordo que o mainstream esteja num nível aquém do esperado.
Buckshot: E cabe a nós fazer com que chegue ao mainstream o rap de qualidade.
Lil' alguma coisa para Big outra coisa: Caramba, a voz do KRS soa como se tivesse vindo direto do céu para nos guiar. Parece um trovão.
Big outra coisa para Lil' alguma coisa: Também acho, é como o Rakim. Em compensação, o Buck parece estar tão calmo e confortável falando pra gente...
Buckshot: Falando no mainstream, gostaríamos de falar um pouco sobre os modismos que afetam o gênero. O último foi o autotune...
Kanye West: Qual é o problema? Acho que o prêmio deveria ter sido dado à Beyonce!
KRS: Como o Buck estava falando, isso é prejudicial. O autotune nada mais é do que uma materialização deste fenômeno pausterizador que aflige os rappers. Hoje em dia, parecem robôs, não há originalidade.
Buckshot: Hoje em dia, todo mundo quer cantar, todo mundo quer rimar...
KRS: Isso não é desrespeito a nenhuma arte, mas já fizemos isso. Muita coisa que vocês fazem achando estar revolucionando já foi feita há 20 anos.
GZA: Morte ao autotune! (todos apoiam)
Jay-Z: (pensando) Opa, esta é uma boa ideia! Acho que vou fazer uma música sobre isso...
Buckshot: Bom, vamos falar um pouco sobre política também. Isso é algo que influencia nosso gênero. Queria passar a palavra ao Immortal Technique para falar sobre o módulo "Runnin Away".
Immortal Technique: Precisamos estar atentos ao governo. Não adianta colocar um Pinóquio negro para nos liderar, se por trás tem um Gepeto branco da Wall Street. Foda-se o mundo comercial, eu prefiro ser verdadeiro. E estou aqui para celebrar o renascimento de uma era.
Elzhi: (pensando) E o Black Milk arrasou de novo...
Buckshot: Outra coisa importante é a nossa postura perante nossas famílias. Em "Think of Things" falamos disso. Não adianta você estar na boate badalando, enquanto seu filho tá em casa te procurando, né? Não adianta você esbanjar dinheiro e suas crianças terem roupas rasgadas.
KRS: Também precisamos orientar nossas filhas. Falar para elas: existem um monte de garotos, mas só um homem real para você.
Soulja Boy: Então, nossa missão é falar para as ruas?
Buckshot: Sim, com certeza. Precisamos passar nossa mensagem para eles. Este é o tema do módulo "Hear No Evil".
The Game: Vocês falam tanto em passar mensagem, mas o próprio Buckshot surgiu na cena falando sobre armas, violência nas ruas etc.
KRS: Infelizmente, a única linguagem que as pessoas entendem é mais armas nas ruas.
Buckshot: Este é o problema. Mas, para finalizarmos o curso, gostaríamos de reconhecer uma coisa entre nós. Nós já conseguimos muitas coisas, gente.
KRS: É verdade, só de estarmos aqui hoje já é uma vitória. Todos nós passamos por dificuldades, mas sobrevivemos. Desde os milhões de células de espermatozóides até o dinheiro no bolso de vocês, tudo foi conquista de vocês. Somos vitoriosos, mesmo contra tudo e todos. Mesmo contra a vontade de muitos. Por isso, independente do que aprenderam aqui, quero que vocês gritem de uma só vez: "We Made It!"
Todos: "We Made It!"

KRS-One & Buckshot - Survival Skills
01. Survival Skills
02. Robot
03. The Way I Live
04. Clean Up Crew
05. Oh Really
06. Connection
07. Runnin Away
08. Think Of The Things
09. One Shot
10. Amazin
11. Hear No Evil
12. Murder 1
13. We Made It
14. Past Present Future

Vídeo da faixa "Robot":

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Comunicados

Bom, como vocês podem perceber, agora o Boom Bap tem uma arte, um logo, enfim, uma identidade visual. O trabalho foi criado pelo Noise D, conhecido de vocês pela atuação dele no Bocada Forte / Central Hip Hop há alguns bons anos. Pois bem, o cara, além de escrever colunas, editar o conteúdo do site e eventualmente fazer matérias, também trabalha com trabalhos publicitários e tal, e provou o talento dele criando o logo do blog. Quem quiser saber mais sobre este lado profissional do Noise, pode acessar o portfólio dele aqui e aqui.

O segundo comunicado diz respeito à falta de links para download no blog. Esta é uma decisão que eu venho amadurecendo já há um bom tempo, devido à marcação cerrada que o blogspot está fazendo com quem posta conteúdo ilegal. Eles simplesmente deletam todo o post, sem qualquer aviso prévio. Já chegaram até a deletar posts do blog que continham apenas alguma tradução e o download de uma faixa. E este é um problema que não aflige só o Boom Bap, e sim uma infinidade de blogs.

Por isso, acho melhor evitar colocar links que digam respeito a artistas mais reconhecidos - se tivesse colocado o Blueprint 3 para download, o post não duraria 24h. Quando a postagem for a respeito de alguém que não esteja no radar da indústria musical, é provável que o link esteja disponível. De qualquer forma, peço que vocês mesmos compartilhem links dentro da seção de comentários, já que acredito que esta possa ser uma boa maneira de burlar este Big Brother Blog.

Além disso, talvez eu esteja enganado, mas grande parte dos visitantes do Boom Bap vem até aqui em busca dos textos, e não do link para download. E o objetivo deste blog não é simplesmente despejar quilos de mp3 ou ter exclusividade, até porque é impossível um site brasileiro dar em primeira mão um álbum muito aguardado. Todo disco postado no blog saiu primeiro em algum site gringo, isso é inegável. Além do mais, existem outros blogs brasileiros que se dedicam de forma muito mais qualificada neste trabalho de disponibilizar links: o Só Pedrada Musical, o Soumzaun e o Under Spot são dois dos principais - este último tem até uploads próprios.

Esta mudança também diz respeito a uma ideia que tenho de procurar trazer mais credibilidade para o blog, uma aproximação maior com artistas e, consequentemente, mais informação. Isso faz parte também da ideia de pagar um domínio .com para o Boom Bap, de mudar o layout, de confeccionar uma camisa do blog etc. Vamos ver se eu consigo completar estes objetivos - para isso vou precisar também de vocês, não me larguem!

Só para deixar mais claro, todo e qualquer disco postado aqui no blog foi baixado da internet - exceção para os discos nacionais. Portanto, se estiver no Boom Bap, é porque está disponível para download na rede. Além do Só Pedrada Musical, do Soumzaun e do Under Spot, o Hip Hop Bootleggers é bastante recomendado, geralmente é onde um trabalho novo vaza primeiro.

Bom, é isso. Espero que vocês entendam as escolhas do blog. Caso haja um clamor realmente forte pela volta dos links, a gente tenta entrar em um (improvável) acordo.

sábado, 12 de setembro de 2009

Q-Tip: Kamaal The Abstract

Ano: 2009
Gravadora: Battery Records
Produtor: Q-Tip (todas as faixas).
Participações: Gary Thomas (faixa 2), Kurt Rosenwinkel (2), Kenny Garrett (7).

Gravado há quase uma década atrás, "Kamaal The Abstract" é mais um integrante do clube de álbuns que foram para a gaveta e ainda assim exercem uma certa mística em fãs sedentos por boa música. Idealizado por Q-Tip logo após sua estreia solo, "Amplified", o disco tinha o nome original de "Abstractions", mas não viu a luz do dia porque foi considerado pela então gravadora de Tip, Arista, de pouco apelo comercial. Foi necessário o sucesso de "The Renaissance", outro projeto com endereço nos armários de selos multinacionais, para que o originalmente segundo trabalho solo do líder de A Tribe Called Quest chegasse oficialmente às ruas.

Por um lado, a Arista tinha razão em não achar muito apelo comercial no disco. Por outro prisma, porém, é notório que capacidade de vender não significa boa música - e o sem-número de artistas da cena alternativa é um bom indicativo disso. "Kamaal The Abstract" é exatamente o que o título sugere: uma abstração de Q-Tip, que mostra mais uma vez sua intimidade com a produção. Depois de inovar com o jazz-rap do ATCQ, ele criou um álbum esparso, que flui quase que imperceptivelmente, apostando bastante na instrumentação - toda conduzida pelo próprio cara, só para registrar.

A direção que Tip dá ao álbum mostra duas outras facetas daquele conhecido originalmente como rapper. A primeira, de instrumentista, certamente pega muitos fãs de surpresa e mostra que Kamaal tem uma relevância na cena muito maior do que parece. O outro lado é o de cantor, o que digamos que não seja exatamente o ponto forte de Tip, mas que acaba servindo perfeitamente ao propósito do disco. Estes dois ingredientes alcançam o mesmo nível de proeminência das rimas, apenas eventuais neste disco.

O resultado de toda essa abordagem são faixas cheias de suíngue, com longos solos instrumentais e uma levada jazzy bastante influente na construção das batidas. A extensa "Do U Dig U?" é talvez o melhor exemplo, com participação dos instrumentistas Gary Thomas e Kurt Rosenwinkel provendo o background para a cantoria arrastada de Tip. As coisas ficam mais agitadas e dançantes em "Barely in Love", possivelmente a melhor performance vocal do disco, com percussões latinas dando o ritmo da faixa, que ainda conta com um solo de guitarra. "Abstractisms" é a parte mais rap do trabalho, com Tip cuspindo dois versos sobre o sax de Kenny Garrett.

Com tanta atenção à musicalidade, as letras acabam não sendo o carro-chefe do álbum. Ainda assim, Kamaal tem tempo para contar as agruras de uma jovem mãe para sobreviver e dar um bom futuro para a filha: "Ela trabalha no Mc Donald's das 9h às 17h, no Wall Mart das 18h às 22h / economizando o que pode para a escola, sua garota está indo bem". A temática, inclusive, parece ligeiramente voltada para o sexo feminino, algo recorrente em Q-Tip desde os tempos de Bonita Applebum. "Barely in Love", por exemplo, é um conto ao estilo Bonnie & Clyde.

No fim das contas, "Kamaal The Abstract" é um álbum que nem deve ser classificado no gênero rap. Soa mais como uma espécie de hip hop progressivo, uma confluência entre o ritmo e a poesia das ruas com a elegância do jazz, numa nova classificação. A ousadia de Tip em misturar tantas referências de uma forma não clichê acaba enriquecendo bastante o resultado, e deixando um legado a ser explorado para os novos arquitetos da música negra. Talvez este disco seja apenas um primeiro passo, um teste de laboratório para algo ainda maior sendo preparado nos confins dos guetos americanos. Mais uma cortesia de Jonathan Davis a.k.a. Kamaal.

Q-Tip - Kamaal The Abstract
1. Feelin'
2. Do U Dig U?
3. A Million Times
4. Blue Girl
5. Barely in Love
6. Heels
7. Abstractionisms
8. Caring
9. Even If It Is So
10. Make it Work [bonus track]

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Pizzol: 16 anos

Ano: 2009
Gravadora: 360 Graus Records
Produtor: DJ Caíque (todas as faixas)
Participações: Doncesão (faixas 2, 12 e 13), Dr. Caligari (9), Roko (9), Nocivo Shomon (9), Ogi (9), Jeffe(12 e 13), DJ Caíque (12).

O que você fazia aos 16 anos? Bom, eu estava no segundo ano do ensino médio, vivia matando aula, jogava basquete, dormia a tarde inteira, já sabia que queria estudar jornalismo e já tinha começado a conhecer um pouco o mundo do rap. Já o paulista Pizzol, nesta mesma idade, foi além: ele gravou um disco inteiro. Com a ajuda dos parceiros da 360 Graus Records - o álbum é todo produzido por DJ Caíque e tem participações de nomes como Don Cesão, Ogi, Jeffe e Nocivo Shomon - "16 anos" chegou às ruas no último sábado e mostrou que o rap pode ficar tranquilo quanto às próximas gerações: há vida inteligente, não só entre os jovens apreciadores de rap, mas também entre os adolescentes.

Apadrinhado por Doncesão e apresentado posteriormente a Caíque, Pizzol impressionou a todos por uma levada incomum entre emcees de qualquer idade, ainda mais de alguém com então 15 anos. Esta mesma surpresa toma o ouvinte de assalto logo na primeira faixa do álbum. O flow rápido e rasteiro revela um jovem que parece viver um sonho e não quer acordar nem desperdiçar a chance: a impressão é que Pizzol fechou os olhos, colocou o fone e cuspiu da melhor forma possível as letras já decoradas na cabeça. Essa urgência na cadência pega qualquer desavisado que esteja escutando o disco pelo pescoço.

E a atenção adquirida à força não se perde mais quando passa-se a prestar atenção nas rimas de Pizzol. O moleque pode ter 16 anos, mas mostra uma maturidade interessante, tratando de temas relevantes e contando histórias como se fosse um ancião. Em vez das previsíveis - e compreensíveis - odes a garotas e festas, estórias de redenção em "O destino", na qual ele conta a história de um viciado humilhado pelas pessoas; crônicas da cidade cinza na ótima "O Viajante", cujo protagonista é um homem fugindo da guerra diária, apresentado por Pizzol e interpretado por Dr. Caligari, além de participação espetacular de Ogi; e até divagações, como em "Decreto soberano", uma carta otimista e ao mesmo tempo contundente para as pessoas, ou "Paraíso incomum", a ideia pessoal do menino sobre o paraíso.

Conforme cada faixa passa, é notável que Pizzol não é um típico adolescente. Com uma percepção privilegiada da sociedade, ele consegue passar pelos vários temas que propõe sem soar infantil e, mais importante, forçado. Num rap nacional ainda preso às amarras do protesto social, não seria difícil imaginar um clone infantil dos Racionais. Felizmente, Pizzol consegue equilibrar-se no meio da balança. Não trata de assuntos que não domina, nem rende-se totalmente aos desejos juvenis. Enquanto seus contemporâneos se preocupam com roupas e baladas, ele "Vive a Voar":

"Eu vou vivendo sonhando, voando alto no sonho,
amor que não tem tamanho, minha razão de viver
Preciosidade, conforto, estabeleço, reconheço o errado e nos acertos esclareço
sigo sempre intenso, as trevas hoje esqueço, um dia prevaleço, retiro o falso peso
enaltecendo sempre essa nossa pura essência, muitos se cansaram, era apenas displicência
mas agora sinto, é a pura realeza, que sempre eleva, nos enchendo de proeza
como um sonho interminável, rumo à esperança, alcançar o inalcançável
eu sigo competente, nesse plano inacabado, onde a minha gente só provou o que é provado
mas sou afortunado, divina fortuna, a mesma que situa é intensa como a rua
que sempre me cura, não sinto mais ternura, voo ao encanto, busco a maior altura"

Atrás das cortinas, possibilitando que Pizzol exponha seu talento, DJ Caíque também merece ser lembrado. Ciente da capacidade do moleque, o produtor recorre a beats mais minimalistas, dando espaço suficiente para os versos do emcee. De qualquer forma, a característica de misturar diferentes referências musicais na confeccção dos instrumentais continua intacta. Desde a levada roqueira de "Satisfação" - e é bom destacar também o verso espetacular de Doncesão, usando e abusando da assonância - até o dub viajante de "Capitão Dan na Galacta Vialaxia", Caíque consegue lidar com estas várias influências sem perder a consistência. A química com as letras de Pizzol também é evidente: a sombria "O viajante" ganha strings dramáticas e vocais soturnos; a sonhadora "Paraíso incomum" traz toques de violão, samples atmosféricos e um loop marcante; a bem humorada "Vivo a voar" mostra suíngue e uma melodia que casa perfeitamente com o ótimo refrão de Jeffe.

Quando a faixa homônima fecha "16 anos" contando a vida e as motivações de Pizzol, já fica claro que o moleque nem precisava se "justificar". Só a força das rimas das, adivinhe, 16 faixas do álbum é capaz de convencer qualquer um que o jovem emcee tem um grande caminho pela frente. Obviamente, ainda há espaço para evolução, mas esta é justamente a boa nova do trabalho: se conseguir manter a motivação e o foco, Pizzol tem todas as condições de nos presentear com boa música até, sei lá, seus 50 anos.

Pizzol - 16 anos
01. Intro
02. Satisfação
03. Para quem não se conformou
04. Decreto soberano (Acima da lei)
05. Seu resgate
06. Lá fora
07. Paraíso incomum
08. O destino
09. O viajante
10. Comigo mesmo
11. Alerta
12. Capitão Dan na Galacta Vialaxia
13. Vivo a voar
14. Canto da esperança
15. Aqui não vou ficar (a luz)
16. 16 anos

Contatos para adquirir o álbum:
lucaspizzol16@gmail.com ou lucas_bizon@hotmail.com

Lojas onde comprar:
Sigilo Skate Shop, Boom Bap Shop, Charm's Discos, Porte Ilegal - todas na Galeria 24 de maio

Vídeo da faixa "Paraíso incomum":

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bgame: Concurso de Remixes

Ótima iniciativa do Bgame, confira:

Depois de ter lançado seu primeiro disco, intitulado ‘Antes do Solo’, no início do ano, Bgame, junto com a Produtora Laranja Bronx, a radio 457 FM de POA e os blogs Boom Bap,Radar Urbano e DOC Recordz, promove o concurso de remixes do seu single ‘Bem Vindo a Barra Mansa’. Como vai funcionar? É fácil, o beatmaker participante envia seu beat, que vai concorrer a um premio: um layout de myspace personalizado feito pelo designer Thiago, da produtora Laranja Bronx, um kit da Laranja Bronx e Bgame, com uma camisa da linha de roupas da produtora, e um CD ‘Antes do Solo’. Finalizando, o remix ganhador entrará como faixa bônus do próximo disco do emcee. Os jurados vão ser o produtor e emcee curitibano Cabes, a paulista Playmobeats, o próprio Bgame e o emcee de Volta Redonda Mart de Vr.

Regras:

1- O remix deve ser feito com um beat inédito, o que se entende por inédito? O beat que não saiu ainda gravado por alguém ou em nenhuma coletânea;

2- O Campeonato vai ter 3 fases, a primeira vai ser uma triagem feita pelos 4 jurados, da onde sairão 5 finalistas, que serão votados no blog da DOC, para em seguida passarem para a grande final que só terá 3 concorrentes, o campeão será escolhido pelo júri;.


As inscrições estão abertas a partir de hoje, dia 07/09/09. Envie seu remix para o email brunobgame@hotmail.com até o dia 27/09/09, após a etapa de triagem os 5 semi-finalistas serão votados no blog da DOC no dia 28/09/09. Os três finalistas serão conhecidos no dia 30/09/09, e o grande campeão, no dia 01/10/09.

Ta esperando o quê? Vai perder essa oportunidade? Let’s diggin!

Baixe a acappela da faixa aqui

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Raekwon: Only Built 4 Cuban Linx...Pt II

Ano: 2009
Gravadora: EMI / Icewater Records
Produtores: BT (faixas 1 e 9), J Dilla (2, 14 e 16), Pete Rock (3), Marley Marl (4), ATL (5), RZA (6 e 8), Necro (7), The Alchemist (11), Scram Jones (12 e 22), Icewater (13, 15 e 17), Dr. Dre (18 e 20), Allah Justice (19), Allah Mathematics (21).
Participações: Popa Wu (faixa 1), Inspectah Deck (2, 6, 21 e 22), Ghostface Killah (2, 5, 7, 8, 9, 16 e 21), Method Man (2 e 8), GZA (2 e 19), Suga Bang Bang (5 e 21), RZA (6), Tash Mahogany (6), Jadakiss (12), Styles P (12), Beanie Sigel (15), Blue Raspberry (15), Cappadonna (16), Lyfe Jennings (18), Slick Rick (19), Masta Killa (19 e 21), Busta Rhymes (20).

Depois de cinco anos, brigas internas, adiamentos, questionamentos, desistências, reformulações e todo o tipo de obstáculo possível, eis que o tão aguardado "Only Built 4 Cuban Linx...Pt II" chega aos ouvidos do mundo. Sequência do clássico de mesmo nome lançado nos tempos áureos do Wu-Tang, o disco é concebido já com a monstruosa responsabilidade de fazer jus ao nome e a toda ansiedade que gerou nos fãs de rap. De 1995 até 2009, milhares de coisas mudaram, principalmente neste tão controverso e dinâmico gênero. Como essa mudança influenciou Raekwon e seus parceiros durante a gravação do álbum?

Infelizmente, não é exagero dizer que o Wu não mantém sua tradição de grandes álbuns há uns dez anos. Os desentendimentos acerca de "8 Diagrams" deterioraram ainda mais a imagem do grupo perante os fãs. O próprio Raekwon já parecia desacreditado depois de tantas promessas sobre OB4CL2, que já havia caído no limbo daqueles discos místicos prometidos há séculos, junto com "Detox", por exemplo. E, neste cenário tão pessimista, tão desencorajador, eis que Rae faz algo maior do que talvez ele mesmo imaginava: além de ressurgir com um trabalho excelente, recoloca o Wu numa rota razoável e prova que, sim, é possível manter-se fiel a seus fãs e não soar datado.

Conceitualmente, existem algumas diferenças entre a obra prima original e este sucessor. Em 96, Rae era um cara faminto, ávido por mostrar seu valor como artista solo e na metade do caminho rumo a três décadas de vida. Como consequência, seu flow é agressivo, urgente, como se não quisesse perder tempo. Além disso, ele estruturou todo o álbum com base numa espécie de roteiro, no qual ele era o protagonista. Pois alguns fatores mudaram na versão 2009: Rae sonha mais cerebral, mais contemplativo; frequentemente, muda o foco da sua câmera lírica para os personagens da sua quebrada. Afinal, agora ele é um emcee consagrado, com 39 anos - não faria sentido ainda ser o mafioso das suas letras.

Mas se há alguma coisa que ainda continua intacta, é a capacidade de Rae contar boas histórias, de preferência relacionada ao submundo do crime e das drogas. Encare as letras do membro mais obeso do Wu como um bom filme policial, e sério candidato ao Oscar de melhor roteiro. Em alguns momentos, as rimas são tão visuais que é facílimo imaginar a cena. E não é só o conteúdo que é impecável. A forma como Rae estrutura seus versos é elogiável: esqueça o básico modus operandi de rimar as últimas palavras de cada verso; nas histórias construídas apenas para os Cuban Linx, as rimas são internas, surgem três linhas depois, dialogam entre si numa só linha etc. E este tipo de quebra com o padrão, esta forma "móvel" de escrita casa perfeitamente com o storytelling exposto em cada faixa.

Claro, a temática pode soar unidimensional, e de fato é. Porém, entre tantas histórias de crime, sangue e assassinatos, há espaço para entendermos um pouco quem é de fato Shallah Raekwon. "Ason Jones" é uma homenagem emocionante para o falecido Ol' Dirty Bastard, uma descrição detalhada de ODB sob a ótica de Rae, quase de uma forma reverente e mostrando, nas entrelinhas, as principais lições de Ason: "manter-se real", algo que seu parceiro mais novo aprendeu perfeitamente. Nota-se também que, se há 14 anos atrás, a postura era de um jovem criminoso pronto para tomar seu bairro de assalto, agora a atitude é outra: a reflexão perante as condições do gueto, a preocupação em alertar os mais jovens, algo que fica visível em faixas como "Cold Outside" e "Have Mercy". Indo mais fundo, Rae mostra, talvez inconscientemente, como nada mudou em todos esses anos, apenas os atores.

E se liricamente o trabalho atinge o objetivo de ser uma sequência, musicalmente a tarefa não foi tão fácil. Para começar, a divisão de tarefas: sai o monopólio de RZA e entram J-Dilla, Pete Rock, Dr. Dre e outros beatmakers menos conhecidos. Entretanto, a proposta continua sendo o batidão turvo que consagrou o Wu. Com um número relativamente alto de faixas e produtores, fica meio óbvio que aquela coesão de trilha sonora cinematográfica do OB4CL original não seria reeditada. Saem as strings sinistras e pianos atmosféricos, e entra uma plétora de estilos e samples. Mas não se preocupe, as pancadas continuam lá, só não dialogam tanto umas com as outras.

A linha de baixo militar de "House of Flying Daggers" abre o disco dando uma prévia do clima, que tem seguimento em "Gihad", "New Wu" e "10 Bricks", e encontra seu ápice na minimalista "We Will Rob You", com direito a Slick Rick parodiando a clássica "We Will Rock You", do Queens, e nos violinos triunfantes de "Kiss The Ring". Existem momentos mais reflexivos, como a ótima "Pyrex Vision", com um sample sensacional, e "Ason Jones", uma criação de Dilla que mais remete às faixas soul típicas de Ghostface Killah, com um sample vocal vindo de algum disco soul obscuro e orquestra da mesma origem.

São tantas nuances ao longo do disco que fica difícil falar de tudo. Não se pode esquecer que Rae emprega o mesmo flow e estrutura utilizados em "CREAM" em "Catalina", um beat apenas regular de Dr. Dre. Aliás, Dre contribuiu com duas batidas absolutamente genéricas de seu catálogo, o que é uma pena. As participações também não podem ser esquecidas: se Rae tornou-se mais cerebral, o inseparável Ghostface manteve o tom emotivo de antes, deu ótimo contraste e confirmou que R.A.G.U. continua sendo uma das melhores duplas do rap. Menção honrosa também para Beanie Sigel e seu verso em "Have Mercy", escrito como se ele estivesse dentro de uma cela, refletindo sobre como criar seu filho desta maneira, e para Masta Killa em "We Will Rob You", no melhor estilo "Labels" de GZA, mas usando o nome dos generais do Wu.

Quando o primeiro "Only Built 4 Cuban Linx" saiu, eu tinha apenas sete anos e, claro, não conhecia o rap. Uma frustração que tenho é não ter vivido a época em que tantos clássicos foram lançados. Mas, com esta sequência poderosíssima, Raekwon me dá a oportunidade de me redimir um pouco e tentar imaginar como deve ter sido o dia 1º de agosto de 1995. O que eu sei é que, em 1º de setembro de 2009, eu puder viver um pouco os tempos em que o Wu estava no auge e dominava o rap. E, só por isso, OB4CL 2 já vale a pena. Mesmo que, daqui a alguns meses, revele-se não tão completo quanto seu sucessor.

Raekwon - Only Built 4 Cuban Linx... Pt II
01: Return of the Northstar
02: House of Flying Daggers
03: Sonny's Missing
04: Pyrex Vision
05: Cold Outside
06: Black Mozart
07: Gihad
08: New Wu
09: Penitentiary
10: Baggin' Crack
11: Surgical Gloves
12: Broken Safety
13: Canal Street
14: Ason Jones
15: Have Mercy
16: 10 Bricks
17: Fat Lady Sings
18: Catalina
19: We Will Rob You
20: About Me
21: Mean Streets
22: Kiss the Ring

Vídeo de "New Wu":


Vídeo de "House of Flying Daggers":

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Jay-Z: Blueprint 3

Ano: 2009
Gravadora: Roc Nation
Produtores: Kanye West (faixas 1,2,4,9,11,12 e 15), No I.D. (1,23,4 e 9), Al Shux (5), The Inkredibles (6), Swizz Beatz (7), Timbaland (8, 10 e 13), The Neptunes (14).
Participações: Luke Steele (1), Rihanna (4), Kanye West (4 e 12), Alicia Keys (5), Young Jeezy (6), Swizz Beatz (7), Drake (8), J. Cole (9), Kid Cudi (11), Pharell (14), Mr. Hudson (15).

Faltando 11 dias para o lançamento oficial, o terceiro volume de Blueprint chegou à internet. O álbum chega com a missão de manter a tradição de Jay-Z em lançar sucessos comerciais, ratificar a relevância do veterano no jogo e, com alguma sorte, oferecer ainda mais argumentos àqueles que o consideram o melhor rapper vivo. Para isso, Hova recrutou uma constelação do mainstream norte-americano: produções de Kanye West, Swizz Beatz, No I.D. e Timbaland, e participações de Rihanna, Alicia Keys e as novas galinhas de ouro Drake e Kid Cudi. A questão que fica é: será que o mais que provável sucesso com o público encontrará ressonância entre os críticos?

Algumas coisas não mudam em Jay-Z: a competência em emplacar hits para rádios, a confiança exacerbada, a levada imaculada, as tiradas que valem pela música inteira e a capacidade de não variar os temas dos quais trata e mesmo assim abordá-los sempre de forma diferente. E "Blueprint 3" não é exceção. Aliás, confirma todas estas características, e ainda mostra um elemento cada vez mais crescente na carreira de Hova: a controvérsia, tão intrínseca aos grandes nomes do rap.

Assim, a esperteza que Jay mostrou ao detectar a crescente insatisfação dos fãs de rap com o autotune e lançar como single a ótima "Death of Autotune" que o faz não ter pudores em apelar para sonoridades e artistas mais comerciais. No fim de tudo, o mesmo instinto "pop" para encher as estações de rádio com faixas como "Run This Town" - em breve tocando em todas as rádios brasileiras - não faz parte da mesma lógica que transformou o autotune em ferramenta obrigatória para se ganhar dinheiro com o rap neste ano? Longe de criticar a postura de Hova. Na verdade, estas pequenas contradições só enriquecem a obra do cara, fomentam a discussão sobre o disco e apontam para novos detalhes que passam despercebidos.

E estes pequenos detalhes são encontrados aos montes neste novo álbum. Jay-Z continua estruturando seu discurso com base na sua posição atual no rap: uma espécie de magnata do gênero, capaz de fazer milhões com uma simples estrofe e de desfrutar estes lucros da maneira mais luxuosa possível. Nada perto do que a maioria dos fãs gostariam de ouvir dele, mas ainda assim verdadeiro e capaz de entreter - basta se despir dos preconceitos e procurar ouvir o álbum sob a ótica do cara.

E se este pequeno esforço é feito, surgem as recompensas. Como sempre, o Sr. Carter mostra um flow sensacional, variando cadência, entonação e pronúncia a seu bel-prazer, às vezes nem respeitando as demandas do beat. Além disso, as punchlines continuam abundantes. Seja a citação ao Brasil em "As Real As It Gets" ("Jay-Z é o equivalente auditivo do braille / é por isso que eles me entendem nas favelas do Brasil") ou o tradicional bragadoccio em "Reminder" ("homens mentem, mulheres mentem, os números não"), Hova mostra inspiração nas letras. "So Ambitious" mostra o agora milionário relembrando os tempos sem esperança de infância; "Off That" traz o quarentão rimando como um jovem de 20 anos ao mesmo tempo em que constata os novos tempos que vivenciamos; "A Star Is Born" recupera a palavra de ordem de que o gueto é onde as lendas nascem, enquanto Jay homenageia vários nomes do mainstream; por fim, "Venus vs Mars" é uma comparação entre Hova e sua amada Beyoncé com base em várias referências pop.

Aliás, é nesta última que emerge uma faceta do rapper. Ao rimar que "Pensei que a mina era a verdade, mas descobri que era uma traidora / nós deveríamos tomar tudo de assalto, mas a peguei ouvindo 'Ether'", Jay se revela um cara maduro o suficiente para lidar com sua condição e até brincar com seus momentos mais delicados na carreira, com sutileza suficiente para não perder a sempre necessária capa da invulnerabilidade que qualquer emcee que se preza ostenta. Ao mesmo tempo, ele acha tempo para debochar dos supostos invejosos que insistem em diminuir os feitos de Hova, com um flow muito próximo da perfeição em "Hate".

Mas nem tudo são flores. A direção claramente comercial das batidas escolhidas naturalmente custaria alguns pontos ao álbum. Algumas faixas construídas claramente para terem como destino as boates do mundo funcionam bem, como "Run This Town" e o bom refrão de Rihanna, a levada frenética de "Off That", a ópera eletrônica de "Reminder" ou a balada oitentista "Young Forever", mas é questionável se a maioria delas resistirá ao teste do tempo. Por outro lado, outras sequer passarão pelo teste individual deste escriba, que consistiu de dez audições completas: neste caso, "On To The Next One", do terrível Swizz Beatz, e "Already Home".

Talvez fosse bom que a produção tivesse um pouco mais do estilo "Death of Autotune" e um pouco menos de projetos de hits. Mas, analisando a trajetória de Jay e sua posição atual, é até compreensível. "Blueprint 3" pode não ser o clássico que muitos esperavam, mas também não é o lixo desprezível que outros muitos podem considerar mesmo sem ouvir o trabalho. E os méritos são todos deste rapper autoconfiante, com suas letras arrogantes e um carisma irresístivel. O último argumento é simples: poucos teriam espaço num blog chamado Boom Bap com um disco que passa longe do bom e velho estilo nova-iorquino.

Jay-Z - Blueprint 3
1. What We Talkin’ About
2. Thank You
3. D.O.A. (Death of Auto-Tune)
4. Run This Town
5. Empire State of Mind
6. Real as It Gets
7. On to the Next One
8. Off That
9. A Star Is Born
10. Venus vs. Mars
11. Already Home
12. Hate
13. Reminder
14. So Ambitious
15. Young Forever

Confira a tradução de "Empire State of Mind" no Rapevolusom
Veja a tradução de "Reminder" no Rapevolusom
Leia a tradução de "Death of Autotune" no Boom Bap

Vídeo da faixa "Death of Autotune":


Vídeo da faixa "Run This Town":