quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Wu-Tang Clan: Wu-Massacre (singles)

O momento parece ser bom para o Wu-Tang. Depois do ressurgimento em grande estilo de Raekwon com seu "Only Built 4 Cuban Linx II" e os outros álbuns de membros lançados com relativo sucesso no ano passado, o grupo começa 2010 sem diminuir a velocidade. Não bastasse o novo álbum de Inspectah Deck, previsto para março, três generais se reuniram para promover um massacre sonoro: trata-se de "Wu-Massacre", uma colaboração entre Raekwon, Ghostface Killah e Method Man, um resquício da antiga ideia dos dois primeiros em fazer um projeto contrastando com a produção de "8 Diagrams", no já longínquo 2008.

A princípio, "Wu-Massacre" será lançado em 30 de março e contará com produções de RZA, Mathematics e Scram Jones, além de outros nomes menos conhecidos. A internet, claro, já entrou em polvorosa, principalmente depois que duas supostas faixas do projeto vazaram. Mas, a julgar pelo que se viu agora, é bom manter os pés no chão por enquanto.

"Meth vs Chef Part 2" segue a tendência de sequências que começou com "Blackout 2" e teve seu ápice em "Only Built 4 Cuban Linx II", coincidentemente ou não os dois últimos projetos dos emcees envolvidos na faixa. Neste caso, o single é uma continuação da faixa de mesmo nome encontrada no primeiro disco de Method Man, "Tical", e consiste basicamente em Raekwon e Meth batalhando como se estivessem numa rinha. Somos brindados, portanto, com altas doses de bragadoccio e punchlines, mas o mais importante foi ver um Raekwon bem mais "enérgico" que nas recentes aparições. O beat, cortesia de Mathematics, é correto no sentido de server apenas como background para os rappers brilharem, mas não se pode deixar de notar a virada de bateria espetacular.

E, se o instrumental de "Meth vs Chef Part 2" é bem low-key, o de "Our Dreams" é exatamente o oposto. Produzido por RZA, mas em nada parecido com o que estamos acostumados de ver do Abbott, o beat sampleia de forma ostensiva o antigo hit "We Almost There", de Michael Jackson, fato que foi recebido com críticas lá fora. Particularmente, eu vejo mais como a forma do Wu homenagear Jacko. Ok, a batida não é a melhor de todos os tempos, mas soa como um tributo decente para o Rei do Pop, com os pequenos toques adicionais de RZA. Mais importante que esta discussão é perceber como Meth, Rae e Ghost deixam de lado o battle rap para trazer uma mensagem mais positiva, algo não tão comum nos últimos tempos no Wu. Chega até a ser engraçado o durão Ghost falar sobre ser feliz com a esposa e se referir aos amigos do Wu como irmãos de alma.

No fim das contas, ambas as faixas são consistentes, mas nenhuma ainda corresponde completamente à expectativa do álbum, sempre bem alta. "Our Dreams" tem um potencial radiofônico razoável, mas parece mais como uma faixa que pode ser tanto adorada quanto rejeitada com a mesma intensidade. O jeito é esperar pelos próximos capítulos do Wu e torcer para que o nível das outras faixas seja parecido com o da capa do projeto. Essa sim sensacional.

Making of do vídeo de "Our Dreams":

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Projota: Pelo Amor

E os singles nacionais continuam a pipocar pela rede. Detsa vez, mais uma oferenda proveniente da Na Humilde Crew; depois da ótima "E Se", do MC Rashid, é a vez do seu amigo Projota lançar "Pelo Amor" e manter o nível elevado neste início de 2010 em terra brasilis. Além disso, a nova faixa serve como um aperitivo para a mixtape que o emcee paulista planeja lançar em agosto, intitulada "Projeção".

O interessante é que "Pelo Amor" mostra como os amigos Emicida, Rashid e Projota abordam a arte de fazer rap de uma maneira bem parecida, mas ainda conservando suas características individuais. É a tal capacidade que eu havia sinalizado no texto sobre a mix do Emicida, de conseguir linkar na temática e na atitude a velha escola do rap, com sua atenção voltada para a favela, e a nova escola, com novas opções e menor tendência para a violência nas rimas. Na nova faixa de Projota, isso fica claro: os versos são do emcee para o seu povo, tocando em questões como consumismo, preconceito, ascensão social. Tudo com a ajuda de DJ Caíque, que continua numa regularidade impressionante e provê Projota com mais um ótimo beat. As caixas são novamente pesadas, e aquele pequeno sample vocal que aparece esporadicamente dá um tom meio que religioso que casa perfeitamente com o refrão do single.

A diferença é que Projota domina tanto a mensagem quanto a forma de passá-la. Os dois primeiros versos do single mostram isso perfeitamente: "Quem é Pereira da Silva não tem que querer ser Albuquerque / vivo entre baque, os back, os click, os clak choca os pé de breque". Uma punchline, um travalíngua e, tenho certeza, você captou rapidinho a mensagem, mesmo tendo de voltar dez vezes para entender exatamente o que o emcee disse. Na verdade, "Pelo Amor" é repleta de frases de efeito e jogos de palavra, que só realçam o poder da mensagem que Projota propaga - a saber: uma espécie de chamamento do povo à "guerra", numa luta pela vitória, por uma vida melhor. E o rapper constroi este discurso mexendo com as motivações destas pessoas, falando, por exemplo, dos percalços com as "window shopper" e a "cartilha de perdedor".

Baixe aqui o single "Pelo Amor"

Bom, esta é a minha interpretação de "Pelo Amor". Mas que tal saber um pouco sobre a criatura com o próprio criador? Confiram um rápido bate-papo com o Projota:

Boom Bap: Eu tenho uma interpretação da mensagem que você passou com essa música, mas queria que você falasse por si. O que você quis passar para as pessoas com "Pelo Amor"?
Projota: Eu tenho uma parada, mano, que raras são as vezes que sento pra escrever com um tema ja pré estabelecido. Então, eu simplesmente vomito os pensamentos! Nos últimos tempos tenho escrito as letras de acordo com as batidas que produzo ou recebo. Eu trouxe a batida do Caíque pra casa e , quando sentei pra escrever, foram esses pensamentos que surgiram!
Começa como um desenho na mente, saca? Visualizei uma parada de exército mesmo, exército de trapos, liga? Algo inclusive que já me leva pro caminho que pensamos pro clipe do som.

Respondendo mais diretamente à pergunta: eu começo, na real, com um desabafo mais pessoal. É o grito de "Pelamor" MEU PRÓPRIO. Sobre pessoas que querem dividir sempre, causar intrigas, principalmente na cena do rap; e dali eu parto pra esse caminho mesmo; tentar mostrar o quanto toda a forma de DESUNIÃO é uma arma contra nós mesmos. É um rap que fala de união. Acho que unidos nem seria necessário se criar uma guerra. Não haveria exército que enfrentaria o povo realmente unido, o simples fato de estarmos juntos nos daria vitória, saca? Acredito que o rap e o Hip-Hop são uma prova viva disso. Por isso esse rap! Tento, através dele, continuar algo que muitos vêm fazendo. Essa é a intenção do rap: uma CONVOCAÇÃO!

BB: Como foi esse encontro com o DJ Caíque? Como vocês construíram juntos a música?
Porra, o Caíque é foda, mano! Foi um cara que me convidou pra participar da mixtape dele, a gente nunca tinha se visto pessoalmente, e eu aceitei. A gente construiu essa musica com sintonia, mano. A gente tem gosto muito parecido pra produção musical. Minhas rimas prezam o sentimento e o respeito à melodia; as batidas dele prezam a EXISTÊNCIA DE MELODIA e o sentimento nessa melodia. Casamento musical perfeito! Ouvi a batida na casa dele, trouxe pra casa, escrevi no dia seguinte e já avisei: "Meu rap mais foda tá pronto, e eu vou gravar aí, vai pra mixtape e nós vamos soltar ele agora no início do ano já como single. O resto é trabalho (risos).

BB: Você falou sobre o clipe do single. Fale um pouco sobre a ideia. Já está a caminho?
Isso é impossível, porque ainda não fechamos com ninguém que venha a produzir mesmo. Temos a ideia e, agora com a música na rua, vamos ver a melhor forma de ser feito. Mas o roteiro tá todo na minha cabeça ja!

BB: E como é o roteiro?
Essa parte vamos deixar no sigilo mesmo, mas existe uma GRANDE probabilidade dessa musica ser a fonte do meu primeiro clipe.

BB: Mas lá em cima você deu a dica que tem esse clima de exército...
Mais ou menos isso. Sem ser clichê, sem ser óbvio, de uma forma original. É mais pro lado do que eu trato na letra mesmo.

BB: O single é uma convocação. A gente pode esperar que na mixtape tenhamos desdobramentos desta convocação ou vai ser algo mais diversificado, sem ficar tão preso a estas questões que você levantou nesta faixa?
Eu sou meio doido nessas paradas. A mixtape é "Projeção". Sinceramente ainda não desenhei nada na mente, porque apenas começamos as composições. Mas meu EP "Carta aos Meus" conta uma história, eu tenho na cabeça um filme inteiro pro EP, como o o do álbum "The Wall", do Pink Floyd. Talvez a mix tenha um desenho, não com relação à convocação, mas com relação a essa "Projeção".

BB: E o que seria essa projeção então?
Eu trabalho com metas, e acredito que esse ano marque a real projeção da minha carreira. A projeção do meu nome na cena. Deixar de ser uma promessa, saca? Acredito que essa mixtape será a forma de adquirir essa real projeção. Muita gente já se deu conta de que não somos mais promessas, isso posso dizer sobre mim, Rashid, entre outros caras que começaram com a gente.
Mas a mixtape vai ser como o cartão de entrada.

BB: Eu percebo um denominador comum no estilo de rap que você, o Emicida e o Rashid fazem. Vocês são uma "nova escola", mas nao deixam de falar da favela, embora de uma forma diferente da "velha escola". Você concorda com isso?
Eu não somente concordo como digo que, ao menos por minha parte, é algo pensado. Não forçado, mas sim pensado. Comecei a fazer rap ouvindo essa velha escola e [nas] minhas letras, no início, a maior influência que tinha era Helião! Depois, quando conhecemos akela nova safra, de Slim, Kamau, Max BO, Marechal, acho que parti pra um outro rumo. Esqueci um pouco aquela origem. E, já há alguns anos, um dia eu realmente tive essa conversa comigo mesmo, e percebi que tava tudo errado o que eu estava fazendo. E foi quando comecei realmente a encontrar minha originalidade dentro das composições. Consegui misturar todo tipo de influências, acho necessário isso.

Eu tenho uma teoria que é a teoria do Capitão Planeta. Parece besteira, mas não é (risos). No desenho do Capitão Planeta eram cinco jovens que representavam uma força: água, fogo, vento, terra e coração. Quando uniam tudo surgia o Capitão Planeta, saca? Então aos poucos eu tentei misturar minhas influências. É como se você fosse um Frankenstein: tu pega o que cada um tem de melhor, água, fogo, vento, terra... O coração é a sua vida, sua vivência, sua contribuição própria pra isso. Daí tu faz aquilo que pra VOCÊ é o que tem de melhor numa composição. É o que tentei fazer.

Eu cresci com o Rashid. Aprendemos a fazer rap juntos, a fazer freestyle juntos. É um dos meus melhores amigos. Melhores amigos compartilham opiniões, ideias e ideais. Então nada mais comum do que encontrar semelhanças. [O] Emicida conhecemos depois, e fomos extremamente proximos ali por anos, fazendo MUITOS trabalhos juntos. E se isso aconteceu, se surgiu essa amizade e parceria musical. é exatamente porque eu e o Rashid compartilhávamos também os mesmos ideais e ideias que o Emicida. Daí surgiu a aproximação. Entre tantos MCs que conheci, foi com esses que mais me identifiquei e estabeleci ligações tão fortes.

BB: Cara, me fala um pouco sobre a mixtape. Participações, produtores envolvidos... Em que estágio ela se encontra?
A mixtape vai contar com músicas já antigas que não saíram em nenhum CD, músicas do EP "Carta aos Meus" e principalmente musicas inéditas. Na produção terá bastante coisa minha, do Dj Caique e do Apolo (do grupo Pentágono). O Apolo produziu meu trabalho durante dois anos, então toda música antiga que surgir na mixtape terá assinatura dele, né? Tenho outros nomes de produtores, mas como nada foi fechado mesmo, prefiro deixar no sigilo, pra não criar falsas expectativas. [Quanto a] MCs, por enquanto particpação do Rashid, do Artigo, que trabalhou comigo no meu primeiro grupo de rap, um novo MC aqui da minha quebrada que se chama Phill, e eu acredito muito no moleque, vai ser maneiro isso também. E também provavelmente outras coisas que é melhor a gente segurar. Como eu disse, mal começamos a produzir as inéditas, então todas as participações ainda surgirão.

Penso em torno de 17, 18 faixas, sem ser mixado por DJ. Quero montar o CD em formato de álbum mesmo, acredito que se perde muito da musica quando corta introdução e final. O nome é mixtape, mas muita gente se preocupa tanto com o lance do mix, e entendem que é necessário que as faixas venham mixadas uma na outra, e nem percebem que a palavra mais marcante do termo é o tape, e hoje em dia a gente lança em CD e não em fita.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Freeway & Jake One: The Stimulus Package

Ano: 2010
Gravadora: Rhymesayers
Produtor: Jake One (todas as faixas)
Participações: Beanie Sigel (faixa 1), Raekwon (6), Young Chris (9), Birdman (10), Bun B (11), Latoiya Williams (12), Omilio Sparks (13) e Mr. Porter (13).

Em 2008, o produtor Jake One lançava seu primeiro disco solo, "White Van Music", depois de dezenas de produções para nomes grandes tanto do mainstream quanto do underground norte-americano, como G-Unit, De La Soul, Doom, M.O.P. e Nas. Na mesma época, o rapper Freeway encontrava-se num momento decisivo em sua carreira: prestes a deixar a gravadora Roc-a-Fella e as asas de Jay-Z e sem muita perspectiva para o futuro. Mas, naquele ano, quando as batidas de Jake e as rimas de Free se encontraram em uma das faixas do disco do beatmaker, começava a nascer um dos primeiros bons álbuns de 2010: "The Stimulus Package", colaboração entre os dois artistas.

Explica-se: Jake One convidou Freeway para uma faixa em "White Van Music". "The Truth", que ainda contou com versos de Brother Ali, tornou-se o destaque do disco, ganhou videoclipe e mostrou a química entre os beats de Jake e o flow de Freeway. Depois disso, o então protegido de Hova mudou-se para a Rhymesayers e mergulhou no trabalho de produção de sua primeira aventura fora do mundo de marketing, jabá e holofotes do mainstream. E "Stimulus Package" representa um pouco este encontro em produtor e emcee; um choque entre dois mundos, muitas vezes colocados de forma dicotômica, mas que deveriam ser muito mais próximos.

O interessante neste novo disco é justamente como os dois envolvidos no projeto influenciaram um ao outro. Ora Freeway recebe batidas extremamente sujas para rimar em cima, ora Jake One é desafiado a criar um instrumental totalmente Dirty South para Free compartilhar o microfone com...Birdman! Qual seria o resultado de uma mistura tão inusitada? Não temam, amigos, o resultado, apesar de alguns percalços, ainda é de saldo positivo. Afinal, esta experiência de criar um álbum em dupla, como nos velhos tempos de Pete Rock & CL Smooth, Gangstarr ou nos novos tempos de Blu & Exile, só fez ajudar os dois artistas.

Depois do bom e subestimado - inclusive por este blog - "White Van Music", Jake One finalmente tem a chance de supervisionar a produção de todo um disco. E ele não decepciona; sua receita é simples, mas bastante eficaz. Os beats são invariavelmente pesados, os samples são oriundos das fontes tradicionais, mas, ao se transformarem em um instrumental, funcionam perfeitamente. A candidata a hino "Throw Your Hands Up" mostra Jake brincando com os excertos durante os versos de Free até strings desaguarem no refrão e criarem uma outra camada de som. "Never Gonna Change" utiliza o mesmo truque que Jake empregou na ótima "Rock Co.Kane Flow", do De La Soul, há seis anos: a mudança de velocidade, a quebra na bateria, tudo para casar com o storytelling cinematográfico de Freeway. Mas é o batidão de "One Thing" o ponto alto do álbum e, talvez, o que melhor resume o trabalho de Jake: caixas fortíssimas, samples vocais, simplicidade e eficiência.

Por outro lado, a produção de Jake era o desafio necessário para um rapper acostumado com as fórmulas prontas do mainstream desenvolver seu autoelogiado flow. E a verdade é que Freeway também se saiu muito bem. Ele parece particularmente energizado com os pancadões a que é submetido, como pode ser percebido em faixas como "Throw Your Hands Up" e "One Thing", com a última sendo possivelmente sua melhor performance em todo o disco. Liricamente, o barbudinho também tem seus bons momentos, embora na maioria das vezes faça um trabalho apenas correto. "One Foot In" discute de forma meio autobiográfica a entrada dele na música, quando estava "com um pé na música e outro nas ruas"; "Never Gonna Change" é quase um remake da clássica "Warning", do Biggie - um storytelling sobre caras querendo armar para cima de Freeway; Já "You Know What I Mean" traz o rapper fazendo as vezes de OG, dando conselhos aos mais jovens sobre as armadilhas das ruas. Por fim, "Stimulus Outro" traz algo diferente: Free lendo mensagens de fãs - segundo entrevista dele, 60% da música foi baseada em fatos reais.

Como numa colisão de dois objetos que, depois de chocados, transformam-se um só, Jake One e Freeway conseguiram fazer de "The Stimulus Package" um disco sólido, com uma direção definida e dífícil de ser rotulado. Claro, existem faixas genéricas como o fraco dirty south "Follow My Moves" ou a previsível faixa para as rádios "Freekin' The Beat", mas nada que tire a qualidade final do álbum. Engraçado como o trabalho corrobora a tese de que o mainstream corta as asas dos artistas: depois de três discos apenas medianos, só quando Freeway foi para o subterrâneo que ele conseguiu bons resultados. Bom para o rap underground, que ganha mais um bom emcee para trazer boa música; mais um ponto negativo para o mainstream, que dessa vez falhou ao tentar mutilar um cara talentoso.

Freeway & Jake One - Stimulus Package
1. Stimulus Intro
2. Throw Your Hands Up
3. One Foot In
4. She Makes Me Feel Alright
5. Never Gonna Change
6. One Thing
7. Know What I Mean
8. The Product
9. Microphone Killa
10. Follow My Moves
11. Sho' Nuff
12. Freekin' the Beat
13. Money
14. Free People
15. Stimulus Outro

Vídeo de "You Know What I Mean":

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Tradução: Big L - Devil's Son

Na última segunda-feira, dia 15, completaram-se 11 anos da morte de um dos mais talentosos letristas que o rap já viu: o nova-iorquino Lamont Coleman, mais conhecido como Big L. Poucos caras até hoje demonstraram tanta habilidade e técnica para rimar quanto ele. L fazia cadeias de rimas multissilábicas comos e fosse a coisa mais fácil do mundo - ele fazia isso até em freestyles -, e não sacrificava significado; pelo contrário, algumas de suas punchlines estão entre as mais memoráveis do gênero. Seu disco de estreia, "Lifestylez ov da Poor & Dangerous", de 1995, é um exemplo do virtuosismo de L, mas foi um single anterior ao álbum que fez com que o nativo do Harlem ganhasse reconhecimento no underground dos EUA: "Devil's Son".

A faixa, produzida pelo companheiro de Diggin In The Crates Showbiz, trazia Big L contando para seu beatmaker um sonho que teve, no qual ele era o filho do diabo. A partir daí, ele personifica o herdeiro do coisa-ruim e começa a relatar as atrocidades que cometera de uma forma tão pesada que faria tremer qualquer carola e faria "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones, parecer uma cantiga de ninar. Por trás disso, porém, esconde-se uma metáfora um pouco mais profunda; é como se L falasse diretamente para os rappers que se engalfinhavam para mostrar quem era o mais cruel e durão, como se isso fosse algo para se gabar: "vocês são durões? Pois bem, eu sou o filho do diabo!". Quer coisa mais sinistra que isso? Vendo por outro lado, é mais uma confirmação da atitude "eu não dou a mínima" e do poder lírico do rap, e como ele pode ser muito mais pesado e sombrio que qualquer outro gênero - só é necessário um emcee do quilate de Big L. Ainda assim, talvez o interlúdio no qual L diz que foi um sonho que teve seja uma tentativa de amenizar o discurso, se é que isso era possível.

Há muito tempo, o Boom Bap trouxe uma resenha de "Lifestyles ov da Poor & Dangerous". Hoje vocês ficam com a tradução de "Devil's Son". Divirtam-se!

Big L - Filho do diabo

[Intro]
Aí, Showbiz, eu tive este sonho estranho noite passada. Eu era o filho do diabo, cara, e estava fazendo umas paradas sinistras...

[ Sample : Nas - "Live at the BBQ"]
"Quando eu tinha 12 anos, fui para o inferno por matar Jesus"
"Estou atirando em freiras com armas automáticas"

[ Verso I ]
L é um rebelde, num nível superior, vá pegar uma pá
porque eu sou o filho único da porra do diabo
é fato que estou vivendo no pecado, negro
niggas deveriam saber que eu era doente desde as coisas que eu fazia há um tempo
porque eu não podia parar de ser mau
quando estava na pré-escola, eu bati com um bloco de madeira numa criança até ela morrer
ficava espancando uns viados
eu percebi que toda vez que ficava puto algo ruim acontecia
um maluco me bateu com uma garrafa de cerveja, e depois correu com medo
mais tarde acharam ele pendurado num lustre
eu acabo rápido com os inimigos
minha mãe sabe quem eu sou porque ele sabe com quem ela estava transando
666 no meu crânio, sem truques
quando eu cerro os punhos, minha mãe pega o crucifixo
e eu mato otários pelo mais barato preço
estou andando com Satã, não com Jesus Cristo
eu já acabei com milhares de inimigos
Big L, direto do inferno, o filho do diabo

[ Refrão : Samples ]

[ Verso II ]
Aqui é o Big L, e meu interesse é ganhar dinheiro
eu sou um vilão de pedra conhecido por matar e estuprar freiras
aí, eu mato até vadias aleijadas e coxas
olhe para a minha cabeça bem de perto e você vai ver triplos seis
não há nenhuma dúvida de que eu só ligo para o dinheiro
eu acabei de assinar um contrato vitalício com uma funerária
esse cara que me devia dinheiro, eu não tirei a vida dele
em vez disso, eu amarrei ele e o fiz me assistir estuprando a mulher dele
um cara poderia tentar me difamar, mas isso é arriscado
ele começou a gingar, mas me errou
então eu comecei a atirar nele
eu cuspi na porra do rosto dele e saí andando
uma vez uma garota atirou em mim
eu morri, mas voltei à vida em outro corpo
a maneira como eu vivo é muito errada
eu sou um demônio do inferno sem o rabo ou os chifres vermelhos
matar é divertido, eu sou o número um com uma arma
seja falso e eu acabo contigo, porque você não pode correr do filho do diabo

[ Refrão ]

[ Verso III ]
O Big L é estritamente tiroteio
eu corro pela igreja e dou coronhadas no padre todo domingo
e depois que eu pego todo o dízimo
eu mando caras para matar Tone, sua mãe e sua filha
eu sobrevivo com minha imagem de extorsão
eu tenho espreitado Lennox, colecionando mais cadáveres do que clínicas de aborto
um cara tentou acabar com o L
atirou em mim com uma Tech, eu apenas gargalhei e cuspi tudo de volta
depois eu peguei a arma dele, e ele ficou de joelhos
com facilidade eu o fiz congelar, ele me implorou por favor para não atirar
mas eu não sou deste tipo, eu acabei de atirar em um ônibus
gunclap *bang*, outro cara morde a areia
eu não tolero vacilos
comporte-se mal e será mandado para o túmulo pelo filho do diabo

[ Interlúdio ]
É isso aí, Big L, o porra do filho do Diabo, está definitivamente em cena, mandando um salve para todos os assassinos, bandidos, ladrões armados, serial killers, psicóticos, lunáticos, viciados em crack, pacientes mentais, retardados mentais, e um salve especial para todos os manos com AIDS, paz!

[ Samples ]

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Singles Nacionais: Rashid, Thiago El Niño e JPNK

O começo de ano é naturalmente devagar no que diz respeito a lançamentos, tanto nos EUA quanto aqui no Brasil. Entretanto, nas últimas semanas alguns singles nacionais de bastante qualidade apareceram por aqui, cortesia de emcees ainda novos, o que é sempre bom. Neste último post pré-carnaval, o Boom Bap fala um pouco sobre três faixas que chegaram aos nossos ouvidos nesse período do ano que, na verdade, é só um prelúdio para que 2010 realmente comece.

MC Rashid - E Se
O Rashid é de São Paulo e prepara o lançamento do seu primeiro disco, "Hora de Acordar", previsto para 31 de março. Enquanto isso, ele nos brindou com a espetacular "E Se". Produzida pelo curitibano Laudz, a música tem uma das melhores letras dos últimos tempos, com Rashid mostrando uma energia cativante e usando a simples pergunta-título para discorrer sobre diversos assuntos, com ênfase ao rap, o que achei até um certo desperdício. Ainda assim, ele fala sobre vida, sociedade moderna, cultura pop, dá um ligeiro esporro nas pessoas ("para de ficar perguntando 'e se', e faz acontecer!") e, claro, brinca com realidades paralelas, imaginando como seria se figuras importantes tivessem desviado do caminho que tomaram realmente. Seriam os flash-sideways de Lost presentes no rap? Obviamente não, mas é um bom indicativo de como todos nós temos um turbilhão de "e se" na nossa mente. Ponto para Rashid por conseguir explorar algo que está no imaginário de todos e manter a coesão na letra - com certeza ele ainda tem vários "e se" para debater. E se tivermos uma parte 2?

JPNK - Chuva Lava a Alma
Amigos, a 360 Graus não para. O rapper JPNK é mais um membro do time que mais provê rap para os nossos ouvidos. "Chuva Lava a Alma" é o primeiro single do cara, que tem a ajuda de Doncesão nas rimas e de Pizzol e DJ Caíque nos beats. E o resultado é tão consistente quanto qualquer outro single já lançado pela banca. Com um título sugestivo para uma cidade tomada pelas chuvas, JPNK, com um flow diferente, com leve influência ragga, tenta ver o lado bom nisso: não seria a água que cai do céu uma forma de renovar as pessoas e limpar a maldade? Esta é a premissa para as rimas dos emcees. Primeiro, um relato sombrio da cidade, e depois a esperança de uma nova cidade a partir da chuva. Destaque também para a primeira incursão oficial de Pizzol como beatmaker, com uma bela batida, sem muita firula, mas que encaixa perfeitamente no clima dos versos de JPNK.

Thiago El Niño - Salve!
O emcee Thiago El Niño é cria do Sul fluminense e mais uma das boas promessas do rap aqui no Rio de Janeiro. Depois de dois anos sem gravar material novo, ele retorna com "Salve!", produzida por Nel Sentimentum, uma faixa, segundo o próprio Thiago, para agradecer àqueles que estiveram junto com ele neste período de entressafra. Mas este motivo é, na verdade, o fim da história. Antes, Thiago nos conta sua história, seus anseios com a música e seu desejo de ajudar a mudar sua cidade com suas rimas. Todos estes versos sinceros e cativantes culminam no ótimo refrão: "Essa é pra quem tá junto na luta / que acorda todo dia e permanece na disputa". Detalhe para a proposta do cara de fazer rap com banda; não bastasse o beat de Nel, Thiago adicionou percussão, sintetizador e baixo tocados para dar uma estética mais orgânica muito bem-vinda. E, claro, destaque para a belíssima arte do single.

Vídeo de "Chuva Lava a Alma", de JPNK:

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Fred Beats: Auê

Fred Beats é um beatmaker da Bahia, que participou do Concurso de Beats do Boom Bap no ano passado, embora não tenha passado para a fase final. No começo deste ano, o cara lançou um beat tape intitulada "Auê", via internet. Este é o primeiro passo dele para divulgar seu trabalho, uma vez que, até agora, teve apenas contribuições esporádicas com grupos de Salvador.

E o mais legal no projeto dele é que, apesar do objetivo oficial de espalhar seu nome, "Auê" é quase como uma documentação do processo de evolução de Fred. Nos 19 beats que podemos ouvir no trabalho, é possível distinguir influências de diversos ritmos musicais, batidas mais tradicionais, outras mais experimentais etc. É quase como se estivéssemos lá no laboratório do cara, observando ele fazer seus testes, suas viagens, suas misturas, brincando com toda e qualquer possibilidade de fusão que o rap oferece.

Assim, temos clara influência do reggae - inclusive no nome da faixa - em "Burn", do funk, em "Groove Up", picotes à la Premier em "Angústia", homenagem a J-Dilla em "Hey Jay" - aliás, hoje se completam quatro anos da morte do produtor -, kit de bateria do 9th Wonder em "Wushu", experimentos eletrônicos na boa "Game Over", e por aí vai. O que fica claro em "Auê" é realmente este clima de estudo e, posteriormente, a noção da versatilidade de Fred nos beats.

Mas também há um quê de autoral no trabalho do produtor soteropolitano. A faixa de abertura da beat tape, "Ôxe!" acerta em cheio na mistura de ritmos brasileiros - mais especificamente baianos, com o berimbau de capoeira dando as caras - com colagens bem-humoradas explicando que "juntar um ser humano com um bicho-preguiça dá um baiano". "Quase Nada" é outra destas faixas, desta vez mais suingada, mas ainda bebendo na fonte tupiniquim. Curiosamente, a sugestiva "O Estilo Nordeste" não apresenta tantos elementos nacionais na sua construção.

Como um pontapé inicial para Fred entrar de vez na cena nacional, "Auê" serve muito bem ao propósito. Mostra que o beatmaker tem mente aberta e consciência das riquíssimas e inesgotáveis possibilidades de mistura do rap - algo não encontrado em nenhum outro gênero. Mais importante ainda é perceber que o cara sabe que a própria música brasileira pode ser um elemento poderoso nestas fusões que se oferecem ao rap. Um estudo de beatmaking e uma carta de intenções em forma de beat tape: isto é "Auê".

Fred Beats - Auê
1. Ôxe!
2. Segunda Infância
3. Foi um sonho só
4. Quase nada
5. Velha escola - Esporte fino
6. Angústia
7. Falando com Deus - Tell from the Roots
8. Wushu
9. Marrento
10. O estilo Nordeste
11. Liberdade
12. Renascimento
13. Impulso
14. Inimigos
15. Game Over
16. Tell from Kanye
17. Burn
18. Groove Up
19. Hey Jay!

Download da beat tape "Auê"
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Acesse o myspace de Fred Beats

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Statik Selektah: 100 Proof The Hangover

A maioria dos leitores já deve ter ouvido falar em Statik Selektah. O cara, que surgiu a princípio como um protegido do DJ Premier, saiu da sombra do seu mentor e tornou-se um dos produtores mais prolíficos da cena norte-americana. Statik trabalhou com um sem-número de emcees, tanto no underground quanto no mainstream, e já lançou dois álbuns, sempre convidando um time de peso para rimar sobre suas batidas igualmente pesadas. Nas duas oportunidades, foi mais uma coletânea de rappers sobre os beats de Statik do que propriamente um disco. Porém, na sua terceira obra, "100 Proof The Hangover", parece que o beatmaker nova-iorquino acertou a mão, e comprovou de vez sua evolução.

Finalmente, a sensação é de que estamos ouvindo algo direcionado, pensando, e não apenas faixas aleatórias. Statik emprega um clima sombrio que permeia todo o disco, apostando em batidas fortes e a meio tempo, com uma ou outra mudança de direção ao longo do álbum. Para esta missão de retratar as ruas de Nova Iorque, nada melhor do que um apanhado dos mais contundentes representantes do local, desde veteranos, como a dupla Smif-N-Wessun, Kool G Rap, Lil'Fame e Sean Price, até a nova escola - Saigon, Skyzoo e Termanology. Acrescente isto a veteranos e promessas de outros lados dos EUA - Bun B, Wale, Evidence e Fashawn, por exemplo - e você terá um elenco de primeira linha do rap estadunidense, e uma oportunidade de ouro para Statik permitir-se mover seu som para além das fronteiras nova-iorquinas.

De fato, todos os emcees convidados têm grande perfomance. Skyzoo simplesmente domina "Get Out" com um verso tão espetacular quanto a própria batida; Lil'Fame também é responsável por um dos melhores momentos do álbum em "Critically Acclaimed", com rimas espirituosas como: "Se eu te perguntar seu Top 10 de rappers, mortos ou vivos / e você não me mencionar, eu vou escurecer seus olhos" ou "Os caras não vão dar os meus créditos / então aqui vai um monte de palavrões para vocês editarem: vão chupar um pau, suas vadias de merda / vocês estão mexendo com os guerreiros de Brownsville". Mais hardcore do que isso, impossível. Entretanto, é Termanology quem rouba a cena; o jovem emcee é o que mais aparece ao longo do disco e mostra uma forma impecável - particularmente em "Come Around", num show de lirismo e técnica.

Consistência também é a chave para descrever o trabalho do anfitrião Statik Selektah. Embora ele ainda encontre tempo para pancadões ignorantes como a supracitada "Critically Acclaimed", com um loop viciante, ou "Do It 2 Death", "100 Proof The Hangover" é claramente um disco mais sutil do que poderíamos esperar do histórico do produtor. Faixas como "So Close, So Far" e "Come Around" mostram um pouco desta tendência. A primeira tem até refrão cantado, e conta com vocais acelerados e um saxofone aqui e ali para dar um tempero a mais, enquanto a segunda recorre também a samples vocais e saxofones, mas de uma forma muito mais presente no mix. "The Thrill Is Gone" é outro destaque, com seu clima jazz-rap e colagens de Biggie.

Depois de alguns anos ralando para valer, seja com mixtapes ou produzindo para diversos rappers, Statik finalmente parece alcançar sua maturidade artística. "100 Proof The Hangover" é exemplo disto, com um som mais refinado, um estilo melhor definido e algumas das melhores faixas já lançadas em 2010. Sua forma recente de contribuições já mostrava que estaríamos diante de um ótimo álbum, e isto se confirmou. A seguir neste ritmo, Statik vai rapidamente entrar naquela lista de produtores que nunca nos desapontam.

Statik Selektah - 100 Proof The Hangover
1. Inside A Change (Intro)
2. So Close, So Far f. Bun B, Wale & Colin Munroe
3. Critically Acclaimed f. Lil Fame, Saigon & Sean Price
4. Night People f. Freeway, Red Cafe & Masspike Miles
5. Follow We f. Smif-N-Wessun
6. Do It 2 Death f. Lil Fame, Havoc & Kool G Rap
7. Come Around f. Termanology & Royce Da 5′9″
8. Drunken Nights f. Reks, Joe Scudda & J.F.K.
9. Life Is Short f. Consequence
10. The Thrill Is Gone f. Styles P & Talib Kweli
11. Get Out f. Skyzoo, Rapper Pooh, Torae & Lee Wilson
12. Laughin f. Souls Of Mischief
13. The Coast f. Evidence, Fashawn & Kali
14. 100 Proof (Interlude) f. J.F.K.
15. Fake Love (Yes Men) f. Reks, Kali, Termanology & Good Brotha
16. Eighty-Two f. Termanology
17. Walking Away f. Kali & Novel

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Oddisee: Traveling Man

Eu não sou músico, mas, de longe, acho que uma das coisas mais gratificantes nesta vida é a possibilidade de viajar para um sem-número de lugares para fazer aquilo que mais gosta. Este contato com uma multiplicidade de culturas e estilos de vida é algo valiosíssimo para qualquer ser humano. Além disso, é uma ótima oportunidade para a pessoa crescer. Na música, então, é uma grande chance do cara agregar ainda mais valores à sua profissão e, assim, melhorar ainda mais. E o beatmaker Oddisee, um dos ótimos nomes da nova geração de beatmakers norte-americanos, resolveu levar toda esta ideia para o álbum instrumental "Traveling Man".

No disco, são 24 faixas, cada uma delas nomeadas a partir de uma cidade visitada por Oddisee nestes anos de estrada. São lugares chaves do Hip-Hop norte-americano, mas também megalópoles como Paris, Tóquio e Londres. Tem espaço até para São Paulo (!) e a nigeriana Lagos. Mais do que uma lição de geografia, porém, é o conceito por trás da feitura do álbum. Cada beat foi feito por Oddisee quando ele estava no local indicado. E, na maioria esmagadora das vezes, utilizando elementos daquela realidade para construir suas batidas. Uma tarefa que pode até parecer simples, mas fazer isso sem recorrer a clichês e manter o seu estilo próprio é algo bem complexo.

E, falando nisso, abro um parênteses para explicar um pouco das minhas expectativas quando soube deste projeto instrumental. Com o currículo de Oddisee apontando trabalhos como "In The Ruff", do Diamond District - um clássico boom bap em pleno século 21! - e produções para artistas como Talib Kweli, Little Brother, X.O. e yU (os dois últimos também integrantes do DD), o que eu esperava era uma já potencial marca registrada de beats agressivos, rasteiros, com ênfase na força de caixas e bumbos e samples apenas complementando o espectro. Ledo engano. "Traveling Man" é uma aula de versatilidade de Oddisee.

Para isso, basta irmos até faixas como "South Central" e "Atlanta". A primeira vai te levar novamente à época de ouro do G-Funk da Costa Oeste, com direito a vocais metalizados - os ancestrais do Autotune -, sintetizadores e caixas que, ao baterem nos ouvidos, parecem gigantescas. A segunda é a versão de Oddisee para o Dirty South que invadiu os EUA nos últimos anos, com direito aos loops de sintetizadores dominando o esteréo. Porém, a diferença que faz a faixa ser uma versão de Oddisee e não um simples dirty south é o tratamento na bateria, bem mais incisiva, com direito a viradas orgânicas. Se um dia o boom bap nova-iorquino cruzar com o estilo do sul, o resultado poderia ser parecido com o alcançado por nosso ilustre beatmaker.

Quanto às cidades estrangeiras, mais demonstrações de habilidade. "Tokyo" é tranquila, no melhor estilo mellow rap que tanto faz sucesso por aquelas bandas, e tem direito até a instrumentos orientais no mix. A brasileira "Sao Paulo" traz aquele funkão tupiniquim dos anos 70, com muito suíngue e um baixo nervosíssimo, acompanhado de naipe de metais e uma bateria toda quebrada. Mas, em todas estas viagens, parece que foi em "Stockholm", na Suécia, que Oddisee esteve mais inspirado. A batida, depois utilizada por X.O. e que esteve no último Boom Bap Jams, recorre a algumas notas de um piano meio triste e excertos de música clássica para criar um clima frio bastante condizente com o local. Ironia ou não, é uma faixa muito mais parecida com a estética nova-iorquina do que a própria "NYC".

Apesar de todas as viagens, o que fica claro é que Oddisee se sente em casa nos EUA. "Detroit" é outro grande destaque do álbum, com uma bateria seca e samples espetaculares intercalando à medida que os segundos passam. "Houston" traz novamente um clima mais intimista e "DC", a casa do beatmaker, recorre à música Go-Go para pintar um retrato fiel ao local.

No fim das contas - e dos check-ins -, "Traveling Man" é um álbum que, apesar de completamente instrumental, preenche qualquer necessidade do ouvinte. O conceito é simples, mas, ao mesmo tempo, exige conhecimento e bastante pesquisa musical para ser bem executado. Com este disco, Oddisee mostra que não é só um talentoso beatmaker com raízes na época dourada do rap norte-americano; ele prova sua versatilidade e capacidade para trabalhar com qualquer rapper, em qualquer lugar do mundo. Suas viagens não o deixam mentir.

Oddisee - Traveling Man
1. Goodbye DC
2. NYC
3. Paris
4. Miami
5. London
6. Khartoum
7. Sao Paulo
8. Tokyo
9. Brixton
10. Lagos
11. Long Beach
12. Melbourne
13. Boston
14. Atlanta
15. Philly
16. San Fran
17. Stockholm
18. Inglewood
19. South Central
20. Detroit
21. Chicago
22. Las Vegas
23. DC
24. Houston

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Arnaldo Tifu: A Rima Não Para

Ano: 2009
Gravadora: Pau-de-dá-em-doido
Produtores: DJ Nato_PK (todas as faixas, exceto as citadas), Sagat (faixa 1), , Silvera (4), Bruno Cabrero (14), Heron Beats (8).
Participações: Enézimo (faixas 2, 8 e 16), Silvera (4), Filiph Neo (4), Sorry Drummer (4), Bruno Cabrero (6), Sagat (6), Paola Evangelista (10), Max Musicamente (12), Preto R (12), Dantas (12), Carlus Avonts (13), Emicida (13), Márcio Sabiá (14), Stefanie (16), Nenê Candeeiro (17), Murilo Mendes (17), DJ Nato_PK (1, 3, 8, 9, 16 e 19), DJ RM (13), DJ Erick Jay (13), DJ Spaiq (18).

Confesso que pouco ou nada sabia sobre Arnaldo Tifu antes de ouvir o seu primeiro single, no fim do ano passado. Na época, o emcee paulista já anunciava um disco para o fim do ano e deixara muito boa impressão com seu "Pra Cascá". Fast-foward para o início de 2010 e, com uma cópia de "A Rima Não Para" nas mãos, deixei-me surpreender novamente por ele. Cria do selo Pau-de-dá-em-doido e com produção majoritária do DJ Nato_PK, Tifu é o responsável por mais um bom álbum de rap nacional, sem recorrer a fórmulas nem a tendências.

Tifu não é um gangsta, nem um backpacker sem objetividade. Na verdade, é através de uma pitada de cada coisa que ele cria seu estilo de rimar: versos sem muitos floreios, indo direto ao ponto da mensagem proposta, no caso, temas mais positivos. Claro, às vezes ele sucumbe a alguns clichês do rap nacional, como mais uma faixa inteiramente dedicada aos falsos, invejosos, bico sujo, zé povinho etc etc etc, temática obrigatória em nove entre dez discos nacionais. Com Tifu, o alvo é o "Fofoqueiro".

Entretanto, para cada "Fofoqueiro", Tifu brinda os ouvintes com rimas e conceitos originais, como "Trá-lá-lá", direcionada às crianças, citando brincadeiras e doces infantis capazes de fazer qualquer marmanjo barbado voltar 15 anos no tempo e desejar nunca sair daquela época, mas sem deixar de mostrar que são os pentelhos de hoje a força motora do país amanhã. Aliás, a criançada é um algo recorrente pelas faixas do álbum. Em sua proposta de positividade, Tifu sempre menciona as crianças como uma forma de melhorar as coisas. Em "Pra Cascá" e "Quero" podemos encontrar versos desta natureza.

"Quero", por sinal, é um dos destaques do álbum. Auxiliado por Silvera no refrão e no beat, Tifu fala sobre desejos, formas para alcançar aquilo que quer, com rimas capazes de pintar na mente as cenas que ele descreve. A batida é uma quebra no monopólio de batidões pesados no disco; ao contrário, recorre a um baixo suingado e poderoso, a um clima mais intimista e orgânico, que, junto ao backing vocal de Silvera e o refrão suave, transporte qualquer ouvinte para um salão esfumaçado, pequeno e não muito cheio, com nosso emcee dominando o palco e falando diretamente para seus espectadores.

Outro ponto forte que Tifu demonstra no disco é seu carisma. O cara não é uma virtuose em termos líricos - embora "Sei Quem Soul" seja espetacular e digna de transcrição no blog -, mas o flow poderia ser reconhecido nas primeiras palavras. E isso conta bastante para transformar faixas que seriam comuns em algo a mais. Quando utilizado no seu potencial total, esse carisma transforma boas faixas em hits, como é o caso de "Pra Cascá". Cá entre nós, além do batidão de DJ Nato, como resistir à empolgação e vibração de Tifu em cada palavra que ele pronuncia? Parte desta característica pode ser vista também em "Verdadeiro Malandro", um samba no meio de um álbum de rap que não parece nem um pouco deslocado - ao contrário, parece complementar o estilo do emcee-, graças a Tifu.

E, para complementar um cara cheio de energia, nada melhor que beats tão vibrantes quanto. A tarefa cabe, na esmagadora maioria das vezes, ao DJ Nato_Pk. O resultado são batidões permeando todo o álbum. Não é exagero: o vigor de caixas e bumbos não cai em momento algum, mesmo quando outros produtores aparecem. Por outro lado, os samples utilizados vão sendo trocados religiosamente. É como um mixer: de um lado a batida incessante, do outro o DJ só trocando os discos, cortando e colocando seus samples. Assim, encontramos metais funkeados, violão brasileiro, piano jazzy, strings diretamente do soul norte-americano, samples vocais acelerados. Tudo picotado nos mínimos detalhes para criar camadas ora tranquilas, ora agitadas. Além das faixas já citadas, destaque para a elegante "De Amor", o sample perfeitamente manipulado de "Flores" e "Sei Quem Soul", cortesia de Sagat, mas um beat ideal para abrir o disco, com samples esparsos, scratches e uma batida quebrada irresistível.

Em meio a gangstas de banda larga e ditos undergrounds, é difícil achar caras novas que apareçam já com um trabalho consistente, sem perder tempo com Myspaces da vida e, o mais importante, com sinceridade e estilo próprio. Arnaldo Tifu é um destes caras. Suas rimas são simples, mas passam com clareza suas ideias e sua seleção de beats é acima da média. Talvez mais importante que isso tudo é seu carisma, que pode catapultá-lo a um outro nível. Precisamos de mais figuras interessantes na cena, não apenas de bons rappers e produtores.

Arnaldo Tifu - A Rima Não Para
01 - Sei quem soul
02 - Tô em casa
03 - Flores
04 - Quero
05 - O coração domina
06 - Celebração
07 - Pra cascá
08 - Filosofia Cartola (Zica memo)
09 - Salve
10 - De amor
11 - O poder
12 - Rima na cara
13 - Meu Rap é assim
14 - Leva
15 - Trá-lá-lá
16 - Fofoqueiro
17 - Verdadeiro malandro
18 - Arma de resistência
19 - Rap da mamãe

Performance ao vivo de "Pra Cascá":