Ano: 2009
Gravadora: Rhymesayers
Produtores: BK-One e Benzilla (todas as faixas)
Participações: Slug (faixas 1 e 10), Brother Ali (1, 6 e 18), Haiku D'Etat (2), Raekwon (5), I Self Divine (5 e 17), Phonte (6), The Grouch (6), The Hypnotic Brass Ensemble (7), Black Thought (9), P.O.S. (11), Toki Wright (12), Aby Wolf (13), Blueprint (15), Murs (16) e Scarface (18).
Chegando já aos seus trinta anos, o Hip-Hop parece estar se deparando com um problema. Com seus instrumentais confeccionados basicamente a partir de samples, o que acontece quando as fontes começam a ser exaustivamente exploradas e aqueles artistas mais conhecidos já tiveram seus catálogos sampleados? Madlib foi à Índia em busca de novas sonoridades, o irmão caçula Oh No recorreu à Etiópia. Já o DJ BK-One, conhecido por trabalhar com Brother Ali, veio numa fonte conhecida por nós, mas que mesmo assim nunca foi tão utilizada, mesmo pelos produtores nativos: o Brasil. Em "Rádio do Canibal", o cara, com a ajuda do beatmaker Benzilla, percorre os diferentes ritmos tupiniquins para criar batidas originais e alternativas às estéticas já conhecidas dos norte-americanos.
E parece que não foi só a música brasileira que influenciou BK. O nome do álbum foi inspirado por um texto de Carlos Drummond de Andrade, "Manifesto do Canibal", no qual ele explicava como a cultura nacional tinha sua força justamente na mistura de diversas influências. Essa característica ficaria marcada mais tarde com a Tropicália, outro movimento que teve grande impacto no conceito de "Rádio do Canibal". Os depoimentos de alguns dos grandes nomes dessa fase, como Caetano Veloso, Hyldon e Tom Zé, ilustram isso.
Mas, como saiu esta mistura entre o hip-hop norte-americano e o suíngue brasileiro? O que fica claro logo no começo é que trata-se do rap se apropriando dos samples tupiniquins para alcançar novas diversidades, e não uma troca de informações entre os gêneros. Em outras palavras, a hierarquia é clara: a música brasileira servindo como matéria-prima para as batidas de BK-One e Benzilla. Em outras palavras, o retorno: uma reprodução, em forma de música, da ordem econômica do mundo: o Brasil exportando o que tem de melhor para as potências, quando poderia ter explorado melhor estas qualidades internamente.
Não encare, porém, o parágrafo acima como crítica, até porque o resultado desta apropriação é muito bom. A impressão é que o soul brasileiro contribuiu bem mais para os instrumentais, talvez por ser mais fácil de ser manipulado. Sendo assim, dá-lhe linhas de baixo cabulosas capazes de ora transportar o ouvinte diretamente para uma praia paradisíaca na Bahia, ora fazer as mundialmente conhecidas nádegas brasilianas mexerem com a graça que já conhecemos. "Here I Am" é a representante do primeiro cenário, enquanto "A Day's Work" se encarrega da segunda tarefa.
E é inegável o quanto essa confluência de ritmos soa bem. Quando instrumentos mais brasileiros ganham mais proeminência, isso fica ainda mais evidente. "American Nightmare", com uma percussão quebrada e vocais brasileiros no refrão, fecha o disco perfeitamente; o violão picotado e os metais de "Eighteen to Twenty-One" são trabalhados de tal forma que parece que os gringos sempre samplearam nossa música. Mas é em "Mega" que essa fusão atinge o ápice: com uma flauta sacanamente loopada, percussão discreta e um refrão que canta "nega" mas é manipulado para soar como o título da canção, esta faixa é, de longe, o maior destaque do álbum.
Para rimar sobre estas batidas "tropicais", BK-One também faz uma mistura: ao lado de seus parceiros Rhymesayers Brother Ali, Slug, Blueprint e P.O.S., veteranos consagrados como Raekwon, Black Thought e Scarface. Na verdade, a grande estrela do álbum são os beats, e, mesmo com um elenco estelar de emcees, a verdade é que nenhum tem uma atuação de roubar a cena: eles são apenas coadjuvantes. Ainda assim, é legal ver algumas parcerias inesperadas, como Brother Ali e Scarface em "American Nigthmare" e duas hierarquias diferentes dentro do Wu, Raekwon e I Self Divine, em "The True & Living". Mas também é recomendável destacar as performances solo de Black Thought em "Philly Boy" e da galera do Haiku D'Etat em "Mega". Negativamente, deve-se ressaltar que colocar um beat brasileiro para uma mulher cantar é indiretamente exigir que a pobre infeliz mostre a mesma graça das cantoras tupiniquins, e nisso Aby Wolf falha miseravelmente.
"Rádio do Canibal" encerra seus trabalhos com um valor que deve crescer exponencialmente nos próximos anos, graças a sua originalidade. É possível que daqui a dez anos as fontes de samples estejam cada vez mais escassas, e os gringos voltem-se definitivamente para outros países. E o Brasil vai ser um dos mais procurados, certamente. Enquanto isso, este álbum serve também como aviso para os beatmakers nacionais: vamos valorizar nossa música e, com ela, criar uma identidade para o nosso rap. Não que seja errado samplear os ótimos soul, jazz e funk dos EUA, mas se a busca é sempre por coisas novas, o ouro está bem na nossa frente. E olha que os caras nem descobriram direito o baião, o forró, o maracatu, o samba-jazz...
BK-One - Rádio do CanibalGravadora: Rhymesayers
Produtores: BK-One e Benzilla (todas as faixas)
Participações: Slug (faixas 1 e 10), Brother Ali (1, 6 e 18), Haiku D'Etat (2), Raekwon (5), I Self Divine (5 e 17), Phonte (6), The Grouch (6), The Hypnotic Brass Ensemble (7), Black Thought (9), P.O.S. (11), Toki Wright (12), Aby Wolf (13), Blueprint (15), Murs (16) e Scarface (18).
Chegando já aos seus trinta anos, o Hip-Hop parece estar se deparando com um problema. Com seus instrumentais confeccionados basicamente a partir de samples, o que acontece quando as fontes começam a ser exaustivamente exploradas e aqueles artistas mais conhecidos já tiveram seus catálogos sampleados? Madlib foi à Índia em busca de novas sonoridades, o irmão caçula Oh No recorreu à Etiópia. Já o DJ BK-One, conhecido por trabalhar com Brother Ali, veio numa fonte conhecida por nós, mas que mesmo assim nunca foi tão utilizada, mesmo pelos produtores nativos: o Brasil. Em "Rádio do Canibal", o cara, com a ajuda do beatmaker Benzilla, percorre os diferentes ritmos tupiniquins para criar batidas originais e alternativas às estéticas já conhecidas dos norte-americanos.
E parece que não foi só a música brasileira que influenciou BK. O nome do álbum foi inspirado por um texto de Carlos Drummond de Andrade, "Manifesto do Canibal", no qual ele explicava como a cultura nacional tinha sua força justamente na mistura de diversas influências. Essa característica ficaria marcada mais tarde com a Tropicália, outro movimento que teve grande impacto no conceito de "Rádio do Canibal". Os depoimentos de alguns dos grandes nomes dessa fase, como Caetano Veloso, Hyldon e Tom Zé, ilustram isso.
Mas, como saiu esta mistura entre o hip-hop norte-americano e o suíngue brasileiro? O que fica claro logo no começo é que trata-se do rap se apropriando dos samples tupiniquins para alcançar novas diversidades, e não uma troca de informações entre os gêneros. Em outras palavras, a hierarquia é clara: a música brasileira servindo como matéria-prima para as batidas de BK-One e Benzilla. Em outras palavras, o retorno: uma reprodução, em forma de música, da ordem econômica do mundo: o Brasil exportando o que tem de melhor para as potências, quando poderia ter explorado melhor estas qualidades internamente.
Não encare, porém, o parágrafo acima como crítica, até porque o resultado desta apropriação é muito bom. A impressão é que o soul brasileiro contribuiu bem mais para os instrumentais, talvez por ser mais fácil de ser manipulado. Sendo assim, dá-lhe linhas de baixo cabulosas capazes de ora transportar o ouvinte diretamente para uma praia paradisíaca na Bahia, ora fazer as mundialmente conhecidas nádegas brasilianas mexerem com a graça que já conhecemos. "Here I Am" é a representante do primeiro cenário, enquanto "A Day's Work" se encarrega da segunda tarefa.
E é inegável o quanto essa confluência de ritmos soa bem. Quando instrumentos mais brasileiros ganham mais proeminência, isso fica ainda mais evidente. "American Nightmare", com uma percussão quebrada e vocais brasileiros no refrão, fecha o disco perfeitamente; o violão picotado e os metais de "Eighteen to Twenty-One" são trabalhados de tal forma que parece que os gringos sempre samplearam nossa música. Mas é em "Mega" que essa fusão atinge o ápice: com uma flauta sacanamente loopada, percussão discreta e um refrão que canta "nega" mas é manipulado para soar como o título da canção, esta faixa é, de longe, o maior destaque do álbum.
Para rimar sobre estas batidas "tropicais", BK-One também faz uma mistura: ao lado de seus parceiros Rhymesayers Brother Ali, Slug, Blueprint e P.O.S., veteranos consagrados como Raekwon, Black Thought e Scarface. Na verdade, a grande estrela do álbum são os beats, e, mesmo com um elenco estelar de emcees, a verdade é que nenhum tem uma atuação de roubar a cena: eles são apenas coadjuvantes. Ainda assim, é legal ver algumas parcerias inesperadas, como Brother Ali e Scarface em "American Nigthmare" e duas hierarquias diferentes dentro do Wu, Raekwon e I Self Divine, em "The True & Living". Mas também é recomendável destacar as performances solo de Black Thought em "Philly Boy" e da galera do Haiku D'Etat em "Mega". Negativamente, deve-se ressaltar que colocar um beat brasileiro para uma mulher cantar é indiretamente exigir que a pobre infeliz mostre a mesma graça das cantoras tupiniquins, e nisso Aby Wolf falha miseravelmente.
"Rádio do Canibal" encerra seus trabalhos com um valor que deve crescer exponencialmente nos próximos anos, graças a sua originalidade. É possível que daqui a dez anos as fontes de samples estejam cada vez mais escassas, e os gringos voltem-se definitivamente para outros países. E o Brasil vai ser um dos mais procurados, certamente. Enquanto isso, este álbum serve também como aviso para os beatmakers nacionais: vamos valorizar nossa música e, com ela, criar uma identidade para o nosso rap. Não que seja errado samplear os ótimos soul, jazz e funk dos EUA, mas se a busca é sempre por coisas novas, o ouro está bem na nossa frente. E olha que os caras nem descobriram direito o baião, o forró, o maracatu, o samba-jazz...
1 Ivan Tiririca (Intro)
2 Gitititt Featuring Slug & Brother Ali
3 Mega Featuring Aceyalone, Myka 9 & Abstract Rude
4 Caetano Veloso (Interlude)
5 The True & Living Featuring Raekwon & I Self Devine
6 Here I Am feat. Phonte, Brother Ali, The Grouch
7 Tema do Canibal feat. The Hypnotic Brass Ensemble
8 Ivan Tiririca (Interlude)
9 Philly Boy Featuring Black Thought
10 Blood Drive Featuring Slug
11 A Day's Work Featuring P.O.S.
12 Face It Featuring Toki Wright
13 Love Like That Featuring Aby Wolf
14 Hyldon (Interlude)
15 Blue Balls Featuring Blueprint
16 Eighteen To Twenty-One Featuring Murs
17 Call To Arms Featuring I Self Devine
18 American Nightmare Featuring Brother Ali Scarface
19 Tom Zé (Outro)
Vídeo da faixa "Tema do Canibal":
Entrevista na qual BK-One explica o conceito do disco:
14 comentários:
Tá ae o Rádio Do Canibal. Muito bom. E é isso ae, Felipe, não há nada errado com a world wide known música americana, que é muito boa, mas música brasileira é uma das melhores coisas que temos nesse país, vamos valorizá-la! Tem até gringo fazendo isso!
oiwm esse cd ficou foda, fui ouvindo no colégio, nm reparei na faixa da Aby Wolf(?) q vc criticou.. mas o álbum, no geral, tá foda!
cadê o link pra download??!?
paz
cabuloso o album, essa here i am com phonte e brother ali quebro tudo.
Brother Ali & Scarface, mt inesperada a parceria, FODA!
Um gringo fez o que um brasileiro jah deveria ter feito faz tempo em termos de produção!
a original de "Mega", se interessar, é "tereza guerreira" de A. Carlos & Jocafi.
CADE O LINK PRO DOWNLOAD?
mano... Mega realmente é muito boa mesmo. Mas eu passei por aqui pra dar parabéns pelos 2 anos do blog. Suas resenhas sao as melhores! Você até devia criar uma sessão no blog dedicada aos discos mais antigos (os clássicos, ou os discos que nem são tao velhos, mas q nao foram resenhados). Melhor ainda... ce devia criar um blog dedicado a eles! Haha!
Seria da hora ler o que você acha de discos como "The Unseen", "Black Booth" Sides, "MM..Food?", etc.! Garanto que até o pessoal do Bocada ia curtir!
enfim... parabéns de novo aí
abraços!
o link para download ai por favor
paz.
aew mano, essa idéia do Gusta foi boa hein.... seria bom um blog só de resenhas de álbuns antigos e clássicos;; tipo uns cds que você conheça mais antigos e que o pessoal não conheça, talvez fosse uma boa;;
sei que deve se foda arranja tempo só pra um blog, imagina pra dois;; mas acredito que seria uma boa;;
foda o disco atempos penso o quanto que estamos perdendo só sampleando soul soul e soul produtores brasileiros mais espertos já vem pesquisando cirandas coisas do camdoble e etc pena essa massa de produtores nao ser do rape de generos distantes do nosso foi um banho de agua fria esse disco!
Lucas, valeu pela dica do sample, vou procurar.
Gusta e Rubens, agradeço pela ideia. Na verdade, o Boom Bap não se pauta só pelos lançamentos, mas a verdade é que o volume é tão grande e o tempo tão curto que eu acabo não resenhando tantos discos antigos quanto gostaria. Mas se vocês pesquisarem nos primórdios do blog, tem muita coisa "clássica" por lá. Mas prometo que vou me empenhar mais em trazer estes álbuns mais antigos. A propósito, eu resenhei "Moment of Truth", do Gangstarr, há alguns meses. Deem uma olhada, acho que vão gostar.
Abraço!
LINK VÁLIDO,TO BAIXANDO AGORA.
http://www.mediafire.com/download/8kxqaha7wjie3fd/BK-One+-+R%C3%A1dio+do+Canibal+%5B2009%5D.rar
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