segunda-feira, 30 de março de 2009

Kero One: Early Believers

Kero One é um emcee/produtor/DJ de ascendência sul-coreana residente na Bay Area, na Costa Oeste dos EUA. O cara apareceu na cena com Windmills of the Soul, considerado por algumas publicações o melhor álbum de 2006, e explodiu primeiramente no Japão. A mistura de batidas fortemente influenciadas pelo jazz e funk com letras simples e sinceras fez com que Kero se tornasse rapidamente um dos expoentes do jazz-rap. Agora, em 2009, ele lança seu segundo disco, chamado Early Believers, onde, novamente, cuidou de tudo, desde as rimas até o design gráfico.

Se no primeiro disco, Kero explorou ao máximo o conceito de feel good music, apoiando-se princinpalmente no jazz, e lançando mão de seus dotes como instrumentista - ele toca piano e teclado -, neste novo registro o coreano partiu em busca de novas influências para tornar ainda mais diversificado o seu estilo. Isso significa que o clima tranquilo e relax continua lá, com instrumentais muito bem arranjados, mas agora com novas texturas presentes no caldeirão. Um exemplo é "Bossa Soundcheck", que toma emprestado a cadência do ritmo brasileiro e alia a intervenções eletrônicas.

Outra incursão do cara é em sons mais dançantes, como a bem humorada "Lets Just Be Friends", que também mostra outra tendência do álbum: a maior presença de vocalistas nos refrões. Nomes como o inglês Ben Westbeech, o finlandês Tuomo e americana Jacqueline Marie encaixam perfeitamente na atmosfera do disco e realmente adicionam um algo a mais em suas respectivas faixas. Marie, por exemplo, tem uma participação adorável no single "Welcome to the Bay", no qual Kero relata sua vida na Bay Area sobre um breakbeat old school. A bela "When The Sunshines Comes", com seu feeling acústico, tem no refrão de Westbeech o seu ponto alto, junto com as rimas de motivação de Kero.

Falando nas rimas, este talvez seja o ponto em que a faceta pau-pra-toda-obra do artista precisa melhorar. Com uma abordagem positiva - já foi comparado a Q-Tip e Common por isso -, Kero One foca sua escrita em temas leves como amor e felicidade. Não por acaso, uma das faixas se chama "Love and Happiness". Este foco excessivo acaba tornando os temas do álbum um pouco monótonos, embora as eventuais mudanças de direção sejam bem-vindas: a já citada "Lets Just Be Friends", com um suingue pop, casa perfeitamente com um Kero One versão pegador dizendo que prefere ficar sozinho a se comprometer com alguma mulher. "Stay On The Grind", por outro lado, tem o asiático trocando versos com Ohmega Watts sobre as desventuras da independência musical. O lado mais sério, porém, aparece em "This Life Ain't Mine", um beat complexo que mistura vocais soul, loops funky e barulhos eletrônicos para dar fundo aos versos autobiográficos de Kero, que explica sua ligação com o rap e os preconceitos que sofreu por ser asiático - atenção para a mostra de técnica lírica na terceira estrofe.

Por fim, o que fica marcado em Early Believers é a incrível capacidade de Kero One lidar com todos os aspectos de sua obra de forma relativamente satisfatória. Porém, neste registro parece haver um pequeno desequilíbrio entre a produção impecável e a lírica meio previsível. De qualquer forma, este álbum é muito mais sobre o groove do que a poesia. Kero continua no seu caminho de músicas tranquilas, mas mostra que o jazz não é a sua única fonte, incorporando novos gêneros. Este é o grande mérito deste trabalho.

Kero One - Early Believers
1. Welcome To The Bay
2. When the Sunshine Comes (feat. Ben Westbeech)
3. Keep Pushin’
4. Let’s Just Be Friends (feat. Tuomo)
5. Bossa Soundcheck
6. Love and Happiness (feat. Tuomo)
7. Stay on the Grind (feat. Ohmega Watts)
8. A Song for Sabrina
9. This Life Ain’t Mine
10. I Never Thought That We
11. Goodbye Forever (feat. Ben Westbeech)
12. On and On

Download

Vídeo da faixa "Welcome to the Bay":

sábado, 28 de março de 2009

Stoupe: Decalogue

O Jedi Mind Tricks, ao longo dos anos, é um dos grupos mais respeitados e originais do underground americano, com um legado que inclui seis álbuns, vários artistas afiliados e, recentemente, um DVD contando a história do trio formada por Vinnie Paz, Jus Allah e Stoupe. Se Paz e Allah são a parte vocal e tornaram o JMT conhecido graças às rimas agressivas, foi o produtor de ascendência latina quem conferiu brilho, graças a um estilo de produção riquíssimo e muito criativo. Entretanto, Stoupe só produzia para seus amigos, e uma demanda cada vez maior clamava por um disco solo dele. Depois de tanta espera, finalmente Decalogue chega aos ouvidos dos fãs, num momento de baixa do grupo.

Depois do último álbum do JMT - A History of Violence, que marcava a volta de Jus Allah - ser recebido com reservas por fãs e críticos, e com boatos dando conta de que o disco teria sido feito às pressas para que o grupo ficasse livre da gravadora Babygrande, Decalogue chega quase com a mesma recepção desconfiada e com os mesmos boatos assombrando o trabalho. De fato, o número pequeno de faixas e a seleção no mínimo estranha de emcees contribuem para essa desconfiança inicial.

À parte toda essa controvérsia, Decalogue realmente não corresponde às expectativas criadas desde que o Jedi Mind explodiu em Violent By Design. Embora mantenha seu estilo intocável - camadas de samples, a maioria oriunda de fontes incomuns, vocais acelerados, bateria pesada e urgente e scratches nos refrões -, nem sempre Stoupe acerta na dose. "Allison James", o primeiro single, abre o disco dando esperanças, com um instrumental no melhor estilo JMT. Já a faixa seguinte, "When The Sun Goes Down" decepciona, mais pela performance abaixo da média de um Saigon talvez cansado por ter feito um álbum em 24 horas, do que pelo excerto vocal acelerado e a orquestra de samples do beat. Em seguida, "Evil Deeds" aparece com um toque latino e uma performance risível de Jus Allah e outros dois weed carriers de Vinnie Paz.

A princípio, muito da decepção do disco vem dos emcees escalados - em geral, membros do Army of the Pharaohs -, embora nomes como M.O.P., Joell Ortiz e Supastition apareçam. Este último é responsável pela melhor faixa do disco, "The Truth", cujo beat tranquilo, com uma flauta no loop principal dialogando perfeitamente com o violão de fundo, faz um contraponto interessante aos bangers que predominam no disco. Ortiz, por sua vez, afunda junto com a excessivamente caribenha "That's Me", talvez a faixa mais esquecível do projeto, apesar da experimentação interessante de Stoupe com os canais do estéreo.

Outro experimento notável é "Find A Way", que dispensa os emcees e traz a cantora Lorrie Doriza. A voz da menina é boa e, por algum motivo, parece que, em vez de estar cantando, ela é um sample vocal utilizado durante toda a faixa, tal o timbre doce e a forma como ela canta - esta constatação é um elogio. O beat também é elogiável, cheio de nuances, mas com um piano onipresente. O mais legal desta música é o fato de o instrumental parecer também algo que Vinnie Paz rimaria, embora case perfeitamente com Doriza. É, guardadas as devidas proporções, um exercício de imaginar como seria alguém cantando em cima do beat de Heavenly Divine.

Ao chegar ao fim, Decalogue deixa o indisfarçável pensamento de que Stoupe é capaz de muito mais e de emcees de mais peso. Mesmo os lendários M.O.P. não conseguem transpor toda sua energia para "Transition of Power". Em compensação, a dupla Outerspace tem a melhor performance lírica do disco em "Speakeasy", uma ode ao álcool que os desavisados podem pensar ser uma história romântica. Mesmo com todos os supostos problemas cercando a produção do álbum, Stoupe consegue criar algumas boas faixas que certamente cairão no gosto dos fãs, mas falha em fazer de Decalogue um disco consistente. O jeito é esperar e torcer que para ele tenha guardado o melhor para um novo álbum, desta vez sem pressa, sem a Babygrande, mas com outros rappers.

Stoupe - Decalogue
01. Allison James (feat. Slaine)
02. When The Sun Goes Down (feat. Saigon)
03. Evil Deeds (feat. Demoz, Des Devious, & Jus Allah)
04. The Truth (feat. Supastition)
05. That’s Me (feat. Joell Ortiz)
06. The Torch (feat. King Magnetic & Reef The Lost Cauze)
07. Speakeasy (feat. Outerspace)
08. Transition Of Power (feat. M.O.P.)
09. Independence Day (feat. Block McCloud)
10. Find A Way (feat. Lorrie Doriza)

Download

quarta-feira, 25 de março de 2009

Single + Tradução: CunninLynguists - Don't Leave (When Winter Comes)

Um pouco atrasado, mas nunca falhando, o Boom Bap traz o novo single do CunninLynguists, chamado "Don't Leave (When Winter Comes)", referente ao novo álbum que o grupo irá lançar em 26 de maio, chamado Strange Journey Vol. 1. Segundo Kno, produtor dos caras, o conceito do disco irá girar em torno das turnês e suas consequências na vida dos artistas. Se no primeiro single, "Never Come Down", esta temática não ficou muito clara - eles falavam sobre as delícias e viagens proporcionadas pelos famosos Brownies -, neste nova faixa a idéia fica mais perceptível.

Don't Leave conta com a participação de Slug, parte vocal do Atmosphere, e os já habituais versos de Deacon e Natti. Este último, aliás, rouba a cena com um verso dedicado para o seu filho, tentando explicar a necessidade dele (Natti) sair em turnê. Deacon, por sua vez, lamenta o fato de estar longe de casa, enquanto Slug usa a mesma técnica de Common no clássico "I Used To Love HER", ao rimar sobre sua cidade na perpesctiva de uma pessoa.

O beat, por sua vez, conta com uma sonoridade mais suja que a habitual em faixas do grupo, apostando mais num clima meio sombrio e numa bateria reta, meio low-fi. O refrão, provido de um sample vocal muito bom, é outro ponto alto desta faixa, que atinge o nível de qualidade com que os CunninLynguists habituaram seus fãs.

Como cortesia, segue a tradução da faixa:

Artista: CunninLynguists feat Slug
Album: Strange Journey Volume One
Musica: Don't Leave (When Winter Comes) - Não vá embora (Quando o inverno chega)

[ sample ]
Andando pela estrada
olhando pra fora da janela

[ Verso I - Deacon da Villain ]
Às vezes eu me sinto em casa quando vou embora
somente em estradas onde vagamos, de Cali até Roma
eu e todo mundo que amo vivendo através do telefone
nunca fui um cara de abraços, mas eu anseio
através de zonas de tempo pela força da família
que só está comigo através de vídeo e camera digital
procurando por respostas, vislumbrando a chance
de recuperar o tempo que ficou perdido nestas estrofes
o barulho das minhas rodas não está me levando para Kansas
pensando em Tuck me deixou preso nestes trânsitos
meu coração fala em sânscrito, sem tradutor
minha alma vê um amor costurado a mão e uma oração
merda, eu estou em todos os lugares, mas nunca estou em casa
e me importo de dizer a alguns que sou o ar de Fevereiro
nem mesmo sei o nome do prefeito da minha própria cidade
tenho feito barulho mas esqueci o som do meu lar

[ sample ]
Mas por favor não me deixe esperando aqui, quando o inverno chegar

[ Verso II - Slug ]
Ouça, eu queria dizer isso
eu não sou o maior de todos, eu nunca entrarei nesta lista
mas toda vez que volto para casa, você ainda está lá esperando
no caso de eu nunca ter dito, obrigado pela paciência
nunca fiquei rico e famoso, não me entenda errado
existe um monte de rostos diferentes que ouvem as músicas
mas não há o auge, nunca escrevi a rima de um hit
tive de pegar a estrada para conseguir o que queria
e quando consegui, eu trouxe de volta para você
nem mesmo me preocupei se você estava andando com uma crew nova
eu não espero que você segure sua respiração
apenas saiba que você é abençoada, e me deixe abrir o peito
olhe, você chorou comigo, tentou me esquecer
sentiu-se negligenciada porque às vezes eu estou ocupado
você ainda me ajuda no Southside, entende?
você sempre me perdoa, porque é minha cidade

[ sample ]
Mas por favor não me deixe esperando aqui...

[ Verso III - Natti ]
Fazer acontecer com o rap é uma parte da minha meta
mas deixar você, homenzinho, toma uma parte da minha alma
acredite em mim, papai sabe que não será fácil
melhor isso do que ter você me esperando na cadeia para me soltar
me vendo através de lentes, faltando momentos para me pressionar
eu vou ser amaldiçoado, eu quero pra você tudo que eu nunca tive
e não crescer odiando um pai invisível
quero segurar você quando chorar, te fazer cócegas até sorrir
estou tentando andar por um caminho, por agora você não entende
você mal fala e ainda assim é meu maior fã
eu te amo mais do que a vida, voce está comigo em cada voo
eu vou embora na calada para não ouvir você chorando
minha bagagem fora de visão para evitar dizer adeus
se você pudesse formar as palavras, eu sei que você diria "Papai, por quê?"
e eu teria que te dizer como isso é por você e por mim
estarei de volta antes de Novembro, mas papai precisa voar

[ sample ]
Mas por favor não me deixe esperando aqui, quando o inverno chegar
quando o inverno chegar, oh, quando o inverno chegar

Preciso continuar andando em frente
Preciso continuar andando em frente
Preciso continuar andando em frente
sem virar para trás
Preciso continuar andando em frente

Download

segunda-feira, 23 de março de 2009

Saigon & Statik Selektah: All In A Day's Work

Cansado de esperar por uma grande gravadora para lançar seu álbum de estréia, Saigon resolveu inovar: chamou o produtor Statik Selektah para, juntos, concluírem um álbum em apenas 24 horas. Desafio aceito, o resultado é All In A Day's Work, um disco com 11 faixas, distribuídas em pouco mais de 30 minutos, aproveitados pelo emcee nova-iorquino para tirar algumas coisas do peito.

No começo da carreira, Saigon surgiu como uma grande promessa do rap de Nova Iorque, mais um dos rappers locais considerados talentosos o suficiente para "trazer NY de volta à linha de frente do rap". Dono de lírica acima da média e grande criatividade, o cara lançou mixtapes de sucesso, mas entendeu errado a missão de resgatar a antiga Meca do rap, chegando inclusive a atacar o estilo feito no sul dos EUA, em voga na época. Depois disso, juntou-se a Just Blaze e assinou com uma grande gravadora. O desinteresse dos executivos em lançar seu álbum fez com que o emcee chegasse até a abandonar por um tempo sua carreira.

Em vez disso, resolveu focar em fazer música. Melhor - ou pior, depende do ponto de vista -, fazer música rapidamente: um álbum em 24 horas. Naturalmente, All In A Day's Work padece, em certos momentos, da forma em que foi concebido. Alguns instrumentais simplórios ou ideias mal desenvolvidas não são raros no projeto, mas o fato da criação de tudo ter sido em tão pouco tempo dá um crédito a mais para os artistas.

A palavra que melhor define o disco é simplicidade, o que pode ser bom ou ruim. Os beats de Statik Selektah funcionam bem quando o minimalismo remete à época de ouro do rap, o que faz o produtor recorrer, por exemplo, a scratches - algo não muito usado atualmente - para compor os instrumentais. São atos "simples" como este que valorizam o álbum, como prova o refrão sampleado de "The Rules", o primeiro single do álbum e, de longe, a melhor faixa. Sobre caixas pesadas, pianos frenéticos e vocais sampleados na cobertura, Saigon ataca liricamente os falsos bandidos do rap, talvez o tema mais recorrente do trabalho. Por outro lado, os excessivos samples vocais revelam-se, em sua maioria, uma tentativa frustrada de adicionar mais profundidade aos instrumentais.

Ainda na linha do "menos é mais", a faixa de abertura "To Be Told" conta com um sample cortado de forma tradicional e um boom bap ideal para as punchlines de Saigon. "Lady Sings The Blues" recorre a um vocal acelerado, uma melodia discreta e às já onipresentes caixas pesadas para Saigon cutucar Chris Brown no final: "Não me faça dar uma de Chris Brown contigo, vadia". Porém, as rimas da faixa vão além disso, com o emcee cutucando também seus contemporâneos:

"60% dos caras rimando atualmente são inconsistentes
os outros 40% vêm com a moda, mas eles vão contra
tentam ficar ricos em um instante
os caras fazem sons com vadias do R&B e até com o Kirk Franklin
mas eles falam mal daquele que resiste
ele desistiu de tentar enganar o sistema
sua imagem diminuída junto com sua sabedoria e seu carro"

De fato, a tradução não faz jus à forma como Saigon usa as sílabas para rimar de maneiras diferentes, usando recursos como assonância e a rima interna. Entretanto, esta criatividade não é uma constante no álbum. No geral, os versos do emcee estão localizados exatamente no limiar entre o improviso e o escrito, o que explica a inconsistência lírica. Quanto ao flow, porém, não há reclamações: a forma como ele muda de tom e ênfase em "The Reason", por exemplo, mostra que, neste quesito, o álbum é impecável.

Enfim, ao aceitarem o desafio de fazer um álbum em 24 horas, Saigon e Statik já sabiam que seria muito difícil um álbum sólido. As próprias condições de trabalho se encarregaram de limitar os dois artistas na criação do álbum. Isso não significa, porém, que o esforço é inútil. All In A Day's Work mostra como existem inúmeras maneiras de ser criativo no rap e de trazer coisas novas. Como primeira experiência, o álbum é até satisfatório, com boas faixas e outras esquecíveis. Mas, valeu a tentativa.

Saigon & Statik Selektah - All In A Day's Work
01. To Be Told
02. So Cruel
03. The Rules
04. My Crew
05. Prepare For War
06. Spit
07. Lady Sings The Blues
08. Lose Her
09. Goodbye
10. The Reason
11. I Warned You

Download

sábado, 21 de março de 2009

Common Market: The Winter's End

Depois de um álbum espetacular em 2008, RA Scion e Sabzi voltam a dar vida ao Common Market, com o lançamento do EP The Winter's End. O novo trabalho conta com cinco faixas - sendo uma delas instrumental - e é uma espécie de presente para os fãs antes que o grupo saia em turnê pelos Estados Unidos. Aparentemente, o EP não é uma prévia de algum novo álbum, como foi Black Patch War no ano passado.

De forma geral, o tema do disco é a sensação de depressão e tristeza supostamente passada pelo inverno. Ainda assim, é o suicídio o tema mais recorrente nos versos de Scion. - talvez uma referência ao 'final' presente no título do EP. A primeira faixa, "Noveau Depart", é uma composição livre das caixas do rap, guiada basicamente por uma espécie de banda funeral, entremeada por metais tristes. Não à toa, o vídeo da música, ainda não lançado, foi filmado em cemitério nova-iorquino. Na faixa seguinte, "Escaping Arkham", com um som bastante reminiscente do último trabalho da dupla, Scion entra na mente de um suicida no seu caminho para a morte e ainda acha tempo para cantar o refrão.

"Brasso" é talvez o ponto fraco do EP, com o beat mais "alegre" do trabalho, uma espécie de contraponto ao clima sombrio das outras faixas. Ainda assim, Scion exibe um flow certeiro e mostra por que é um dos grandes nomes do rap atualmente. Quando "Slow Down Moses", a última faixa com vocais do trabalho, começa, o emcee só confirma sua condição. Mais uma vez cantando o refrão, de forma bastante envolvente, por sinal, ele imerge nos metais e pianos pontuais da faixa para contar uma conversa com um psicólogo acerca do suicídio do próprio pai.

Por fim, "The Picture of My DeLorean Gray", a faixa instrumental, explica a qualquer ouvinte desafinado a razão do Common Market ser um dos grupos mais aclamados. Além de um excelente emcee, há também um produtor virtuosíssimo, dominando tanto a técnica do sampling quanto a instrumentação. O clima emocionante da última faixa é construído de forma magistral, graças às caixas pesadas, arrastadas, e as intervenções de Sabzi ao longo da música. E, por falar em samples e instrumentos, uma nota relevante: os beats de The Winter's End foram todos construídos sem uso de samples, apenas com os dotes musicais de Sabzi.

Ao contrário do normal, este EP é mais uma espécie de fim de festa, capturando a mente da dupla num momento pós-Tobacco Road, mas já experimentando coisas novas, como a instrumentação e o canto de Scion. Ainda assim, continua no caldeirão dos caras a tendência para fazer trabalhos conceituais de forma bastante profunda. Resta saber, agora, como virá o próximo disco deles, e o que eles aproveitarão desta experiência.

Common Market - The Winter's End
1. Nouveau Depart
2. Escaping Arkham
3. Brasso
4. Slow Down Moses
5. The Picture Of My DeLorean Gray (feat Sabzi)

Download

quarta-feira, 18 de março de 2009

Finale: A Pipe Dream and a Promise

E Detroit lançou seu primeiro ataque de 2009. Depois de lançamentos estelares no ano passado - Invincible, Elzhi, Black Milk, Buff1, etc -, é a vez do emcee Finale, amigo de todos os artistas citados, lançar seu aguardado álbum de estréia. A Pipe Dream and a Promise conta com participações da nata do rap da cidade dos Pistons, tanto no microfone quanto na produção. Os beats do álbum, por sinal, são quase um dream team de produtores do underground americano: Kev Brown, Black Milk, Khrysis, Nottz, Ta'raach, Oddissee, Flying Lotus, M-Phazes e Waajeed.

E logo fica claro que a boa vontade é substituída rapidamente pela admiração. Finale é um emcee da linha de Elzhi, cheio de malabarismos líricos, mas com um flow ainda mais variado, cheio de nuances, além de uma voz mais grave. Talvez falte um pouco distinção e carisma ao novato, algo que sobra em alguns de seus parceiros, mas a verdade é que ele é um emcee talentosíssimo. Seus versos tratam de temas comuns a qualquer pessoa, como relacionamentos, família e amigos. Na última categoria, destaca-se a bela homenagem ao falecido J-Dilla em "Paid Homage", com o talentoso Flying Lotus emulando o estilo de Dilla na construção do beat.

Não bastasse a qualidade técnica do emcee, a produção do álbum também é impecável. Apesar de vários beatmakers terem contribuído para a obra, a coesão do trabalho não é prejudicada em momento algum, com cada faixa combinando perfeitamente para o clima geral: um boom bap atualizado, com recheios dos mais variados - sintetizadores, breakbeats e guitarras funky, samples de séries de TV, etc. O que chama atenção é que, apesar da faceta minimalista dos beats, ainda assim eles guardam uma riqueza sonora que satisfaz qualquer ouvinte.

"Arrival and Departure", a primeira faixa do álbum, é um bom exemplo dessa deliciosa contradição: dois beats em uma só música, um uptempo, eletrônico, urgente, e o outro preguiçoso, guiado por sample vocal e uma linha de baixo deslizando lentamente pelo estéreo. "Pay Attention" traz de volta o funk setentista, com direito até a breaks - outrora sampleados para músicas de rap. "The Waiting Game", com participação da infalível Invincible e tratando da indústria musical, segue a cartilha Black Milk de beatmaking, embora provida por Khrysis: caixas pesadas, andamento acelerado e uma orquestra de samples se acotovelando para fazer companhia ao loop principal.

Falando no melhor produtor de 2008, o primeiro single do disco é produzido pelo próprio "leite negro" em pessoa: "Motor Music" é, musicalmente, a continuação da linha de raciocínio desenvolvida em Tronic, com influências eletrônicas e linha de baixo esguia, o que garantiria presença radiofônica à faixa se as rádios não tivessem tantos compromissos políticos e financeiros. Outros bons destaques são "The Senator", que sampleia uma fala clássica de The Wire, e "Issues", talvez a faixa mais calma do disco, com uma bateria lenta - mas ainda pesada -, sintetizadores tristes e um excerto vocal discreto, tudo para dar o fundo necessário a uma letra bastante pessoal de Finale.

Em um ano ainda devagar para o rap, A Pipe Dream and a Promise emerge oficialmente como o primeiro grande disco do ano, graças a uma produção impecável, coesa e bastante segura, e um emcee tecnicamente bastante capaz. Com este lançamento, Detroit ratifica sua posição como vanguarda da cena atual do rap, fonte dos artistas mais prolíficos do jogo, principalmente pela quantidade que é oriunda da cidade. Obviamente, vários lugares têm grandes emcees e produtores, mas poucos dispõem de tanta quantidade, e, é claro, qualidade.

Finale - A Pipe Dream and a Promise
01 Arrival & Departure (Produced By V-Tech & Apollo Brown) ft. Awesome Dre
02 Style (Produced By Kev Brown)
03 Pay Attention (Produced By Slimkat) Interlude - Beat The Drums (Produced By Shamus O'Flannigan)
04 The Waiting Game (Produced By Khrysis) ft. Invincible Interlude ft. Prince Whippa Whip (Cold Crush)
05 One Man Show (Produced By Black Milk) (Scratches By DJ Presyce)
06 Jumper Cables (Produced By Nottz)
07 A Reason (Produced By Ta'raach)
08 Motor Music (Produced By Black Milk)
09 Heat (Produced By J Dilla) (Scratches By DJ Sicari)
10 Issues (Produced By Dimlite) Interlude ft. Prince Whippa Whip (Cold Crush)
11 Brother's Keeper (Produced By Nottz)
12 The Senator (Produced By Waajeed)
13 What You Mean To Me (Produced By MPhazes)
14 A Pipe Dream And A Promise (Produced By Oddisee) ft. Monica Blaire & Allan Barnes (The Blackbrds)
15 Paid Homage (R.I.P. J Dilla) (Bonus Track) (Produced By Flying Lotus)

Download

sábado, 14 de março de 2009

DOOM: Born Like This

Acabou de vazar o novo álbum do (ex-MF) Doom, chamado Born Like This, um dos lançamentos mais esperados deste começo de ano. Depois de quatro anos sem lançar material novo sob a antiga alcunha de Metal Face, o emcee mascarado contará com participações de Ghostface Killah e Raekwon, além de beats de J-Dilla, Jake One e Madlib. Apesar disso, a maioria dos instrumentais são produzidos pelo próprio Doom.

Depois de algumas críticas por parte dos próprios fãs - ele supostamente estaria mandando outra pessoa, mascarada, para realizar os shows -, Doom ressurge revigorado. Apesar da mudança de nome do rapper, Born Like This é um testamento fiel do estilo do mascarado: beats tortos, com samples improváveis e excertos de desenhos animados, misturados ao flow intricado e complexo, cheio de trava-línguas ao longo dos versos. Falando nos samples, Doom varia tanto de um soul meloso modificado em Angelz até barulhos futuristas e minimalistas em Gazzillion Ear.

O mais interessante é notar como Doom brinca com os limites e a estrutura do rap, buscando sempre desconstruir alguns padrões. Com isso, caixas batem descompassadamente e samples se alternam de forma lisérgica. Sobra tempo até para ironias com a própria cena, como no uso de um autotune em Supervillainz. Há, entretanto, momentos mais sérios, combinando bastante com o caos digno de uma cidade de super-heróis que é o clima do disco. Cellz, que abre com Charles Bukowski declamando um poema, é o grande exemplo disso: "Nascido desta forma, dentro disto / em hospitais que são caros que é mais barato morrer / com advogados que cobram tão caro que é mais barato se declarar culpado".

Entre ironias e versos apocalípticos, Doom consegue surpreender e criar faixas marcantes ao misturar as duas características. Em That's That, um beat carregado por um violino loopado, ele finaliza a música...cantando: "Será que estive longe por tanto tempo? Você sentiu falta destas rimas quando eu fui embora?". Batty Boyz puxa mais para o lado fantástico do emcee, com um beat simples, de bateria quebrada e loop contínuo, abrindo espaço para rimas certeiras. Por fim, há Yessir!, com um Raekwon inspiradíssimo sobre o instrumental bate-cabeça, e Lightworks, cortesia do Donuts de J-Dilla, numa criação feita sob medida para Doom: base caótica, cheia de elementos - sirenes, teclados, caixas tortas, samples filtrados - interagindo e um sample vocal no final manipulado de forma magistral.

Os 40 minutos de Born Like This, depois de o disco ser todo apreciado, parecem muito mais. Talvez pela densidade de cada faixa, fica difícil perceber que a imensa maioria não passa de três minutos. Ainda assim, cada música flui perfeitamente, e oferece uma audição única, cheia de pormenores, uma verdadeira viagem à mente de um dos emcees mais autorais do jogo. Super-heróis, super vilões, caos, batidas e rimas. Foi em volta disto que nasceu DOOM.

Doom - Born Like This
1. Supervillain Intro
2. Gazzillion Ear
3. Ballskin
4. Yessir! feat Raekwon
5. Absolutely
6. Rap Ambush
7. Lightworks
8. Batty Boyz
9. Angelz feat Tony Starks (aka Ghostface)
10. Cellz
11. Still Dope feat Empress Sharhh
12. Microwave Mayo
13. More Rhymin' feat Kurious
14. That's That
15. Supervillainz
16. Bumpy's Message
17. Thank Yah

Download

quinta-feira, 12 de março de 2009

Letra Traduzida: Q-Tip - Believe

Primeiramente, peço desculpas pelas atualizações espaçadas, que têm sido causadas pela falta de tempo decorrente do reinício das aulas na faculdade e da falta de material novo saindo, o que deve suscitar uma onda meio revival aqui no blog semana que vem. Enquanto isso, fiquem com a tradução de uma das minhas músicas prediletas do último álbum do Q-Tip.

O mais interessante de Believe é a forma como Tip brinca com as palavras, algo que se perde um pouco na tradução, mas ainda assim é presente em frases como "acredite em acreditar". São jogos de palavras simples, mas eficazes. O tema é bem diversificado e Tip lida bem com isso, indo desde fé até confiança no governo - um discurso meio Public Enemy ao insuflar as massas, como em "acredite um no outro, questione o sistema / eles prometem retornos? Então questione o que você está ganhando" -, além de passar pelos já comuns ataques a emcees menos dotados e questionamentos mais subjetivos.

Entretanto, a mensagem mais marcante que fica da letra é de que devemos acreditar em nós mesmos ao mesmo tempo em que não deixamos de correr atrás. Até porque milagres humanos acontecem, "como crianças do gueto brilhando na Babilônia". Q-Tip é um exemplo delas.

Artista: Q-Tip feat. D'Angelo
Album: The Renaissance
Música: Believe - Acredite

[ D´Angelo ]
Eu acredito...isso é amor, isso é amor
Eu acredito...isso é amor

[ Q-Tip ]
Uh, das coisas que nós acreditamos
existe um monte de coisa a trabalhar, deveríamos arregaçar nossas mangas
e precisamos segurar firme quando a visão do destino se desenvolve
por que duvidar de seus palnos? Porque tudo é digno de se acreditar
nós podemos fazer funcionar, acredita nisso?
deixe a falta de confiança na areia e acredite
nós podemos alcançar entendimento ao desligar feedbacks negativos
os detratores podem odiar, nós nos concentramos em trazer a esperança de volta
para nós mesmos, para o mundo, para o jogo do rap
emcees são miseráveis, suas músicas deveriam deixar os mics feridos
cara, veja, nós estamos esperando pela verdade
se estivéssemos sozinhos no Louvre esperaríamos pela prova
cara, volte a acreditar, acredite em acreditar
ver não é crer, este é o sentimento de que precisamos
acredite um no outro, questione o sistema
eles prometem retornos? Então questione o que você está ganhando
nós deveríamos acreditar nas razões pelas quais existimos
hora da Renascença acordar o que está esquecido
acredite, criança, confirme, faça disso o que não é
às vezes eu desejo que tivesse tido fé quando não tive

[ Refrão ]

[ Q-Tip ]
Na terra do fingir acreditar, tempo de transformar o inacreditável em credível
levando a fé para o campo do real
acreditando que esta merda foi alimentada pela mídia
acreditar que é real quando é realmente um acordo puro
nunca desacredite quando você vê um milagre humano
como crianças do gueto brilhando forte na Babilônia
acredite naquilo, não acredite nas estatísticas ao contrário
tome cuidado com as teorias deles, siga em frente
as pessoas encontram crença quando não encontram identidade
acredite em seus amigos, não acredite em seus inimigos
montanhas de dúvidas e descrenças bem na sua frente
tropas do outro lado, o que você vai fazer?

[ D'Angelo ]
Oooh...oooh, oooh, heeey
oooh, isso é amor, isso é amor
oooh...oooh, oooh, heeey
oooh, isso é amor, isso é amor
eu acredito...
eu acredito...
eu acredito...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Brother Ali: The Truth Is Here

Brother Ali é uma das figuras mais carismáticas do rap hoje em dia. Embora não tenha tanta exposição, ele vem expandindo de forma consistente sua base de fãs, além de continuar sendo aclamado por críticos. Albino e com uma força descomunal no microfone, ele é um dos poucos a ser quase uma unanimidade do gênero. Aproveitando este status, o cara dá mais um passo na carreira: o lançamento de um DVD com uma performance em um show com ingressos esgotados. Como bônus, um EP com uma capa belíssima e nove faixas, constituído basicamente por b-sides e material inédito, chamado The Truth Is Here.

Como em todos os outros trabalhos de Ali, o projeto é inteiramente produzido por Ant, do Atmosphere. Dessa vez, porém, a palavra de ordem é versatilidade, tanto para o emcee quanto para o produtor. Se o tema varia desde amor, fé, terrorismo, política, a carreira de Ali e até battle raps compartilhados com Slug (a parte vocal do grupo de Ant), os beats também são de grande diversidade: o jazz abre o EP com 'Real As Can Be' - uma faixa lenta dominada pelo sample de sax - e fecha com a sutil 'Begin Here', uma mistura bem sucedida entre bateria seca e piano. No meio do caminho, porém, há espaço para o baixo eletrônico da uptempo 'Philistine David', o piano gospel de 'Good Lord' e o soul de 'Palm Joker', com um sample acelerado que parece ter sido esticado além da conta propositalmente por Ant, mas acaba funcionando bem.

Quanto ao sem-número de temas, a referência ao título do EP é inevitável. É como se Ali defendesse a tese de que a verdade aparece de diversas maneiras e varia de pessoa para pessoa. Ou seja, cada situação tem uma verdade para oferecer a cada pessoa. No caso das faixas, são as verdades do emcee em cada área de sua vida. Em 'Real As Can Be', ele trata de inúmeros pormenores de sua vida, como sua amizade com Rakim, seu reconhecimento dentro da cena e até o iminente nascimento de sua filha. 'Good Lord', como o próprio nome diz, fala da fé muçulmana de Ali e sua relação no dia-a-dia. 'Talkin' My Shit' e 'The Believers' são as faixas mais soltas, com versos livres, tratando de vários assuntos. Por fim, há o grande destaque lírico do trabalho: 'Philistine David', na qual o pai de Faheem entra na mente de um adolescente palestino prestes a se tornar um homem-bomba, e explica as motivações por trás desta decisão.

O mais animador em The Truth Is Here é que é apenas uma indicação de como 2009 promete ser agradável para os fãs de Ali. Além do EP e do DVD, um disco solo novo está planejado para ser lançado ainda este ano, novamente produzido por Ant. Como este EP prova, o emcee albino mais famoso do mundo está prestes a lançar outro disco forte, assim como foram todos os outros e assim como é este projeto. Em Brother Ali eu confio.

Brother Ali - The Truth Is Here
1. Real As Can Be
2. Philistine David
3. Little Rodney
4. Palm the Joker
5. Good Lord
6. Baby Don’t Go
7. Talkin’ My Shit
8. The Believer
9. Begin Here

Download

Link consertado

Trailler do DVD The Truth Is Here:

quinta-feira, 5 de março de 2009

Braille & Symbolic One: CloudNineteen

Embora eu não seja daqueles que desprezam o rap e não perdem a chance de dizer o quanto ele está supostamente fraco, tenho de admitir que o começo de 2009 tem sido bem morno para o gênero. E a questão não é só qualidade, mas, principalmente, quantidade. Assim, fica um pouco difícil abastecer o blog com novos lançamentos relevantes. Para o meu alívio, o emcee Braille resolveu se juntar ao produtor Symbolic One, do grupo Strange Fruit Project, para criar um álbum no melhor estilo dupla dinâmica - um rimando e outro produzindo. Desta união, nasceu CloudNineteen.

Para quem não conhece o Braille, ele é um rapper com características bem diferentes: você não o ouvirá rimando sobre armas, mulheres e crimes, nem sobre fome, estupro e polícia. O estilo dele é outro: relatar a vida de um cara comum, com uma vida normal, sonhos e preocupações inerentes a qualquer pessoa. Resumindo, ele fala da vida de gente como a gente. Gente que trabalha, estuda, namora, chega atrasado no trabalho, vive sem dinheiro, anda de condução pública e não caga na casa dos outros. Some isso a uma boa dose de rap cristão e você já sabe o teor dos versos de Braille.

Para complementar estes temas, o convocado foi Symbolic One. Depois de ter lançado um disco de produtor no ano passado, ele volta a ser o responsável pela sonoridade de um álbum. Em Cloudnineteen, especificamente, ele abandona um pouco o seu terreno seguro de batidas soul e invade o campo do boom bap, variando bastante as fontes dos samples. Se há um denominador comum durante o trabalho, são as caixas pesadas e rápidas que pontuam a maioria do disco e servem como contraponto, principalmente nas faixas mais introspectivas., embora encaixem bem tanto com as guitarras da introdutória "Its Nineteen" quanto a emoção de "Broken Heart", na qual Braille fala sobre a morte de seu pai e aproveita para deixar suas impressões sobre vida após a morte.

Embora o álbum tenha tudo a favor para que haja uma consistência, isso não ocorre em geral. Algumas faixas, embora bem produzidas e bem rimadas, acabam não chamando a atenção, embora compartilhem espaço com outras criações bastante significativas. Além da já mencionada "Broken Heart", que além dos bons versos, ainda conta com um refrão interessante e uma produção misturando samples e instrumentação de forma perfeita, há ainda "Fill It In", com caixas arrasadoras, o boom bap frenético, meio 9th Wonder, de "For Life", uma dedicatória ao hip hop sobre pianos intermitentes e vocais acelerados. Por fim, há o destaque absoluto do disco: "Found Her", na qual a bateria reta e grave dialoga com samples discretos para dar espaço aos versos nos quais Braille rima sobre como encontrou sua atual esposa.

CloudNineteen fecha seus 55 minutos de duração como uma experiência agradável, mas que não materializa todo o seu potencial. Braille é um bom emcee e tem uma abordagem interessante, enquanto S1 prova que é um produtor versátil e qualificado, mas ainda assim algumas faixas simplesmente não tem valor de replay. Ainda assim, este é um dos bons discos que 2009 já começou a parir, que certamente vai prover seu MP3 player com algumas boas músicas.

Braille & Symbolic One - CloudNineteen
01.Sky Dive Intro
02.I'ts Nineteen
03.For Life
04.Broken Heart
05.Thats My Word
06.Fill It In
07.Skepticold
08.Heart of God
09.Found Her
10.From The Pulpit
11.Megaphone
12.Work That Way
13.Hardrock
14.Stay Together
15.Parachutes and Ladders
16.Frankenstein (Bonus)

Download

segunda-feira, 2 de março de 2009

Blu: Her Favorite Colo(u)r

Geralmente, eu não posto mixtapes aqui no Boom Bap, porque a maioria das fitas mixadas são apanhados de leftovers, uma ou duas músicas novas e freestyles sobre beats alheios. Obviamente, este não é o caso de Her Favorite Colo(u)r, um presente de Blu para os fãs. Para quem não conhece este emcee da costa oeste, ele é responsável por um dos melhores álbuns de 2007 e outros dois lançamentos consistentes em 2008. Um detalhe a ser valorizado: cada disco foi feito em conjunto com um único produtor, o que certamente influenciou no resultado final. Depois, o jovem John Barnes resolveu se arriscar nas produções e está trabalhando num disco com o nova-iorquino Sene. Nesta mixtape, porém, Blu resolve centralizar tudo nele mesmo: é ele quem produz e quem rima.

Quem acompanha o blog sabe que essa era uma curiosidade desde o post do single do Sene. O estilo de produção de Blu é bem próprio, com timbres de baterias bem lo-fi, programados de forma reta, acompanhados de samples no nível mais superlativo de sujeira possível, preferencialmente pianos e linhas de baixo oriundas do jazz. Porém, se nas produções anteriores o emcee/beatmaker empregava ritmos mais acelerados, esta mixtape vai na direção contrária.

Explica-se: o projeto é todo baseado no conceito de ser abandonado pela mulher amada. Logo, espere beats mais lentos, cheios de samples vocais arrastados e o próprio vocal de Blu mais lento, meio em tom de conversa, meio introspectivo. A dor de cotovelo dita o ritmo do projeto, inclusive nas várias esquetes que permeiam o álbum. Trechos de diálogos de filmes que tenham a ver com o sentimento de Blu ganham um destaque até exagerado.

Entre os destaques, a irresistível "Amnesia" é quase hors-concours, e sintetiza bem o clima da mixtape. O sample de piano cadenciado junto da bateria "preguiçosa" e grave por si só já oferecem um fundo agradável, mas é o sample vocal que leva a faixa para um outro nível. "Silent" é um interlúdio de 35 segundos, mas muito bem feito: cortes à la Premier sobrepostos a um sample vocal extraído de alguma musica que já apareceu em alguma novela do Manoel Carlos - desculpem, esta é a referência pobre que eu tenho. "Vanity" segue a fórmula de samples jazzy, vocais e bateria suja, com a vantagem de a usada aqui ter um pouco mais de suinge, sem contar que o vocal sofre um pequeno picote. Por fim, "Untitled (Loved U)2" é uma carta direta para a tal moça que quebrou o coração do cara.

Para quem queria ouvir Blu rimar sobre seus próprios beats, a mixtape é um prato cheio, e vale muito a pena. Blu já tinha um estilo próprio de rimar, sempre com versos bem pessoais, e parece que transpôs isso para seus beats, que também passam sempre esse clima mais reservado, mais calmo. Her Favorite Colo(u)r, no fim, acaba sendo mais uma mostra de talento de um dos mais promissores artistas do rap dos últimos anos. A pergunta que fica: o álbum solo de Blu será produzido por ele ou por Exile? Ou pelos dois?

Blu - Her Favorite Colo(u)r
01_Love
02_Amnesia
03_Since
04_Morning
05_Melo
06_Wind(terludeOne)
07_When(terludeTwo)
08_Silent
09_Pardon
10_Vanity
11_Beggars’/BlackGold
12_Celln’Ls
13_Untitled(LovedU)2
14_Peace

Download