Se houvesse uma estatística para tal, constataríamos que uns 99% da população mundial adora música. Desse pessoal todo, uns 40% realmente se importam com ela. O percentual de quem entende e ama as melodias, vozes, notas e letras cai para uns 20%. Mas há um grupo seleto que morreria com e pela música. Uma turma ainda mais reduzida subverteria a ordem do mundo: viveria através dela. Desse círculo fechado, James Yancey, o Jay Dee ou J Dilla, é certamente um dos integrantes mais importantes. Se nos concentrarmos no rap, o número de mártires é considerável. Mas poucos foram tão prolíficos após a morte. É graças a essa produção intensa que, em 2009, três anos após o falecimento de Dilla, nós somos presenteados com mais um álbum com beats inéditos do produtor: Jay Stay Paid.
Sobre as batidas, não há muito o que comentar. É a estética da última fase de Dilla estampada: as caixas tortas, os bumbos bem definidos, o experimentalismo, os samples de outro mundo. Tudo arranjado em uma clima originalíssimo: não são beats completamente relaxante, nem totalmente dançantes. Quer dizer, são as duas coisas ao mesmo tempo, sem a possibilidade de taxá-los como pertencentes a apenas um lado. A não ser quando ele inventa de colocar um piano MUITO jazzy rolando ininterruptamente, enquanto vai brincando com bumbos e caixas, em "Mythsysizer". Ou quando, meio que premonitoriamente, resolve evocar lágrimas dos olhos alheios na linda "Coming Back".
O quem chama muito a atenção é como os instrumentais produzidos por Dilla parecem tão independentes, tão completos, que repelem praticamente qualquer rima. São beats feitos para permanecerem invioláveis, expressando os sentimentos do produtor por si só, sem qualquer rima. Ou melhor, parece que as rimas estão codificadas na batida, talvez na forma como James manipula os bumbos - a ótima "Lazer Gunne Funke" é o melhor exemplo. Faixas como a minimalista "Kaklow (Jump On It) e "King" são exemplos disso. Nesta última, porém, Dilla não rima com os bumbos, e sim com os samples.
Diante de produções tão intimidadoras, ainda existem emcees corajosos e talentosos o suficiente para tentar dar ainda mais qualidade. A maioria deles trabalhou realmente com Dilla, o que facilita a abordagem deles. Black Thought, com sua "Reality TV", parece tão à vontade que dá a impressão do beat ter um dedo de ?uestlove, graças à bateria incisiva, pulsante. Lil' Fame, por sua vez, traz algumas influências da Old School para "Blood Sport" e adapta de forma perfeita seu flow agressivo nas duas batidas que compõem a faixa. Por fim, "Fire Wood Drumstix" traz a levada quebrada de DOOM e uma homenagem tão insana quanto o emcee.
E, por mais que eu escreva aqui, vou falhar incessantemente em tentar descrever o trabalho de Dilla na sua plenitude. Vai ser necessário que cada um faça um processo parecido ao dele na hora de produzir música. Ouvir, sentir, se divertir, entender. Talvez isso seja o mínimo que devemos a este cara. Consumir sua música da forma mais respeitosa possível. Colocar seus beats no caminho pro trabalho, pra andar de skate, para ouvir no carro, para dormir, para dançar. James Yancey merece, amigos.
J Dilla - Jay Stay Paid
1. KJay FM Dedication
2. King
3. I Told Y’all
4. Lazer Gunne Funke
5. In The Night/While You Slept (I Crept)
6. Smoke (feat. Blu)
7. Blood Sport (feat. Lil’ Fame Of M.O.P.)
8. CaDILLAc
9. Expensive Whip
10.Kaklow (Jump On It)
11. Digi Dirt (feat. Phat Kat)
12. Dilla Bot Vs. The Hybrid (feat. Danny Brown)
13. Milk Money
14. Spacecowboy Vs. Bobble Head
15. Reality TV (feat. Black Thought)
16. On Stilts
17. Fire Wood Drumstix (feat. Doom)
18. Glamour Sho75 (09)
19. 10,000 Watts
20. 9th Caller
21. Make It Fast (Unadulterated Mix) (feat. Diz Gibran)
22. 24K Rap (feat. Havoc Of Mobb Depp & Raekwon)
23. Big City
24. Pay Day (feat. Frank Nitty Of Frank N’ Dank)
25. See That Boy Fly (feat. Illa J & Cue D)
26. Coming Back
27. Mythsysizer
28. KJay & We Out
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