quarta-feira, 29 de julho de 2009

J-Live: The Best Part

Ano: 2001
Gravadora: Triple Threat Productions
Produtores: Emmai Alaquiva (faixas 2,6 e 15), 88 Keys (3,4,12 e 17), David Kennedy (4,15,17 e 18), Grap Luva (5 e 7), Elliott Thomas (7), Pete Rock (8), Prince Paul (9), Chris Catalyst (10 e 11), Probe.dms (10 e 11), DJ Spinna (13 e 14), DJ Premier (16).
Participações: Ike and Swave of CVEES (faixa 4), Probe.dms (8), Asheru (8), Understanding Allah (13), Takhim Allah (13).

Aproveitando a passagem de J-Live pelo Brasil - amanhã ele estará na festa Blends, aqui no Rio -, o Boom Bap apresenta o álbum de estreia do emcee/produtor/deejay nova-iorquino. "The Best Part" tem, particularmente, uma história curiosa. Começou a ser produzido em 1995, seria lançado em 1999, mas, graças a problemas com a gravadora, só viu a luz do dia em 2001, não sem antes uma versão "pirata" atingir as ruas. Àquela altura, a expectativa pelo disco já era grande, devido aos singles de qualidade - "Braggin' Writes" e "Longevity" que Live tinha lançado.

E a espera valeu a pena. "The Best Part" é aquele típico álbum de estreia que toma tudo de assalto e define um padrão de qualidade dificílimo de ser alcançado pelo emcee nos trabalhos posteriores. Seja pela produção - que recruta nomes como Pete Rock, DJ Premier, Prince Paul e DJ Spinna - ou pela escrita impecável, o disco é um dos bons trabalhos do começo do milênio, uma mistura azeitada entre a velha e a nova escola que começava a despontar na época.

Para conseguir equilibrar bem tantos conceitos, nada melhor do que uma mente bastante criativa. Um dos grandes méritos de J-Live é trazer algo surpreendente mesmo na faixa mais tradicional. Uma infinidade de conceitos emerge durante o disco, graças à capacidade de Justice Allah de brincar com as palavras e o flow. São vários os exemplos: a brasileira "Don't Play" - que sampleia "Canto de Ossanha" e traz um refrão cantado que o ouvinte mais desligado vai pensar ser em português - traz Live usando um mesmo conjunto de rimas para finalizar suas linhas, mudando apenas a ordem delas. Já no single "Them That's Not", Live ajusta flow e métrica de acordo com a velocidade da batida, que começa aceleradíssima e vai decaindo até alcançar a entonação tradicional do emcee.

Mesmo as faixas menos inventivas são executadas com maestria. "Kick It To The Beat" é uma cortesia de Pete Rock, que mantém os samples elegantes, mas abdica das caixas pesadas para dar o espaço necessário para Live e seus parceiros Asheru e Probe.dms destilar destreza lírica. "Yes!" vai até as raízes do boom bap nova-iorquino, com scratches, bateria suja, sample discreto para permitir que Live exiba rimas multissilábicas de batalha à vontade, não sem antes cutucar o rap em geral:

"O que você quer, algo na moda ou algo bom?
Do que você precisa, liberdade ou justiça?
Do que você gosta, pele branca ou negra?
(...)
Respeito nas ruas ou venda de discos?"

Ainda tem storytelling criminal na ótima "Wax Paper", a mistura de filosofia e autobiografia na jazzy "Timeless", relacionamentos em "Get The Third" e a exibição de habilidade incomum em "Braggin' Writes Revisited", na qual ele rima e manipula o vinil ao mesmo tempo e ainda arruma espaço para lançar uma frase clássica - "Tá todo mundo rimando, mas poucos têm flow". Mas é a faixa título, abençoada por um beat de DJ Premier, que fecha o disco com chave de ouro, numa letra que mistura referências à crença Five Percenter, experiências pessoais na indústria musical e conselhos para o rap:

"De uma forma de arte até se espalhar da costa leste para a oeste
para a costa, o hemisfério, veja como o hip hop cresceu
mas ainda é o proverbial bobo da corte da música
explorado por muitos, entendido por poucos
(...)
porque a força de uma nação sempre foi suas crianças
deixe-as aprenderem com os anciões que foram fortes e espertos
então o hip hop será a música que não irá embora
quando a próxima leva de MC's provar ser assim"

Assim, depois de uma hora e 16 minutos de bom rap nos ouvidos, "The Best Part" se consolida como um trabalho essencial para todo fã de rap, especialmente aqueles procurando por criatividade e um quê de Nova Iorque nos beats. Para quem ainda não conhece J-Live, o disco é a porta de entrada para a obra de um cara multifuncional, que ainda se mantém firme e forte na penosa arte de fazer música por amor.

J-Live - The Best Part
1 Outside Looking
2 Intro
3 Got What It Takes
4 Don't Play
5 Vampire Hunter J
6 YES!
7 Them That's Not
8 Kick It to the Beat
9 Wax Paper
10 Timeless
11 Get the Third
12 School's In (Remix)
13 R.A.G.E.
14 True School Anthem
15 Inside Looking Outro
16 The Best Part
17 Play
18 Braggin' Writes Revisited
19 Epilogue

Mais informações sobre a passagem de J-Live no Brasil

Resenha de "Then What Happened" no Boom Bap

J-Live cantando ao vivo a faixa "Braggin' Writes":

sexta-feira, 24 de julho de 2009

La Coka Nostra: A Brand You Can Trust

Gravadora: Suburban Noize
Ano: 2009
Produtores: DJ Lethal (faixas 1,2,3,5,6,7,8,10,11,14 e 15), Everlast (4), Sicknature (5), Ill Bill (8), Alchemist (9), Cynic (12), Q-Unique(13).
Participações: Sen Dog (faixa 1), Big Left (1), Snoop Dogg (3), B-Real (5 e 15), Sick Jacken (6,11 15), Bun B (9), Q-Unique (13), Immortal Technique (13).

La Coka Nostra é um supergrupo formado pelos membros originais do House of Pain (DJ Lethal, Everlast e Danny Boy), além do ex-Non Phixion Ill Bill e o membro do Special Teamz, Slaine. Com uma escalação dessa e dado o histórico dos caras e o nome do grupo, já dá para imaginar a proposta que eles trazem para a mesa, certo? Pois bem, quem gosta de rap pesado, com flows agressivos, letras fortes e emcees trocando rimas como se tivessem se conhececido na maternidade pode alimentar expectativas com "A Brand You Can Trust", porque não será decepcionado.

Na verdade, há muito mais neste álbum do que simples agressividade. Para entender melhor o registro, é necessário dar crédito a três referências: o guitarrista branquelo e cabeludo, o crooner emotivo e o conspiracionista. Pode soar confuso, mas depois de uma audição completa do registor, dá para perceber melhor esses elementos, e são eles que dão sustentação a todo o conceito do trabalho - e ainda geram spin-offs como o O.G. malandro - e mostrar um mundo de violência, drogas e desesperança.

O guitarrista cabeludo e branquelo é identificável nos primeiros segundos do álbum e é companheiro inseparável de DJ Lethal, responsável pela maior parte dos beats do disco. A influência roqueira é inegável desde os primeiros acordes metaleiros de "Bloody Sunday", embora os emcees só estejam se aquecendo em suas líricas - exceção para Slaine e seu arsenal de aliterações. Outras faixas como a psicótica "Get You By" e "The Stain" também evocam a imagem do guitarrista abusando de sua guitarra como numa masturbação, tudo para Ill Bill e sua turma rimarem confortavelmente.

E é "The Stain" que nos mostra o segundo elemento, o crooner. No disco, ele é personificado por Everlast, caprichando numa cantoria envolvente e dando um clima mais emotivo a certos refrões. Como local de encontro de duas grandes influências do álbum, "The Stain" é a melhor faixa do disco, com versos emocionantes, particularmente o de Slaine, dedicado para sua filha. Os hooks de Everlast permeiam ainda todo o registro, ora mais tristes, ora mais suingados, mas sempre dando um contraponto interessante à agressividade dos flows.

Por fim, o conspiracionista é na verdade um monstro criado a partir de pequenos pedaços de cada emcee e resume bem a lírica deles. Com muitas referências às drogas e à guerra, os caras pintam imagens sombrias, crônicas políticas e críticas sociais dignas daqueles às voltas com teorias da conspiração. A simples aparição de Immortal Technique na sugestiva "Nuclear Medicinemen" só corrobora a hipótese. Espere ainda críticas ao modo de vida americano em "I'm American", analogias à guerra em "Choose Your Side" - Ill Bill rouba a cena aqui - gangsterismo em "Bang Bang", com o tal O.G. malandro chamado Snoop Dogg, e puro bragadoccio em "Fuck Tony Montana" e na ótima "That's Coke", uma simples troca de versos entre todos os emcees pontuada por um naipe de metal suingados que parece estar deslocado no disco, mas na verdade soa muitíssimo bem.

Da reunião de seis rappers brancos, "A Brand You Can Trust" surge como uma ótima alternativa para estes dias sem grandes novidades no rap americano. Produção acima da média, letras consistentes, levadas matadoras e afirmações de talentos - como eu nunca prestei atenção em Slaine antes? - fazem do disco audição obrigatória para quem quer um pouco de adrenalina na vida ou tá naqueles dias de raiva. Parafraseando e traduzindo cretinamente o título do álbum, quando se precisa de agressividade, La Coka Nostra é uma marca em que se pode confiar.

La Coka Nostra - A Brand You Can Trust
01. Bloody Sunday (feat. Big Left And Sen Dog)
02. Get You By
03. Bang Bang (feat. Snoop Dogg)
04. The Stain
05. I’m An American (feat. B-Real)
06. Brujeria (feat. Sick Jacken)
07. Once Upon A Time
08. Cousin Of Death
09. Choose Your Side (feat. Bun B )
10. Hardcore Chemical
11. Soldier’s Story (feat. Sick Jacken)
12. Gun In Your Mouth
13. Nuclear Medicinemen (feat. Q-Unique And Immortal Technique)
14. That’s Coke
15. Fuck Tony Montana (feat. Q-Unique And B-Real)

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Vídeo da faixa "I'm American":

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Single: Pizzol - 16 anos

Pizzol é a nova aposta da 360 Graus Records, gravadora do DJ Caíque. O moleque tem 16 anos, mas rima com técnica e habilidade de gente grande. O disco de estreia dele, intitulado sugestivamente de "16 anos" e todo produzido por Caíque, já está pronto e deve ser lançado no próximo mês, com participações de caras como Doncesão, Nocivo Shomon, Dr. Caligari, Ogi, Jeffe e Roko. Por ora, saiu o primeiro single do registro, com três faixas que estarão no álbum, além do clipe de uma delas.

O mais interessante em Pizzol é que ele não parece ter a idade que tem. Sua segurança no microfone é perceptível e suas letras não são infantis. A positividade da ótima "Vivo a Voar", com grande refrão de Jeffe, sintetiza bem as qualidades do menino: ele mostra personalidade ao dividir o mic com Doncesão e uma levada impecável sobre o beat acelerado de Caíque. A faixa com clipe, "Paraíso Incomum", mantém o clima positivo, ajudada pelo instrumental sutil.

Pizzol - 16 anos (single)
01 - Pizzol - Paraiso Incomum [Prod. DjCaique]
02 - Pizzol - Vivo A Voar [Part. Doncesão & Jeffe] [Prod. DjCaique]
03 - Pizzol - 16 Anos [Part. DJ Edy] [Prod. DjCaique]


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Vídeo da faixa "Paraíso Incomum":

sábado, 18 de julho de 2009

U-Flow: Indústria Falida (single)

U-Flow é um grupo do Rio de Janeiro, formado inicialmente pelos emcees Johnny P.A. e Ribah, pelo produtor 2F e pelo DJ Kako - o beatmaker Nobru e os emcees Saulo e Beleza entraram ano passado -, na luta há seis anos. Os caras estão preparando o primeiro álbum deles, que deve sair em agosto deste ano, e vão lançando aos poucos alguns singles para todo mundo conhecer o som deles. Mês passado eles lançaram "Sem Apego" e, agora em julho, é a vez de "Indústria Falida" vir ao conhecimento do público.

E o título da faixa é bastante sugestivo. Johnny P.A. e Beleza conseguem sintetizar em pouco mais de três minutos a opinião de muitos artistas em relação à queda do mercado tradicional da música. É quase como uma celebração à indigência das gravadoras e à liberdade artística proporcionada por isso. O beat, de 2F e Saulo, recorre a cortes de violão para criar um clima meio cínico de despedida - encaixaria perfeitamente como a música final de algum filme em que haja um adeus no fim. Afinal de contas, é disso que trata "Indústria Falida", certo?

Download do single

Myspace da U-Flow

terça-feira, 14 de julho de 2009

Letra Traduzida: Mos Def - History

Demorou, mas aos poucos as letras de "The Ecstatic" começam a aparecer pela internet. Uma delas é "History", a faixa que reúne Mos Def e Talib Kweli para delírio dos fãs do Black Star, com um adicional: beat de J Dilla. Enquanto Mos soa um pouco filosófico e abstrato demais, Talib nos abençoa com algumas linhas dignas de frase de MSN e "quem sou eu" do Orkut, para no final se gabar do impacto que o Black Star teve no rap. O mais legal, porém, é a teoria que Mos explica na introdução: algumas pessoas agem como a estação em que nasceram. Alguém já tinha pensado nisso? Até que soa interessante...

Artista: Mos Def feat. Talib Kweli
Álbum: The Ecstatic
Música: History - História

[ Mos Def ]
Kweli diz, "todo mundo age de acordo com a estação em que eles nasceram"
alguns são a noite, alguns são a manhã, outros a madrugada
outros no inverno, alguns em junho
é o nosso código, é o natural
a ciência é uma piada
para mim e os meus, os seus e você
vamos nos mover, vou te dizer um pouco sobre o meu, aí

Eu nasci em uma época em que o mundo estava quieto e frio
celebrações estavam acontecendo
alguns estavam felizes, outros, tristes
alguns se sentiam mal por estarem bem
alguns se sentiam bem por estarem mal, sentimentos passam e mudam, mas eles nunca vão embora, eles estão aqui para ficar
feriado, feriado, feliz aniversário
amor adolescente, o primeiro corte, corrida profunda
alma na carne, estas são as ruas do Brooklyn
ano do boi, sete e três
M.D., a História (vamos lá)
toda alma tem seus questionamentos, D (sim)
isso é onde você esteve e onde você está
e sem entendimento você não pode prosseguir
completar o início e o fim
então tudo começa de novo...de novo

[ Talib Kweli e Mos Def ]
De novo e de novo, bem novo
de novo e de novo, tão fresco
de novo e de novo, novidade

[ Talib Kweli ]
Eu nasci na década da decadência, onde eles idolatram o que eles têm
Ford foi o presidente, faça as contas
a guerra estava finalizada quando os vietnamistas atacaram a cidade de Saigon
nós estávamos tipo "adeus", nós estávamos indo embora, deixar as bigornas serem bigornas
eu tô fora, espalho amor, é a maneira do Brooklyn
onde eles te abraçam com o braço que seguram a arma de fogo
como roupas da nova escola, oficial Black Star
um estouro quando nós fazemos um show, é fato, não mistério
eu tô junto com a turma como Mussolini na Itália
eu ando com os The Roots como a árvore oferecida
poderoso, eu superei a intolerância, eu e meu povo temos história
e estes rappers a "burrificam" consideravelmente
nós "fazemos estourar" como um refrão famoso
o flow é histórico, eles não podem escapar de nós
você nos escolheu, e nós criamos as leis como Levítico
há dez anos atrás nós fizemos história, então eles estão sentindo nossa falta

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Royce Da 5'9'': The Revival EP

Há tempos Royce Da 5'9'' vem engolindo emcees em participações, com versos sensacionais em sequência. Foi assim com Elzhi, Black Milk e seus companheiros de Slaughterhouse ultimamente. E desde que surgiu para o rap com o clássico "Boom" que o emcee de Detroit não está tão em alta no gênero. 2009 verá dois lançamentos de Nickel Nine: além de seu solo, "Street Hop", está previsto o álbum de estreia do supergrupo com Joell Ortiz, Joe Budden e Crooked I. Porém, antes disso, uma pequena prévia do que está por vir surge com o EP "The Revival".

Com apenas quatro faixas, o trabalho, ao que parece, segue uma lógica de marketing do Slaughterhouse. Rumores dão conta de que cada membro do grupo lançará um EP aos moldes deste de Royce: três faixas solo e uma posse cut. Estratégia interessante e muito mais construtiva e original do que arrumar uma beef sem sentido com algum nome estabelecido da cena, como Joe Budden tentou fazer com Method Man.

Voltando para "The Revival", fica claro que Royce está numa fase áurea. Sua metralhadora de rimas está mais do que carregada, com battle rhymes afiadíssimas e punchlines criativas, cheias de referências populares. Aliás, a metáfora acima com armas é ainda mais definitiva para descrever "Gun Harmonizing", a faixa de abertura, com o Nickel Nine cuspindo onomatopeias de disparos junto a ataques líricos da melhor qualidade, em cima de samples vocais e uma batida que parece estar correndo das balas saídas da boca de Royce.

A faixa seguinte, "Count for Nothing", pega emprestado o clássico sample de Chuck D contando até nove - o mesmo usado por Premier em "Ten Crack Commandments", do Biggie - e segue com o fuzilamento de rimas de Royce. "Warriors" vem em seguida e é a faixa que reúne os Slaughterhouse. Coincidência ou não, é a mais poderosa do EP, uma homenagem ao quarterback Steve McNair, assassinado recentemente, com um sample jazzy transformando em algo sinistro. "Street Hop" fecha o registro com mais uma rodada de referências pop e alto grau de bragadoccio, com Royce num flow mais lento e sobre uma batida mais modesta.

"The Revival" chega ao fim cumprindo seu papel de forma bastante adequada. É um ótimo aquecimento para os próximos projetos de Royce, pois aproveita o momento iluminado do emcee para colocar material de qualidade nas ruas e criar uma expectativa para os discos que estão para sair. Resta saber se os outros membros do Slaughterhouse também vão ajudar no marketing, ou se vão confiar no seu membro mais afiado para fazer o trabalho sujo.

Royce Da 5'9'' - The Revival EP
01. Gun Harmonizing
02. Count For Nothing
03. Warriors (feat. Slaughterhouse)
04. Street Hop 2010

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quinta-feira, 9 de julho de 2009

Tio Scooby: Dois Real (Breve nos seus fones)

Tio Scooby é um emcee/deejay/beatmaker de Porto Alegre, e já está há quase dez anos na cena - fez parte de grupos como Defensores da Rima Ofensiva, além de integrar atualmente o Emepê4 e o Projeto Último Palito. Recentemente, o cara lançou um EP, chamado "Dois Real (Breve nos seus fones), com o apoio do pessoal da 457fm. O trabalho conta com beats de Digestivo, TiagoBeats, Jones Beats, do venezuelano Jonathan Armada, além de produções do próprio Scooby.

Com dez faixas - incluídas aí uma introdução e uma "finalera" -, o registro mostra um emcee apaixonado pelo que faz, cheio de energia e empolgação com o trabalho. Dá para ver em cada sílaba que Scooby solta a entrega dele nas músicas. Tamanho esmero pode ser visto também nos beats do disco, uma produção caprichada, bastante consistente e bem direcionada. Some estes dois fatores e você terá um bom representante do rap do sul do país nos seus fones de ouvido.

Liricamente, Scooby se encontra na curva saindo do discurso social para tratar de temáticas mais positivas. Esta positividade pode ser facilmente percebida em faixas como a viciante "Hora do Show", com refrão cantado e beat potencialmente radiofônico, na qual o emcee fala sobre as dificuldades na caminhada e como ele não se deixa abalar pelas adversidades. "A Nada" recorre a uma batida reminiscente do início carreira de Kanye West, apostando num sample vocal acelerado; nas rimas, Scooby faz uma espécie de manifesto, uma apresentação sua, mostrando suas ideias de forma mais geral.

Como dito acima, a parte instrumental do EP é muito bem cuidada, e não tem sobressaltos durante a audição. Os beats combinam desde elementos mais brasileiros, como o violão sampleado em "Última Questão" até uma forte presença de colagens do rap nacional, o que é bastante elogiável. Destaque também para a belíssima faixa instrumental "Conexões", cheia de sutilezas e com uma bateria rasteira empolgante - um pecado que Scooby não tenha rimado em cima dela.

Como um EP, "Dois Real..." serve como ótima introdução para Tio Scooby, que mostra um bom ouvido para escolher beats e um liricismo que parece estar num momento de transição, com espaço tanto para a rua quanto para mensagens mais positivas. A curiosidade agora é saber como o emcee vai chegar em seu disco de estreia. O convite já foi bem bonito, falta saber se a festa vai manter o nível - e geralmente é isso o que acontece.

Tio Scooby - Dois Real (Breve nos seus fones)
01. Introdução
02. A Nada
03. Diferenças
04. Hora do Show
05. Conexões
06. No Jogo
07. Sem Medo
08. Última Questão
09. Verdades
10. Finalera

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Letra Traduzida: Mr. SOS - Apocalyptic Doomsday

Como dito na resenha do disco do Mr. SOS, "Apocalyptic Doomsday" é forte candidata a melhor faixa do ano, com uma letra fortíssima. SOS consegue criar na mente de cada ouvinte todo o caos de um hipotético dia final com rimas que praticamente entregam de mão beijada a visualização das cenas. Leiam e verão:

Artista: Mr. SOS
Álbum: How I Learn to Stop Worrying and Love the Bomb
Música: Apocalyptic Doomsday - Apocalíptico Dia do Juízo Final

[ Intro ]
Isto é para o planeta TERRA
da terra até o MAR
e a estrela conhecida como SOL
nós assistindo do CÉU

Olá, planeta TERRA
nós estamos flutuando pelo MAR
ficando mais quentes do que o SOL
levando você mais alto do que o CÉU
vamos lá, planeta TERRA
eu tenho algo que você precisa VER
é melhor prestar atenção ao SOL
e o que sobrou do CÉU azul
porque A mãe TERRA
está escorrendo para o MAR
enquanto nós queimamos embaixo do SOL
e levitamos até o CÉU
isto é para o planeta TERRA, por baixo do meu pé, escorregando
isto é para o planeta TERRA, por baixo do meu pé, escorregando

[ Verso I ]
As escrituras estão na parede mas ninguém é capaz de entendê-las
uma tempestade está vindo do Atlântico e é gigantesca
o suficiente para conquistar o planeta ao amanhecer do dia de descanso
chuvas congelantes e granizos ácidos causando pânico
com ventos prejudiciais o suficiente para limpar o planeta dos pecados novamente
bem vindo ao fim do fim
o apocalíptico dia do juízo causando uma inundação
transformando corpos em lama em uma tsunami de sangue
o fim do mundo como nós conhecemos
os sistemas agora estão sobrecarregando
breve você vai perceber tarde demais o que é importante
a vaidade aparece, a sanidade abre e fecha
nós precisamos nos fechar e se focar, só assim podemos salvar a mãe TERRA
para os abutres beliscando nossos corpos no MAR
metade comidos e apodrecidos por descansarem no SOL
ateus procurando por Jesus no CÉU
mas é tarde demais, é a hora deles de morrer.

[ Sample ]
Alucinações...tão estranhas
sensação estranha
alucinações...estes últimos dias
minha criação
por que eu, oh, por que eu gosto de voar até o céu?

[ Verso II ]
Rios queimando através de cidades levantando-se cada vez mais altas
agora você sabe como é quando um prédio está caindo em chamas
e o que é destino, aviões caindo sem alvos
atingindo pirâmides e transformando monumentos em obeliscos queimados
tudo vale a pena, nada é rápido, dilúvio com um impacto
maior do que as classes média e baixa
costumavam ser antes de irem dormir para sempre
a bonança depois desta tempestade ninguém verá jamais
todas as mãos ao alto em direção ao paraíso, como se elas tentassem subir para lá
todos os olhos fechados, apertados, como se a luz fosse tão incômoda
a visão é terrível e incrível o suficiente para fazer o mais doentio criminoso rezar por um milagre
a TERRA quebra, se abre e sangra até o MAR
o fogo do inferno toca a luz de Deus no SOL
a batalha começou, está escrito no CÉU
e eu digo, talvez o melhor homem morra!

[ Scratches ]
Baby, você ouviu aquilo? Yeah, baby, eu ouvi também
os últimos capítulos de revelações estão chegando

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Entrevista: Diamantee

A virada de século trouxe para o rap brasileiro novos ventos, um grupo de jovens com ideias variadas, bastante diferentes do que vinha sendo produzido em terras tupiniquins na época. Coletivos como o carioca Quinto Andar e o paulista Rhima Rara assumiram a linha de frente da nova escola brasileira, e dão frutos até hoje, mesmo sem estarem exatamente unidos como projetos. Nomes hoje bastante relevantes no Hip Hop nacional surgiram neste momento. Um deles, porém, nunca foi tão festejado quanto os outros, embora tenha igualmente uma trajetória riquíssima. Trata-se de Renan Sabino, o Diamantee, beatmaker paulistano de 25 anos, organizador da Battle Beats Brasil. Nesta entrevista para o Boom Bap, ele fala de produção, a experiência em organizar o Battle Beats, o seu início no rap, sua convivência com o pessoal da Rhima Rara e mais. Confira!

Boom Bap: Como você conheceu o rap?
Diamantee: Cara, aos 13 anos comecei a andar de skate. Nesse tempo eu ouvia muito Hard Core e rock, por influência de alguns amigos e meu pai. Nessa mesma época, esses amigos me mostraram um fita de video com varios clipes de rap, entre eles havia um em especial, que era "Jump Around", do House Of Pain. Quando ouvi aquilo, maluco, deu vontade de sair pulando, porque era pesado como o Hardcore, rápido, diferente de tudo que eu já havia ouvido. Depois, veio Wu Tang, A Tribe Called Quest, Nas, Mobb Deep...

Se "Jump Around" foi a musica que fez você descobrir e gostar do rap, qual foi a canção que fez você decidir deixar de ser só fã e passar a fazer rap?
Pô, dificil, porque eu ouvia varias paradas, mas posso dizer que nao foi uma e sim algumas, entre elas, em especial, uma do Method Man com a Mary J Blige, "You're All I Need", essa música realmente mexeu comigo. A Tribe Called Quest, com Electric Relaxation, Nas com o disco "It Was Written", Mobb Deep com a "Hell on Earth", nossa, essa era hino no meu walkman.

E no Brasil, o que você curtia mais?
Bom, no começo não ouvi quase nada, cara. Tipo, ouvi Gabriel O Pensador, com "Loira Burra", Racionais com "Raio X do Brasil", era uma loucura, todos os carros que passavam na rua tocavam Racionais. Achava da hora o Pepeu com "Carolina" e o Ataliba e a Firma com "Política e Política", e Ndee Naldinho, "Lagartixa na Parede". Pô, até que eu ouvia bastante coisa (risos). Mas sempre foi mais fácil lembrar dos gringos.

Por que?
Porque todos meus amigos só ouviam rap gringo e hardcore. Nós éramos meio que os únicos aqui em Taipas que escutavam raps gringos, éramos diferentes de todo mundo. Eu sempre conversei com muita gente, então sempre trocava uma ideia com um pessoal que era pichador, aí eles só ouviam rap nacional, Gog, Racionais, Cirurgia Moral, Alibi, porra, muita coisa. Eles me mostravam mais as paradas nacionais. Nunca fui de me fechar a ouvir as paradas, saca? Mas como eu andava de skate o dia inteiro eu ouvia mais raps gringos.

Você nasceu e foi criado em São Paulo?
Sim, em Taipas, um bairro entre a zona oeste e a zona norte de São Paulo. Bairro pobre mesmo, eu moro na periferia, aqui do lado mesmo tem um morro gigante que vai até o céu, favela mesmo. Aqui em Taipas não tem um lugar especifico de casas de pessoas que têm grana. A grande maioria mesmo é pobre, trabalhador mesmo.

Sua infância foi difícil?
Sim, foi. Eu não posso reclamar, não tive algumas coisas, mas minha mãe e meu pai sempre trabalharam, saca? Eu fui criado minha infância inteira pela minha avó Conceição. Eles sempre me quiseram muito bem, davam para nós, eu e meu irmao, o bom e o melhor que podiam. Agradeço muito a eles.

Então você não foi aquele moleque a princípio atraído pelo discurso social do rap nacional dos anos 90, né?
Cara, digamos que fui atraído, sim, porque, independente de tudo, periferia é periferia. Você passa perrengue independente do local, mas digamos que fui mais atraído pelo skate. Ele era o amigo de todas as horas, então meio que direcionava a minha atenção 100% a ele.

E como foi essa passagem de fã para alguem que está dentro do rap?
Putz, muito louca. Porque eu andava de skate em frente à escola em que eu estudava. Aí uns amigos começaram a conversar e falar que queriam fazer um grupo. Vários grupos foram criados. Eu e um amigo chamado Skok começamos a trocar ideia. "Sempre ouvimos rap, por que não cantamos também?". Imagina um moleque que não sabe rimar, ruim pra porra. Era eu (risos).

Você começou rimando e não produzindo?
Eu comecei rimando. A parada de produção veio quando, um dia, conversando com o meu primo, DJ Daniel, falei pra ele que tínhamos que ter nossas próprias batidas. Ele tinha um mixer Gemini que sampleava 5 segundos, se não me engano. Ele fazia uns loops em fitas para nós rimarmos em cima.

Antes disso vocês usavam batidas gringas?
Sim, cansamos de juntar as moedas pra comprar discos. Compramos um monte de discos instrumentais.

E foi com o seu primo e nessa história de fazer loop em fita que você começou a se interessar por produção?
Sim, conversando com uns amigos e conhecidos e perguntando como era a parada de produzir. Um dia vi umas paradas no site Bocada forte, logo no começo, onde o bate papo bombava de pessoas, pois era o unico site de Hip Hop no país. O Vulgo disponibilizou dois links, um do Fruity Loops e outro do Sound Forge. Aí baixei e comecei a fuçar, só saía beat ruim, não sabia contar tempo, nem sabia o que era um bumbo e uma caixa (risos).

Tem um fato legal, porque quando eu comecei, eu baixei a versão demo, então não podia salvar meus beats. Nisso, eu ja converssando com o Kamau e tal - ele inclusive produziu a primeira faixa do meu grupo na época, chamado Ajunção. Aí, eu conheci o Munhoz quando fomos gravar este som, também conheci o Zorack. Foi ele que me arrumou os programas e fez minha vida mudar (risos). Ele tem uma parcela de culpa muito foda nisso tudo, porque ele colou aqui em casa, instalou o programa no computador e me deu umas dicas que me fizeram entrar nos eixos.

Você sempre teve contato com esse pessoal da nova escola do rap brasileiro?
Sim, eu sou dessa geração. Na real, eu comecei a fazer rap antes de conhecer eles. Havia várias pessoas fazendo rap simultaneamente, da mesma geração, sem se conhecer. Eu conhecia o pessoal da Rhima Rara através do estudio do Munhoz. Eles já tinham a banca há muito tempo, eu não cheguei a participar de nada que eles fizeram juntos.

Nessa época você já tava no seu segundo grupo então, o Ajunção, é isso?
Isso. Era o segundo grupo, mas com quase as mesmas pessoas. Tipo, no Delito era eu, o Skok, o Lopam, o Geg, o Trinca e o DJ Daniel. Aí eu sai do Delito, e depois de um tempo, quando só estavam tocando juntos o DJ Daniel, o Skok e o Lopam, nós começamos a fazer coisas juntos. No começo, Ajunção era uma banca, eu e o Rick (emcee do Simples), Skok e Lopam( do Delito), Gringo e DJ Zinco. Depois, o Ajunção virou eu e o Skok. Entrou o Maze, e aí virou um grupo.

E depois disso, qual foi seu próximo passo?
Nessa época eu estava produzindo um CD inteiro para uns amigos, chamado "Familia Pingaiada". Produzi o disco inteiro tambem, mas os caras meio que tinham pensamentos diferentes, e o álbum acabou não saindo. Isso em 2003, 2004. Em 2005, eu tive a ideia de fazer um solo. Peguei os emcees que andavam comigo e gravei os sons todos aqui em casa. Assim saiu o "Meu Time é Preparado".

E como foi lançar um álbum de produtor numa época em que isso não tava muito em voga, ainda mais aqui no Brasil, onde as dificuldades para se lançar um disco são ainda maiores? As maiores dificuldades mesmo eram pra colocar o disco na rua, porque a grana sempre foi curta, tive a ajuda de todos os emcees que cantavam no disco e uma ajuda principal do DJ Fzero.

Fala um pouco sobre o Battle Beats. Como você se envolveu na organização?
O Dhennys teve a ideia de criar o Battle Beats Brasil. Ele me chamou pra participar da segunda edição, aí ajudei a organizar e arrumar alguns prêmios para a galera que ganhasse. Depois disso, ele me chamou pra fazer todas com ele, já como organizador mesmo.

Como é a experiência de organizar um evento inédito no Brasil? No que isso somou na sua experiencia dentro do hip hop?
Essa ideia é foda, é algo que eu sempre pensei em fazer, mas nunca tive como. Esse projeto é para mim a parada na qual eu mais me dedico atualmente. O Battle Beats me fez ver as coisas de outra maneira, é a melhor coisa que já me aconteceu.

Por que?
É algo com o qual eu acabei criando uma grande afinidade. Quero fazer disso tipo um campeonato brasileiro, saca? Fazer Battle Beats pelo Brasil inteiro, fazer uma edição todo ano. Tipo uma Liga dos MCs. A Battle Beats é algo para festejar e mostrar que em cada Estado existem varias pessoas que fazem beats, que vivem essa parada. O conceito é mostrar para o Brasil que essa parada cada dia cresce mais e mais.

Falando sobre produção, com que frequência você garimpa discos?
Sempre que posso, cara. Ser pobre é foda, ainda mais em São Paulo. Voce tem que trabalhar muito pra ter suas paradas. Eu saio às 6h de casa e chego às 21h. Fica meio difícil. Sou webdesigner de uma loja de surf online.

Viver de rap ainda é um sonho distante?
Na moral, eu tenho que me jogar, tipo o emicida. Dar 100% de mim. Aí eu vou ter 100% do rap.

E por que você não faz isso?
Pô, cara, às vezes me sinto meio inseguro, saca?

E como é o teu processo de produção? Você sampleia mais do que toca? Qual gênero você gosta mais de samplear?
Mano, a parada é que eu nao sei tocar nenhum instrumento, saca? Eu só sampleio, e eu não tenho preferência de gênero. Sampleio tudo, de 1950 a 2009.

E gêneros brasileiros, você procura dar uma atenção especial, ou não liga pra isso?
Mano, sempre que vou no sebo eu compro disco brasileiro. Só aqui em casa acho que tenho uns 400 discos brasileiros, mas não fico fissurado em só produzir parada com sample brasileiro.

Quantos discos você tem na sua coleção?
Tenho quase mil.

Algum destes discos é mais especial pra você? Por qual razão?
Sim, tem um que consegui fazer um beat muito foda, é do Toquinho, ele é meu xodó. Tem outro, que eu fiz um dos melhores beats da minha vida, "Espaço Vazio", da Dione York.

De todo o processo de produção, do que você gosta mais? Do garimpo, da seleção dos samples, dos cortes, da hora de sequenciar?
Eu gosto quando eu coloco o vinil pra tocar e ouço uma parada foda, na qual eu vejo um rap fudido. Fico louco, ouço o sample umas 30 vezes antes de samplear.

Para finalizar, quais são seus próximos projetos?
Mano, tô fazendo um disco do Zero MC, do grupo Obscuro, que saiu no meu primeiro disco. E tô fazendo meu álbum novo, nos mesmos moldes do primeiro: vou produzir e chamar um pessoal pra rimar.

E o Battle Beats?
Estou quase fechando com uma casa para realizar o evento. Mas esse ano ainda vai ter pelo menos mais duas edições. e mais a grande final, com o primeiro e o segundo colocado de cada edição anterior. Mas ainda não tenho previsão de quando vai acontecer.

Por que olhar sempre para trás?

De uns anos para cá, um fenômeno interessante tem cada vez mais chamado a minha atenção dentro do rap: o fato de muitos grupos novatos surgirem com a proposta de trazer de volta o som da chamada golden age do gênero, situada entre o fim dos anos 80 e o começo dos anos 90. É um tal de "estamos trazendo de volta o bom e velho rap", "vamos mostrar o que é o real hip hop", que, se no começo eu achava uma iniciativa válida, hoje vejo mais como algo a ser tratado com mais cuidado e menos euforia.

O rap é um gênero que entra na sua maturidade agora, com quase 25 anos de história, e teve um grande impacto no início justamente por causa de seu jeito inovador de produção: sem instrumentos, utilizando trechos de canções antigas para confeccionar os instrumentais; um canto falado, lépido, em vez de melodias interpretadas. Imaginem o impacto que essa revolução teve nos ouvidos virgens da sociedade americana. O Hip Hop, vindo dos guetos de Nova Iorque, ficou tão grande que acabou indo para a parte branca do país, simplesmente tirando a virgindade dos pobres e alvos tímpanos com seu estilo hardcore.

E eis que duas décadas depois, o rap já se encontra estagnado a ponto de as novas cabeças, aqueles que deveriam trazer soluções para a música, precisarem voltar ao início para destoar no meio da multidão. Se repararmos, são os grupos que levantam a bandeira das raízes os mais elogiados pela crítica e pelo público. Claro, muito bom isso, eu também darei atenção especial se um produtor dizer que sua grande inspiração é um DJ Premier ou Pete Rock da vida, mas a questão toda é: continuaremos sempre neste ciclo? Será que não precisamos que uma boa alma chegue e quebre esta roda para iniciar uma nova?

Pode-se colocar na discussão a questão do mainstream estar extremamente pobre, das gravadoras estarem apostando apenas naqueles modelos que parecem fabricados na medida para gerar dinheiro - uma consequência da difusão do mp3, talvez?. Assim, os novatos ficam numa encruzilhada: inovam, não são entendidos de primeira e tachados como vendidos, ou agradam aos fãs e à crítica, mas continuam no underground.

O curioso é que aqui no Brasil os novos grupos fazem um caminho meio contrário. Na verdade, procuram se distanciar da estética da velha escola gangsta instituída em terras tupiniquins. Os temas são bem diferentes, a produção ficou mais diversificada, mas ainda há forte influência da velha escola...gringa. E olha que o Brasil tem um terreno bastante fértil, uma diversidade musical que ainda não foi totalmente explorada pelos beatmakers em suas batidas. Quantos raps nacionais atualmente você ouviu com um sample de baião, chorinho, forró etc? Já pensou se o Brasil é um dos grandes celeiros ainda não descobertos para a renovação do rap?

Alguns caras já entenderam isso e procuram novas fontes de sample para fugir dos já desgastados discos de jazz, funk e soul. Madlib foi à Índia samplear trilhas sonoras de Bollywood e voltou com uma coleção de beats de encher os olhos. Volta e meia um produtor norte-americano aparece sampleando um músico brasileiro. Aqui, os trabalhos de Marcelo D2 e Rappin Hood com o samba são elogiáveis. Mais recentemente, o grupo baiano Versu2 deu mais um passo ao usar excertos de axé no seu single.

Enfim, quando eu falo sobre inovar no rap, procurar trazer coisas novas para o gênero, não digo necessariamente em renovar a maneira de se fazer música, e sim buscar novos ingredientes para a fórmula. Particularmente, eu admiro bastante a arte de samplear, acho algo único, não encontrado nos outros gêneros, e acredito que isso deve ser valorizado. Pois bem, que as novas cabeças do rap busquem formas novas de samplear, novas fontes. Que, sobretudo, olhem para trás apenas como inspiração, não como fórmula para projetar o futuro deste jovem gênero.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Mr. SOS: How I Learned to Stop Worrying & Love the Bomb

Gravadora: QN5 Music
Ano: 2009
Produtores: Ricky Raw (1 e 2), The Beatchefs (3, 5, 12), Tonedeff (4), Abeo Rzo (6), Quincy Tones (7), Khrome (8), Cypher Linguistics (9), Mr. SOS (10), Pedro y El Lobo (11), Chew Fu (13)
Participações: Zero Basement (3), Cashmere The Professional (10), Steph (12)

E a QN5 ataca novamente. Uma das mais consistentes e prolíficas gravadoras do underground americano, a casa de Tonedeff, Substantial e dos Cunninlynguists lança agora o álbum de estreia de Mr. SOS. Os fãs da turma de Kno e companhia vão lembrar do cara como antigo membro do grupo, com participações nos primeiros clássicos, como "Seasons", "Lynguistics" etc. Pois bem, depois de sair dos Cunninlynguists e passar um tempo no limbo, SOS volta com "How I Learned to Stop Worrying & Love the Bomb", disco ligeiramente conceitual e desde já um dos álbuns mais refrescantes de 2009.

O tal conceito tratado bem implicitamente trata de uma espécie de análise da sociedade, no exato momento antes de sua destruição. Assim, SOS age como um cronista da nossa realidade e explora diversos temas, às vezes projetando o momento depois do tal fim do mundo. Tudo tratado com bastante seriedade e até um certo pessimismo, embora o título do álbum - numa tradução livre, "Como eu aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba" demonstre o contrário.

Na verdade, o disco é projetado numa espécie de flashback, uma vez que começa já com o dia do juízo final, a fortíssima e acachapante "Apocalyptic Doomsday", grande candidata a melhor faixa do ano, que relata o caos do último dia da Terra, numa bateria rasteira e desesperada, como se ela própria estivesse correndo para se salvar. O uso dos samples é sensacional e a explosão de scratches no final dá um toque especial à canção. A também rasteira "2013" vem em seguida, com o mote de "começar de novo", mas logo depois voltamos à sociedade como era antes de sua destruição. A bem humorada "Work" já tem influências eletrônicas e fará muitos se identificarem com o SOS reclamando do seu emprego com um flow preguiçoso de quem acabou de acordar e não quer ir para o trabalho.

O primeiro single do álbum vem em sequência, com a ainda mais eletrônica "Bionic", criticando a presença maciça das máquinas atualmente - o beat inclusive tem samples de máquinas industriais, aliados aos sintetizadores. A partir daí, a reminiscência sobre o mundo antes de ser destruído toma conta. A belíssima "The Balance" trata das dificuldades em seguir em frente, com pitadas de storytelling, sob uma orquestra de samples muito bem organizada. "I Can't Sleep" é a confissão da paranoia dos dias atuais que recorre a strings e se resume no refrão sampleado: "Eu não consigo dormir nesses dias difíceis".

Durante toda a execução do álbum, nota-se a grande evolução de SOS como emcee. Seu flow está muito mais maduro e variado, e isso salta aos olhos em "How I Learned...". Ele tem total controle sobre a batida, varia sua entonação com grande facilidade e traz diversidade para cada faixa. A passionalidade da levada de "Apocalyptic Doomsday" contrasta com a ironia de "Work" e o desrespeito às caixas em "What's MK Ultra", passa pelo sotaque sulino em "Dr. Strangelove", e desagua no formato tradicional em "The Balance". Poucos emcees hoje em dia conseguem variar tanto sua forma de rimar e manter um bom nível durante todo um álbum como SOS fez aqui.

Na parte da produção, o desempenho também é impecável. Embora Kno não tenha produziod nenhum beat, fica claro sua influência estética no trabalho, como o grande uso de samples vocais para construir refrões, os samples mais limpos e elegantes, a forma de orquestração dos excertos nos beats. O quê eletrônico também funciona muito bem, pois não é por acaso, e sim para casar com o conceito do disco - o remix "Welcome to the Future", porém, vai um pouco além do que o necessário. Estes elementos combinados dão um clima meio bucólico, melancólico ao álbum.

Enfim, sem precisar trazer seu rap de volta às raízes, sem aderir aos dogmas do mainstream, Mr. SOS nos presenteia com um álbum sincero, criativo, bem concebido, com muito a oferecer ao ouvinte a cada audição. "How I Learned..." é um dos melhores discos do ano até agora, porque não tenta se encaixar em nada, apenas segue o curso programado para ele, sem preocupações exteriores. Isso resulta num belo tratado sobre a sociedade atual, pelo ponto de vista de um latino radicado nos EUA, e um grande exemplo de como o rap, às vezes, se preocupa demais com suas formatações. SOS deu a dica: basta parar de se preocupar e amar a bomba.

Mr. SOS - How I Learned to Stop Worrying & Love the Bomb
01 Apocalyptic Doomsday
02 2013
03 Work Ft Zero Basement
04 Bionic
05 Dr. Strangelove
06 Save You
07 The Balance
08 I Can’t Sleep
09 What’s Mk Ultra
10 The Young & The Innocent Ft Cashmere The Professional
11 Expos?
12 Time Capsule Ft. Steph
13 Welcome To The Future (Chew Fu’s Bionic Rmx)

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