Ano: 2009
Gravadora: Material Corrosivo
Produtores: DJ F-Zero (todas as faixas, exceto 2 e 4), Diamantee (faixas 2 e 4).
Participações: Diego Luz (faixa 4), Rato (11) e Alan Arcanjo (11).
Como é de praxe, o fim do ano reserva sempre o maior número de lançamentos no rap nacional. O álbum de estreia do emcee paulista Fino, embora já tenha saído há algumas semanas, é um dos representantes desta leva de verão. "Qu4rto Mundo" é um disco em parceria com o produtor F-Zero, também conhecido como assíduo frequentador do Boom Bap. Propaganda besta à parte, o cara é o responsável pela maior parte do disco, com o beatmaker Diamantee respondendo pelas duas únicas batidas que não passaram pelo crivo do F-Zero.
Apresentações feitas, entremos no mundo de Fino. A primeira informação relevante é algo que já foi até tema de um artigo aqui no blog há uns meses: 70% dos samples utilizados nos beats são nacionais. Isso significa uma novidade em termos de produção tupiniquim e já diz algo sobre como o conceito do trabalho foi levado a sério. Em outras palavras, o tal quarto mundo de Fino já tem trilha sonora definida: ritmos brasileiros, de todas as formas.
O curioso, entretanto, é que a forma como os samples são trabalhos é bastante discreta. Não é uma tentativa gratuita de valorizar a música brasileira; na verdade, é bem provável que, caso você não tenha lido o parágrafo acima antes de ouvir o disco, não fique com a impressão da predominância de músicos nacionais. Os excertos são tratados de forma tradicional e não são a figura principal do álbum: o resultado final dos beats é mais importante do que as fontes utilizadas.
O pessoal que visita o blog pode fazer um paralelo imediato com "Rádio do Canibal", álbum do DJ norte-americano BK-One, que foi todo calcado em samples brasileiros. Mesmo eu tendo escrito, no texto sobre aquele disco, que era mais uma apropriação do que uma tentativa de diálogo, é bem mais nítido que o ianque tenta fazer transparecer a influência tupiniquim. Em "Qu4rto Mundo", não é o caso. O uso dos excertos é natural, e não o mote do trabalho. Talvez o único ponto convergente seja o existente entre "Mega", do registro estrangeiro, e "Violência Gratuita", que utilizam o mesmo trecho.
Afinal, o mote do disco é Fino, e sua visão de mundo. O emcee fala sobre tudo. A onipresente rua e suas armadilhas, a paixão pelo rap, as agruras de um homem comum em uma metrópole incomum. É aceitável encarar "Qu4rto Mundo" como o manifesto da filosofia de vida de Fino, e isso pode ser facilmente justificado em faixas como "Um gole de vinho, um pouco de jazz" ou "Tranquilo". Aliás, a última indica com precisão a personalidade do emcee, sublinhada pelo flow irregular, ora mais preocupado com o ritmo, ora adotando um tom mais conversacional, como se o rapper estivesse travando um diálogo com o ouvinte. E esta aproximação com o público é um dos pontos altos do registro.
A filosofia de Fino ainda encontra ecos na atenção aos detalhes e aos pequenos gestos, como explicitado, de maneira até extremamente didática, em "Tá aqui": "Amar ao próximo e a Deus é só o que você precisa / Dizer um obrigado, um por favor / respeitar os mais velhos: sim, senhora; sim, senhor / estes são gestos simples que tem maior valor". "Hino do Vitorioso", por sua vez, não perde o tom didático, mas agora a execução é melhor. Fino incorpora, guardadas as devidas proporções, o sábio Sun-Tzu e mostra sua "Arte da Guerra" para vencer na vida, com conselhos que são resumidos no refrão: "Lute pelo seu, seja um guerreiro / Mas não esqueça o principal, que é ser verdadeiro".
Mas é em momentos mais reflexivos que Fino brilha mais. "Duas" é o maior exemplo disso. Sobre um loop de saxofone cativante, o emcee confronta sua visão de mundo destilada ao longo do disco com exemplos práticos de sua própria vida. Assim, experiências de amigos, problemas cotidianos, inquietações, certezas e sonhos são postos no liquidificador e tornam-se a melhor letra do álbum. Por outro lado, a relaxante e despreocupada "Um gole de vinho, um pouco de jazz" vai pelo caminho contrário. Continua sendo introspectiva, mas é menos analítica, concentra-se em descrições do cotidiano e exala uma atitude mais otimista.
Na verdade, assim é o tal "Qu4rto Mundo" de Fino. Um espaço tipicamente brasileiro, e não são apenas os samples os responsávies por isso, e sim a própria mentalidade do emcee. Podemos considerá-lo um bom representante do brasileiro comum: cheio de dificuldades, mas ainda assim otimista, crente que o mundo melhora no próximo dia. O cara que para para refletir, mas logo depois está sorrindo com os amigos. Um cara tranquilo, que toma um vinho e ouve um jazz para relaxar e fugir dos monstros e da violência gratuita.
Fino - Quarto Mundo
1. Esboço
2. Tá Aqui
3. Esse é o meu rap
4. Um gole de vinho, um pouco de jazz
5. Rua
6. MonstrosGravadora: Material Corrosivo
Produtores: DJ F-Zero (todas as faixas, exceto 2 e 4), Diamantee (faixas 2 e 4).
Participações: Diego Luz (faixa 4), Rato (11) e Alan Arcanjo (11).
Como é de praxe, o fim do ano reserva sempre o maior número de lançamentos no rap nacional. O álbum de estreia do emcee paulista Fino, embora já tenha saído há algumas semanas, é um dos representantes desta leva de verão. "Qu4rto Mundo" é um disco em parceria com o produtor F-Zero, também conhecido como assíduo frequentador do Boom Bap. Propaganda besta à parte, o cara é o responsável pela maior parte do disco, com o beatmaker Diamantee respondendo pelas duas únicas batidas que não passaram pelo crivo do F-Zero.
Apresentações feitas, entremos no mundo de Fino. A primeira informação relevante é algo que já foi até tema de um artigo aqui no blog há uns meses: 70% dos samples utilizados nos beats são nacionais. Isso significa uma novidade em termos de produção tupiniquim e já diz algo sobre como o conceito do trabalho foi levado a sério. Em outras palavras, o tal quarto mundo de Fino já tem trilha sonora definida: ritmos brasileiros, de todas as formas.
O curioso, entretanto, é que a forma como os samples são trabalhos é bastante discreta. Não é uma tentativa gratuita de valorizar a música brasileira; na verdade, é bem provável que, caso você não tenha lido o parágrafo acima antes de ouvir o disco, não fique com a impressão da predominância de músicos nacionais. Os excertos são tratados de forma tradicional e não são a figura principal do álbum: o resultado final dos beats é mais importante do que as fontes utilizadas.
O pessoal que visita o blog pode fazer um paralelo imediato com "Rádio do Canibal", álbum do DJ norte-americano BK-One, que foi todo calcado em samples brasileiros. Mesmo eu tendo escrito, no texto sobre aquele disco, que era mais uma apropriação do que uma tentativa de diálogo, é bem mais nítido que o ianque tenta fazer transparecer a influência tupiniquim. Em "Qu4rto Mundo", não é o caso. O uso dos excertos é natural, e não o mote do trabalho. Talvez o único ponto convergente seja o existente entre "Mega", do registro estrangeiro, e "Violência Gratuita", que utilizam o mesmo trecho.
Afinal, o mote do disco é Fino, e sua visão de mundo. O emcee fala sobre tudo. A onipresente rua e suas armadilhas, a paixão pelo rap, as agruras de um homem comum em uma metrópole incomum. É aceitável encarar "Qu4rto Mundo" como o manifesto da filosofia de vida de Fino, e isso pode ser facilmente justificado em faixas como "Um gole de vinho, um pouco de jazz" ou "Tranquilo". Aliás, a última indica com precisão a personalidade do emcee, sublinhada pelo flow irregular, ora mais preocupado com o ritmo, ora adotando um tom mais conversacional, como se o rapper estivesse travando um diálogo com o ouvinte. E esta aproximação com o público é um dos pontos altos do registro.
A filosofia de Fino ainda encontra ecos na atenção aos detalhes e aos pequenos gestos, como explicitado, de maneira até extremamente didática, em "Tá aqui": "Amar ao próximo e a Deus é só o que você precisa / Dizer um obrigado, um por favor / respeitar os mais velhos: sim, senhora; sim, senhor / estes são gestos simples que tem maior valor". "Hino do Vitorioso", por sua vez, não perde o tom didático, mas agora a execução é melhor. Fino incorpora, guardadas as devidas proporções, o sábio Sun-Tzu e mostra sua "Arte da Guerra" para vencer na vida, com conselhos que são resumidos no refrão: "Lute pelo seu, seja um guerreiro / Mas não esqueça o principal, que é ser verdadeiro".
Mas é em momentos mais reflexivos que Fino brilha mais. "Duas" é o maior exemplo disso. Sobre um loop de saxofone cativante, o emcee confronta sua visão de mundo destilada ao longo do disco com exemplos práticos de sua própria vida. Assim, experiências de amigos, problemas cotidianos, inquietações, certezas e sonhos são postos no liquidificador e tornam-se a melhor letra do álbum. Por outro lado, a relaxante e despreocupada "Um gole de vinho, um pouco de jazz" vai pelo caminho contrário. Continua sendo introspectiva, mas é menos analítica, concentra-se em descrições do cotidiano e exala uma atitude mais otimista.
Na verdade, assim é o tal "Qu4rto Mundo" de Fino. Um espaço tipicamente brasileiro, e não são apenas os samples os responsávies por isso, e sim a própria mentalidade do emcee. Podemos considerá-lo um bom representante do brasileiro comum: cheio de dificuldades, mas ainda assim otimista, crente que o mundo melhora no próximo dia. O cara que para para refletir, mas logo depois está sorrindo com os amigos. Um cara tranquilo, que toma um vinho e ouve um jazz para relaxar e fugir dos monstros e da violência gratuita.
Fino - Quarto Mundo
1. Esboço
2. Tá Aqui
3. Esse é o meu rap
4. Um gole de vinho, um pouco de jazz
5. Rua
7. Skit
8. Violência gratuita
9. Intervalo
10. Hino do Vitorioso
11. Tranquilo
12. Cada um sabe bem o que quer
13. Muro
14. Duas
15. Skit Jorge
16. Qu4rto Mundo
Um comentário:
Sem palavras a respeito do trampo do Fino, ainda mais depois desse texto!
Parabéns a todos envolvidos nesse trampo, feito com muito Amor (sem dúvida) e qualidade!
Fabio Boca - www.programafreestyle.com.br
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