segunda-feira, 15 de março de 2010

Mental Abstrato: Pure Essence

Ano: 2010
Gravadora: Goon Trax
Produtores: Calmão e Omig One (todas as faixas).
Participações: Gelleia (faixa 1), Ronaldo Camilo (2 e 9), Logics (3), Newsense (3), Mo'Dyé (5), Ohmega Watts (7), Marcelo Monteiro (9), Minismooth (10), Awon (12) e Piso Inferior (14).

Que a música brasileira é produto de exportação todos nós sabemos. Mas e o rap nacional? Pois bem, mesmo um dos gêneros mais fechados da nossa terra já começa a abrir caminhos mares afora - justo aquele acusado de ser americanizado e não pertencer à cultura popular. Os responsáveis pelo feito são os produtores Calmão e Omig One, conhecidos também sob a alcunha de Mental Abstrato. Juntos, eles confeccionaram "Pure Essence" e chamaram a atenção da gravadora japonesa Goon Trax, que logo colocou o álbum nas ruas orientais.

Quem acompanha o Boom Bap já ouviu falar da Goon Trax e da cena de rap no Japão. Conhecidos por um estilo batizado como mellow rap, os japas acharam nas batidas suaves e fortemente inspiradas pelo jazz um nicho que alcançou sucesso de público e de crítica por lá. Imagine então como eles ficaram quando dois beatmakers brasileiros apareceram com um disco calcado no jazz, no samba e na bossa nova. A resposta é clara: piraram! Um rap ao gosto japonês utilizando os elementos da música brasileira que são mais reverenciados lá fora - "Pure Essence" não poderia dar errado jamais.

E, claro, não deu. Calmão e Omig One mostram um gosto refinadíssimo para batidas suaves. E o melhor de tudo: mostram uma pesquisa musical genuinamente brasileira, algo sempre defendido pelo Boom Bap. Assim, eles produziram um disco de jazz-rap baseados principalmente em samples tupiniquins e mostraram, mais uma vez, a riqueza, a mina de ouro que aguarda languidamente os produtores nacionais nos sebos desse Brasil afora. Entretanto, não se restringiram aos samples; chamaram músicos como Ronaldo Camilo e Marcelo Monteiro para ajudar na instrumentação dos beats arquitetados.

O resultado de toda essa preparação especial são 14 faixas de uma mistura deliciosa de melodias relaxantes e batidas ora mais fortes, ora tão discretas que chegam a se incorporar no mix. O clima, porém, é invariavelmente tranquilo, e induz facilmente o ouvinte a esquecer a correria do dia a dia, sentar no sofá e ouvir o disco do começo ao fim. Dívidas? Problemas com a esposa? Chefe mala? Emprego que você não aguenta mais? Você vai esquecer tudo isso ao ouvir a belíssima composição de "Já Era Uma Vez". O Dodô perdeu dois pênaltis logo contra o Flamengo? Você nem vai lembrar disso com as strings delicadas de "A Origem é Essa".

Além dos instrumentais impecáveis - ainda preciso citar a uptempo "Jazzeira" e a soturna "Bons Fluídos" -, Calmão e Omig One ainda contaram com convidados, a maioria deles providenciados pela Goon Trax. Assim, podemos ver os emcees da banda ArtOfficial Newsense e Logics se deliciarem sobre a batida de "Me Desculpe Mas Não Resisti", com rimas tão leves quanto os samples, e o injustiçado, subestimado e escondido Ohmega Watts mal conseguir disfarçar sua euforia por rimar sobre a base samba-jazz de "Quando Ouviu Meu Samba", com direito a sample vocal tupiniquim e tudo - reparem no emcee se aventurando no português e mencionado samba incontáveis vezes. A outra contribuição "rapeira" é do também gringo Awon em "A Primeira Audição É A Que Fica", toda bossa-nova. Para além do rap, o Mental Abstrato ainda conta com duas cantoras: a francesa Mo'Dyé e a norte-americana Minismooth, que emprestam um pouco de doçura aos beats. E, claro, também há de se mencionar a incursão dos produtores nas rimas em "Assim eu Sigo", a única faixa com versos brasileiros.

Aliás, este é o meu único "problema" com "Pure Essence". Fiquei curioso em imaginar como seria o resultado do disco caso emcees brasileiros também rimassem sobre alguns dos beats da dupla de produtores. E, além das questões estéticas, do que resultaria a aproximação de mais artistas nacionais com a Goon Trax? Talvez mais participações, mais parcerias, enfim. É algo a ser pensado pela cena nacional - um diálogo maior com um país que conseguiu construir um movimento forte e rentável sem os dólares norte-americanos.

Divagações do escriba à parte, "Pure Essence" é um dos álbuns mais originais que o rap brasileiro já viu nos últimos tempos. Calmão e Omig One acertaram em cheio ao valorizarem a música brasileira e criaram um disco consistente, sem sobressaltos e de muito valor. Pena precisarem de pessoas fora do país para mostrar sua música. Em parte, o projeto do Mental Abstrato ilustra, assim como o DJ norte-americano BK-One e seu "Rádio do Canibal", como os gringos estão antenados no potencial da mistura entre os ritmos nacionais e o rap. Sorte, desta vez, que Calmão e Omig One chegaram antes deles.

Mental Abstrato - Pure Essence
01. Intro
02. Ja Era Uma Vez
03. Me Desculpe Mas Não Resisti
04. Universo Encantado
05. The End
06. A Origem É Essa
07. Quando Ouviu O Meu Samba
08. Assim Eu Sigo
09. Mundo Cruel
10. Pretérito Perfeito
11. Jazzeira
12. A Primeira Audição É A Que Fica
13. Bons Fluidos
14. Villa Bentrane

Clique para escutar o disco

5 comentários:

Gusta disse...

Coisa fina!
Valeu pela dica e parabens pela resenha!

Evandro disse...

Sem duvida um dos melhores discos de Rap Nacional dos últimos tempos. musicalidade finíssima. Jazzeira Clássica.

Glauber Marques / Omig One disse...

Super obrigado pela elegante resenha. É uma enorme satisfação saber em ver o reconhecimento da galera e saber que aquele som que as vzs você criou ali sozinho num momento bem particular, sonseguiu atravesar o mundo, transportando o nosso sentimento para todos ouvintes que estão se identificando com o nosso trampo a cada dia que passa.

Izabela Matias disse...

Resultado de um talento indiscutível, torço pelo seu sucesso, meu amor.

Anônimo disse...

Oi Fagner, adorei seu álbum!!!!!
Te desejo muita sorte...
Beijos, Fabiana.