Ano: 2010
Gravadora: Goon Trax
Produtores: Calmão e Omig One (todas as faixas).
Participações: Gelleia (faixa 1), Ronaldo Camilo (2 e 9), Logics (3), Newsense (3), Mo'Dyé (5), Ohmega Watts (7), Marcelo Monteiro (9), Minismooth (10), Awon (12) e Piso Inferior (14).
Que a música brasileira é produto de exportação todos nós sabemos. Mas e o rap nacional? Pois bem, mesmo um dos gêneros mais fechados da nossa terra já começa a abrir caminhos mares afora - justo aquele acusado de ser americanizado e não pertencer à cultura popular. Os responsáveis pelo feito são os produtores Calmão e Omig One, conhecidos também sob a alcunha de Mental Abstrato. Juntos, eles confeccionaram "Pure Essence" e chamaram a atenção da gravadora japonesa Goon Trax, que logo colocou o álbum nas ruas orientais.
Quem acompanha o Boom Bap já ouviu falar da Goon Trax e da cena de rap no Japão. Conhecidos por um estilo batizado como mellow rap, os japas acharam nas batidas suaves e fortemente inspiradas pelo jazz um nicho que alcançou sucesso de público e de crítica por lá. Imagine então como eles ficaram quando dois beatmakers brasileiros apareceram com um disco calcado no jazz, no samba e na bossa nova. A resposta é clara: piraram! Um rap ao gosto japonês utilizando os elementos da música brasileira que são mais reverenciados lá fora - "Pure Essence" não poderia dar errado jamais.
E, claro, não deu. Calmão e Omig One mostram um gosto refinadíssimo para batidas suaves. E o melhor de tudo: mostram uma pesquisa musical genuinamente brasileira, algo sempre defendido pelo Boom Bap. Assim, eles produziram um disco de jazz-rap baseados principalmente em samples tupiniquins e mostraram, mais uma vez, a riqueza, a mina de ouro que aguarda languidamente os produtores nacionais nos sebos desse Brasil afora. Entretanto, não se restringiram aos samples; chamaram músicos como Ronaldo Camilo e Marcelo Monteiro para ajudar na instrumentação dos beats arquitetados.
O resultado de toda essa preparação especial são 14 faixas de uma mistura deliciosa de melodias relaxantes e batidas ora mais fortes, ora tão discretas que chegam a se incorporar no mix. O clima, porém, é invariavelmente tranquilo, e induz facilmente o ouvinte a esquecer a correria do dia a dia, sentar no sofá e ouvir o disco do começo ao fim. Dívidas? Problemas com a esposa? Chefe mala? Emprego que você não aguenta mais? Você vai esquecer tudo isso ao ouvir a belíssima composição de "Já Era Uma Vez". O Dodô perdeu dois pênaltis logo contra o Flamengo? Você nem vai lembrar disso com as strings delicadas de "A Origem é Essa".
Além dos instrumentais impecáveis - ainda preciso citar a uptempo "Jazzeira" e a soturna "Bons Fluídos" -, Calmão e Omig One ainda contaram com convidados, a maioria deles providenciados pela Goon Trax. Assim, podemos ver os emcees da banda ArtOfficial Newsense e Logics se deliciarem sobre a batida de "Me Desculpe Mas Não Resisti", com rimas tão leves quanto os samples, e o injustiçado, subestimado e escondido Ohmega Watts mal conseguir disfarçar sua euforia por rimar sobre a base samba-jazz de "Quando Ouviu Meu Samba", com direito a sample vocal tupiniquim e tudo - reparem no emcee se aventurando no português e mencionado samba incontáveis vezes. A outra contribuição "rapeira" é do também gringo Awon em "A Primeira Audição É A Que Fica", toda bossa-nova. Para além do rap, o Mental Abstrato ainda conta com duas cantoras: a francesa Mo'Dyé e a norte-americana Minismooth, que emprestam um pouco de doçura aos beats. E, claro, também há de se mencionar a incursão dos produtores nas rimas em "Assim eu Sigo", a única faixa com versos brasileiros.
Aliás, este é o meu único "problema" com "Pure Essence". Fiquei curioso em imaginar como seria o resultado do disco caso emcees brasileiros também rimassem sobre alguns dos beats da dupla de produtores. E, além das questões estéticas, do que resultaria a aproximação de mais artistas nacionais com a Goon Trax? Talvez mais participações, mais parcerias, enfim. É algo a ser pensado pela cena nacional - um diálogo maior com um país que conseguiu construir um movimento forte e rentável sem os dólares norte-americanos.
Divagações do escriba à parte, "Pure Essence" é um dos álbuns mais originais que o rap brasileiro já viu nos últimos tempos. Calmão e Omig One acertaram em cheio ao valorizarem a música brasileira e criaram um disco consistente, sem sobressaltos e de muito valor. Pena precisarem de pessoas fora do país para mostrar sua música. Em parte, o projeto do Mental Abstrato ilustra, assim como o DJ norte-americano BK-One e seu "Rádio do Canibal", como os gringos estão antenados no potencial da mistura entre os ritmos nacionais e o rap. Sorte, desta vez, que Calmão e Omig One chegaram antes deles.
Mental Abstrato - Pure Essence
01. Intro
02. Ja Era Uma Vez
03. Me Desculpe Mas Não Resisti
04. Universo Encantado
05. The End
06. A Origem É Essa
07. Quando Ouviu O Meu Samba
08. Assim Eu Sigo
09. Mundo Cruel
10. Pretérito Perfeito
11. Jazzeira
12. A Primeira Audição É A Que Fica
13. Bons Fluidos
14. Villa Bentrane
Clique para escutar o disco
Gravadora: Goon Trax
Produtores: Calmão e Omig One (todas as faixas).
Participações: Gelleia (faixa 1), Ronaldo Camilo (2 e 9), Logics (3), Newsense (3), Mo'Dyé (5), Ohmega Watts (7), Marcelo Monteiro (9), Minismooth (10), Awon (12) e Piso Inferior (14).
Que a música brasileira é produto de exportação todos nós sabemos. Mas e o rap nacional? Pois bem, mesmo um dos gêneros mais fechados da nossa terra já começa a abrir caminhos mares afora - justo aquele acusado de ser americanizado e não pertencer à cultura popular. Os responsáveis pelo feito são os produtores Calmão e Omig One, conhecidos também sob a alcunha de Mental Abstrato. Juntos, eles confeccionaram "Pure Essence" e chamaram a atenção da gravadora japonesa Goon Trax, que logo colocou o álbum nas ruas orientais.
Quem acompanha o Boom Bap já ouviu falar da Goon Trax e da cena de rap no Japão. Conhecidos por um estilo batizado como mellow rap, os japas acharam nas batidas suaves e fortemente inspiradas pelo jazz um nicho que alcançou sucesso de público e de crítica por lá. Imagine então como eles ficaram quando dois beatmakers brasileiros apareceram com um disco calcado no jazz, no samba e na bossa nova. A resposta é clara: piraram! Um rap ao gosto japonês utilizando os elementos da música brasileira que são mais reverenciados lá fora - "Pure Essence" não poderia dar errado jamais.
E, claro, não deu. Calmão e Omig One mostram um gosto refinadíssimo para batidas suaves. E o melhor de tudo: mostram uma pesquisa musical genuinamente brasileira, algo sempre defendido pelo Boom Bap. Assim, eles produziram um disco de jazz-rap baseados principalmente em samples tupiniquins e mostraram, mais uma vez, a riqueza, a mina de ouro que aguarda languidamente os produtores nacionais nos sebos desse Brasil afora. Entretanto, não se restringiram aos samples; chamaram músicos como Ronaldo Camilo e Marcelo Monteiro para ajudar na instrumentação dos beats arquitetados.
O resultado de toda essa preparação especial são 14 faixas de uma mistura deliciosa de melodias relaxantes e batidas ora mais fortes, ora tão discretas que chegam a se incorporar no mix. O clima, porém, é invariavelmente tranquilo, e induz facilmente o ouvinte a esquecer a correria do dia a dia, sentar no sofá e ouvir o disco do começo ao fim. Dívidas? Problemas com a esposa? Chefe mala? Emprego que você não aguenta mais? Você vai esquecer tudo isso ao ouvir a belíssima composição de "Já Era Uma Vez". O Dodô perdeu dois pênaltis logo contra o Flamengo? Você nem vai lembrar disso com as strings delicadas de "A Origem é Essa".
Além dos instrumentais impecáveis - ainda preciso citar a uptempo "Jazzeira" e a soturna "Bons Fluídos" -, Calmão e Omig One ainda contaram com convidados, a maioria deles providenciados pela Goon Trax. Assim, podemos ver os emcees da banda ArtOfficial Newsense e Logics se deliciarem sobre a batida de "Me Desculpe Mas Não Resisti", com rimas tão leves quanto os samples, e o injustiçado, subestimado e escondido Ohmega Watts mal conseguir disfarçar sua euforia por rimar sobre a base samba-jazz de "Quando Ouviu Meu Samba", com direito a sample vocal tupiniquim e tudo - reparem no emcee se aventurando no português e mencionado samba incontáveis vezes. A outra contribuição "rapeira" é do também gringo Awon em "A Primeira Audição É A Que Fica", toda bossa-nova. Para além do rap, o Mental Abstrato ainda conta com duas cantoras: a francesa Mo'Dyé e a norte-americana Minismooth, que emprestam um pouco de doçura aos beats. E, claro, também há de se mencionar a incursão dos produtores nas rimas em "Assim eu Sigo", a única faixa com versos brasileiros.
Aliás, este é o meu único "problema" com "Pure Essence". Fiquei curioso em imaginar como seria o resultado do disco caso emcees brasileiros também rimassem sobre alguns dos beats da dupla de produtores. E, além das questões estéticas, do que resultaria a aproximação de mais artistas nacionais com a Goon Trax? Talvez mais participações, mais parcerias, enfim. É algo a ser pensado pela cena nacional - um diálogo maior com um país que conseguiu construir um movimento forte e rentável sem os dólares norte-americanos.
Divagações do escriba à parte, "Pure Essence" é um dos álbuns mais originais que o rap brasileiro já viu nos últimos tempos. Calmão e Omig One acertaram em cheio ao valorizarem a música brasileira e criaram um disco consistente, sem sobressaltos e de muito valor. Pena precisarem de pessoas fora do país para mostrar sua música. Em parte, o projeto do Mental Abstrato ilustra, assim como o DJ norte-americano BK-One e seu "Rádio do Canibal", como os gringos estão antenados no potencial da mistura entre os ritmos nacionais e o rap. Sorte, desta vez, que Calmão e Omig One chegaram antes deles.
Mental Abstrato - Pure Essence
01. Intro
02. Ja Era Uma Vez
03. Me Desculpe Mas Não Resisti
04. Universo Encantado
05. The End
06. A Origem É Essa
07. Quando Ouviu O Meu Samba
08. Assim Eu Sigo
09. Mundo Cruel
10. Pretérito Perfeito
11. Jazzeira
12. A Primeira Audição É A Que Fica
13. Bons Fluidos
14. Villa Bentrane
5 comentários:
Coisa fina!
Valeu pela dica e parabens pela resenha!
Sem duvida um dos melhores discos de Rap Nacional dos últimos tempos. musicalidade finíssima. Jazzeira Clássica.
Super obrigado pela elegante resenha. É uma enorme satisfação saber em ver o reconhecimento da galera e saber que aquele som que as vzs você criou ali sozinho num momento bem particular, sonseguiu atravesar o mundo, transportando o nosso sentimento para todos ouvintes que estão se identificando com o nosso trampo a cada dia que passa.
Resultado de um talento indiscutível, torço pelo seu sucesso, meu amor.
Oi Fagner, adorei seu álbum!!!!!
Te desejo muita sorte...
Beijos, Fabiana.
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