quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

4º: Cunninlynguists - Dirty Acres


Participações: Big Rube, Devin the Dude, Phonte, Witchdoctor,Chizuko Yoshihiro, Sheisty Khrist e Club Dub
Produtor: Kno

Eu tenho 19 anos, e um sogro de 44 anos. Naturalmente, ele não conhece muito sobre rap e eu sou talvez o que de mais próximo existe dele que tenha a ver com a cultura hip hop. Com a idade dele, obviamente ele ouve bastante coisa dos anos 1980, tanto nacional quanto internacional. Se um dia perguntado sobre rap, viria à cabeça dele os dois estereótipos: o rap duro e mau humorado nacional imortalizado pelos Racionais; e os carrões, cordões e mulheres rebolando sobre instrumentais dançantes, que podem ser conferidos tanto na rádio quanto na televisão. Se um dia ele me pedisse para apresentá-lo ao rap com algum álbum, eu provavelmente pensaria primeiro nas estréias do Wu-Tang Clan ou do Nas, mas desistiria por causa da agressividade das letras e da música. Seria um choque, e eu iria preferir uma apresentação mais gradual, afinal eu não quero assustar o pai da minha namorada. Por isso, eu daria a ele o álbum novo do Cunninlynguists, Dirty Acres.

O trio do sul dos EUA formado pelo produtor Kno e os emcees Natti e Deacon lançou em 2007 mais um trabalho excelente, com um estilo totalmente próprio. Maturidade talvez seja a palavra que melhor defina o grupo e este álbum. Letras bem escritas abordando assuntos interessantes, com flows seguros, além de beats que não têm paralelo dentro do rap atual: eu não sei se Kno usa instrumentos ou apenas sampleia, mas a impressão que passa é que ele tem toda uma banda a seu dispor para fazer a música fluir. E o resultado é sensacional.

Este novo trabalho do grupo investe bastante numa atmosfera mais sombria, com algumas músicas mais leves para dar o equilíbrio necessário. "Valley of Death" é um boom-bap caótico com uma linha de baixo pulsante; nem o violão bem brasileiro de "Gun" tira a tensão criada a partir da primeira frase proferida por Deacon("foda-se a polícia"). Mas é em "Things I Dream" que Kno atinge o máximo de tensão e caos possível: strings sinistras se repetindo incessantemente e se tornando ainda mais ameaçadoras em determinados momentos da música, obrigando inclusive os emcees a mudarem seus flows.

Para contrabalancear o ambiente sinistro, Kno nos oferece músicas típicas para uma tarde de sol: "The Park" é o grande símbolo disso, com um refrão cantado que acentua ainda mais tais características. "Georgia" tem uma linha de baixo preguiçosa e um piano simpático; "Mexico" tem uma guitarra tranqüila ao fundo e um refrão que gruda na mente de qualquer um.

Face a beats tão bem feitos, os emcees também precisaram mostrar trabalho para não serem ofuscados. E fizeram isso bem. Apesar de uma insistência desnecessária em músicas sobre garotas("Wonderful", "Yellow Lines" e "Dance for Me"), eles ainda oferecem uma boa variedade de temas. Desde a descrição de um parque num dia ensolarado em "The Park" até o México na faixa homônima, passando por política em "Gun", sonhos mórbidos em "Things I Dream", morte em "Dirty Acres", e lar doce lar em "KKKY" e "Georgia". Esta última é interessante, porque, enquanto Kno fala sobre o lugar onde nasceu, Natti fala sobre sua mãe, em um dos melhores versos do álbum:

"Georgia Lee Andrews, criou um homem vestindo as calças do papai além dos sapatos dela
eu nunca duvidei da fé que existia no amor dela
aquele tal de Garnett Lamar Bush iria encontrar um jeito para ser grande
mesmo depois de várias refeições nos pratos das prisões juvenis
culpe as taxas de prisão, adie a data da libertação
apenas para voltar para casa e ver o seu sorriso
enquanto o cara com quem você casou para me dar um pai ficava vacilando
o seu derrame foi de muita sorte para ele
manteve a casa e comprou um carro e um caminhão para ele
amava muito meu irmão para ir embora e deixá-lo orfão
então o pai dele andava por aí, o único homem que eu odiei
com a piranha com quem ele se mudou uma semana depois de você acordar
tão certo quanto Georgia deu-me à luz, eu tenho certeza que Kentucky
meu estado parece vazio sem você para segurar o seu neto
que sorri para a sua foto, ainda sem ter dentes na boca
tão lindo, você o veria mesmo se estivesse a milhas de distância
você juraria que eu tinha asma quando me visse sem ar
sinto falta de você, me sinto como se o Senhor tivesse me feito errado

mas de alguma forma me tornou grande quando ele me fez pai
a sinfonia do prazer e da dor tocada simplesmente pela dor
reforçada pelas lágrimas que eu luto para conter
mas às vezes eu não consigo ajudar, às vezes eu sou tão egoísta
sentindo como se Deus não te amasse como eu amo
Georgia"

É por versos como este e muitos outros encontrados no álbum que os Cunninlynguists têm um dos melhores álbuns do ano. Música madura, com letras maduras, sem perder a diversão. Dirty Acres é um exemplo do estágio onde o rap deveria estar ao se encaminhar para os seus 30 anos de indústria. Dirty Acres é o álbum ideal para impressionar o pai da sua namorada ao mostrar que tem um ótimo gosto musical....

CunninLynguists - Dirty Acres
  1. Never feat Big Rube
  2. Valley of Death
  3. Dirty Acres
  4. Interlude One
  5. K.K.K.Y.
  6. Wonderful feat Devin the Dude
  7. Yellow Lines feat Phonte & Witchdoctor
  8. The Park feat Chizuko Yoshihiro
  9. Summer's Gone
  10. Interlude Two
  11. Gun feat Sheisty Khrist
  12. Dance For Me
  13. Georgia
  14. Things I Dream
  15. Mexico feat Club Dub
Download

Tradução da música "Things I Dream"

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